terça-feira, 3 de novembro de 2015

Depois que Merkel acabar de destruir a Alemanha, e Cameron, a Europa; e depois que Obama tiver perdido sua guerra contra o Kremlin, Putin será o último homem à tona (e a Rússia estará livre dos oligarcas).

03/11/2015, John Helmer, Dance with bears

"É artigo de provocação. Mas, se você acompanhou a imprensa-empresa anglo-europeia durante os dois últimos anos, sabe que Putin já teria de ter sido destruído. Sanções ocidentais, preços muito baixos para o petróleo foram medidas concebidas para encurralar Putin contra a parede e obrar mais uma 'mudança de regime', nesse caso no Kremlin, ou, no mínimo, para enfraquecer Putin de tal modo que os EUA pudessem dar início a mais um daqueles seus enredos para "mudar o tabuleiro do jogo estratégico", que em geral deixam, por onde passem, um rastro de estados destruídos.

Mas Putin, presidente de um país de segundo escalão em termos econômicos, e apesar de ter sempre lutado contra adversários mais pesados que ele, em termos geopolíticos, desequilibrou-os a ponto de deixá-los zonzos e, agora, até já organizou uma coalizão no Oriente Médio que, pelo andar da carruagem, arrancará dos EUA um objetivo para cuja conquista vários governos norte-americanos apostaram grande parte da própria reputação, além de muito dinheiro, a saber, arrancar Assad da presidência da Síria.

Como Putin fez tudo isso? Como é possível? O que aconteceu?"
(3/11/2015, 
Naked Capitalism, (ing.), Ives Smith, introdução ao artigo que abaixo se lê)
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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Desde que os EUA iniciaram a queda de regimes-dominós em Kiev em fevereiro 2014, já derrubaram o regime polonês, e o francês está condenado – presidente François Hollande será derrotado por qualquer um dos candidatos que concorrem contra ele, inclusive Marine Le Pen da Frente Nacional. O primeiro-ministro britânico David Cameron pode adiar sua prestação de contas, mas para efeito europeu, não dentro de casa. A chanceler alemão Angela Merkel tem menos apoiadores a cada dia que passa. Quando Merkel cair, levará com ela a União Europeia (UE) em ruínas.

A Rússia, sob ataque eterno de EUA, Alemanha, França e Grã-Bretanha na guerra para derrubar o presidente Vladimir Putin, é agora o único país europeu cujos eleitores manifestam mais apoio aos próprios governantes, não menos, que antes. É também o único com capacidade para resistir contra a imigração não desejada; para converter sua economia de modo a que gere crescimento economicamente sustentável; e para derrotar, pela força, os inimigos do próprio povo russo. A guerra para 'proteger' a Europa contra a Rússia está destruindo, em velocidade impressionante, a Europa. 

Quando há guerra internacional, o capital internacional é obrigado a virar nacional. Historicamente, essa transformação foi implantada pela pirataria naval de tipo elizabetano, pelos bloqueios napoleônicos, por negociação com os estatutos inimigos, ou por sanções de tipo "EUA". Durantes esses episódios, o capitalismo internacional deixa de existir, exceto como mercado negro ou contrabando. A regulação (reforma) dos mercados internacionais passa a ser subordinada dos interesses do capital nacional, de modo que os compadres da nação impõem-se sobre reformadores internacionais.

As sanções de EUA e UE do tipo imposto desde março de 2014 (individual, setorial, cirúrgicas, invisíveis) representam um dos fronts da guerra EUA-UE contra a Rússia. Esse tipo de guerra breca a internacionalização do capital, como quando o comércio decommodities é precificado em dólares norte-americanos; os bancos dos EUA fazem a lavagem; e sistemas como SWIFT, Visa e Mastercard transferem o dinheiro. A Rússia (China e Índia também) passa(m) a ter de nacionalizar as próprias instituições, instrumentos e apparatchiki do capital.

A justificativa introdutória para as sanções dos EUA como ataque contra o "círculo íntimo" em torno de Putin não passou de camuflagem para uma estratégia para tentar mudar o regime na Rússia – e nunca foi campanha para sanear os abusos do capital internacional, evasão de impostos, corrupção. A perseguição extrajudicial, pelos EUA, contra capitalistas corruptos e apaniguados é tática de guerra, não política empresarial nem, menos ainda, doutrina jurisprudencial. Aplica-se contra "inimigos" como 
Dmitry Firtash, mas não contra "amigos" como Yulia Tymoshenko.

                   Merkel p/ Timoshenko: "Quanto?"                                    Timoshenko p/Merkel (no ouvidinho): "195 milhões."
A divulgação, semana passada, dos memorandos redigidos por advogados do governo dos EUA, para o presidente Barack Obama, justificando o assassinato planejado de Osama bin Laden em maio de 2011, confirma o que é óbvio, na guerra contra a Rússia. "Havia também um trunfo" – o New York Times noticiou. – "Por mais que os advogados acreditassem que Mr. Obama estivesse obrigado a cumprir a lei doméstica, eles também acreditavam que ele podia decidir violar a lei internacional e autorizar uma ação clandestina, disseram alguns funcionários."


A força não é a única violação da lei doméstica dos EUA que pode ser empregada em terra estrangeira. O suborno é tradicional arma de estratégia de estado; claro que não é monopólio, nem do Kremlin, nem da Casa Branca. O antigo império romano, e o império bizantino que o sucedeu, três vezes mais longo, ilustram o óbvio. Pagar para neutralizar os inimigos, ou persuadi-los a ser amigáveis, é muito mais objetivamente efetivo, previsível, menos arriscado que mobilizar exércitos enormes capazes de conter rebeliões locais, fazer incursões transfronteiras ou invadir. Para ter ideia clara do custo das infindáveis guerras dos EUA no Afeganistão e Iraque, leiam isso


É igualmente óbvio que exércitos e armas não podem defender fronteiras e territórios em profundidade, sem sistemas internos operantes para arrecadar impostos para pagar o que custam os exércitos e as armas. Nos anos finais da União Soviética, oPolitburo em Moscou tentou, sem sucesso, intervenções armadas na Lituânia, depois no Azerbaijão. Mas rapidamente desistiram da opção de força, e abandonaram o esforço para impor o poder direto. Demoraram ainda mais até serem persuadidos a abandonar os meios para manter intacta a zona do rublo de estados ex-soviéticos, mediante um único banco central e um sistema comum de financiar o rublo. 


Depois que a União Soviética colapsou, em lugar dos controles militares, administrativos e financeiros do velho sistema, o Kremlin usou (criou) os oligarcas russos para restaurar uma medida considerável da sua antiga influência. Não tão diretamente nem tão obviamente potentes como o Partido Comunista, a segurança da KGB, o aparato do Gosbank e os comandos do Exército Vermelho haviam sido antes de 1991; mesmo assim, os oligarcas funcionaram bem para restaurar a influência pessoal com as elites governantes centro-asiáticas, obtendo assim meios únicos para antecipar e neutralizar tantas ameaças aos interesses do estado russo quantas pudessem estar em cogitação. Os russos conseguiram fazer isso pagando em dinheiro – a preços que não passavam de minúscula fração do velho preço soviético. 



Os EUA empregaram exatamente os mesmos meios, dentro da Federação Russa e dentro da União Soviética. O caso do processo, pelo governo dos EUA de James Giffen, por ter subornado altos funcionários no Cazaquistão, é exemplar. A defesa de Giffen ante uma corte federal em New York, que o acusava de subornar e corromper funcionário estrangeiro, foi que Giffen agira com mandado da CIA. O juiz federal acolheu a defesa e encerrou o processo: "Nada há a discutir. O Sr. Giffen foi importante fonte de informação para o governo dos EUA e portador de informação secreta saída da União Soviética, durante a Guerra Fria. Fez voluntariamente o que fez e foi dos raros norte-americanos com acesso continuado e confiável aos mais altos níveis do oficialato soviético. (...) Esse relacionamento, construído ao longo de uma vida, foi perdido no dia em que ele foi preso. Esse calvário tem de acabar. Como o Sr. Giffen poderá recuperar sua reputação? Essa corte dá o primeiro passo, reconhecendo os serviços por ele prestados."  


Na esfera russa de influência, o sistema dos oligarcas (incluindo as corporações estatais de energia) foi bem-sucedido na proteção dos interesses estratégicos do Kremlin na Armênia, Uzbequistão, Turcomenistão, Cazaquistão, Tadjiquistão e Quirguistão. Não foi tão bem-sucedido, embora ainda garantindo apoio positivo, na Bielorrússia. E foi malsucedido na Geórgia e na Ucrânia.


Nesses países, dado que os EUA optaram por usar a força – não importa que sob forma de guerra 'híbrida' ou de guerra 'por procuração' – o Kremlin foi obrigado a contrarreagir também pela força. A derrota da força dos EUA na Geórgia, em agosto de 2008, levou os EUA a usarem força muito maior na Ucrânia em 2014. 



Na Ucrânia, o substancial confisco de bens, os controles sobre oferta de energia e o clientelismo político que Rússia, seus bancos estatais e os oligarcas russos haviam estabelecido ali, mostraram-se mal protegidos e impotentes quando os EUA usaram força para derrubar o regime do presidente Victor Yanukovich. Depois que aconteceu, dentro do Kremlin Putin perdeu o efeito de equilíbrio de seus "internacionalistas" e facções "empresariais", e foi obrigado a seguir o curso previsto e mapeado, não pelossiloviki (como são conhecidos em geral), mas pelo Estado-maior e pelos serviços de inteligência. Consequência disso foi uma revolução silenciosa que ninguém fora da Rússia percebeu. 



O sistema russo oligárquico (também conhecido como capitalismo clientelista russo [orig. Russian crony capitalism]) decidiu, primeiro, manter no poder um presidente fraco, corrupto, cliente dos EUA: Boris Yeltsin. Na sequência, o sistema oligárquico mostrou-se bem adequado para projetar o poder econômico russo para o exterior, e para fazer expandir o apoio doméstico a Putin, depois que ele eliminou as ameaças instaladas na linha de frente dos oligarcas – Vladimir Gusinsky, Boris Berezovsky e Mikhail Khodorkovsky. O sistema era volátil e competitivo, mas estável. Até que os EUA usaram de força para fazer acontecer uma mudança de regime na Rússia. 



Daquele momento em diante, tornou-se óbvio que o sistema carecia de poder político nos países e mercados nos quais os oligarcas russos haviam tentado convencer o Kremlin de que seriam poderosíssimos. Mikhail Fridman tinha, continua a ter, patrimônio valioso na Ucrânia, mas zero de poder político, na hora de fazer as contas, ano passado. Roman Abramovich e Alisher Usmanov estão entre os homens mais ricos que vivem no Reino Unido – mas se provaram impotentes, quando o capital britânico uniu forças com os EUA para atacar Putin. Alexander Lebedev é dono de dois jornais e de um canal de televisão em Londres, mas seu filho Evgeny usa esses veículos para morder a mão que o alimentou. Mikhail Prokhorov, Alexander Abramov e Vagit Alekperov, os oligarcas que têm o maior capital aplicado nos EUA, não conseguem manifestar a mesma capacidade de resistir que outros de seus pares em outros países, quando o governo ou o Congresso dos EUA vira hostil.



Esses oligarcas provaram-se mal adaptados para guerrear. Isso, porque foram internacionalizando seu capital e, ao fazê-lo, foram-se tornando reféns dos instrumentos de guerra que hoje EUA e europeus estão usando. 



Três figuras do mundo político russo compreenderam tudo isso e o declararam publicamente: o vice-ministro da Defesa Dmitry Rogozin (imagem, à esquerda); o às vezes conselheiro presidencial Sergei Glazyev; e o coronel Igor Girkin (Strelkov, à direita) proponente da guerra na Novorrússia. Os três aparecem nas listas de EUA-UE de nomes postos sob sanções



Com o colapso do comércio internacional de commodities e o corte nos financiamentos internacionais para eles, o endividamento dos oligarcas resultou na virtual nacionalização daqueles patrimônios por bancos estatais russos. Individualmente, os oligarcas continuam, enquanto Putin e os serviços de segurança entenderem que se comportam com lealdade e patriotismo; e sob a condição de que aceitem o novo papel, como avalistas do Estado, não como capitalistas empreendedores. 



Resistência da velha guarda, como a de Igor Zyuzin da [empresa] Mechel, contra a compra de sua mineradora e siderúrgica falidas pelo Sberbank, é a exceção que ajuda a verificar a regra. Mais exemplar é o caso de Oleg Deripaska que recentemente converteu a Rusal, monopólio de alumínio, de exportadora global de minérios, para fábrica integrada verticalmente para o mercado doméstico de minério de bauxita para fabricar estruturas de janelas; detalhes, aqui



E há também o caso de Alexei Mordashov. A última vez que Putin convocou os oligarcas para dar-lhe ordens quanto a o que fazerem, foi num jantar no Kremlin dia 19/12/2014. Aqui está a lista de convidados; Mordashov estava sentado alfabeticamente à direita de Putin. Um mês depois, dia 19/1, ele se encontrou com Putin (imagem) no Kremlin para discussão mais íntima. 



A transcrição parcial de gravações do Kremlin mostra Mordashov dizendo a Putin que está feliz por estar atualmente focado na Rússia. – De fato, como diz, ele está fazendo mais dinheiro por causa disso. "Ano passado, aumentamos levemente o volume de nossa produção: a produção de aço subiu 2%. De modo geral até se diria que tivemos bons indicadores, primeiros do mundo em termos de fatores importantes como lucratividade da produção e volume líquido de endividamento. Ao mesmo tempo, trabalhamos bem no exterior, mas chegamos à conclusão de que nosso futuro está primariamente aqui, na Rússia, no mercado russo, e nossa produção aqui é mais eficiente. Vendemos a divisão norte-americana e estamos quase totalmente focados em nossas empresas russas. Isso levou a nível bem considerável de lucros." Para saber dos vários bilhões de dólares que Mordashov investiu nos EUA, não na Rússia, e logo perdeu, leiam aqui


"Acreditamos que nosso futuro está primariamente aqui, na Rússia, no mercado russo" – disse ele, mas só quando já não tinha escolha se não acreditar precisamente nisso. "No momento, há muitas conversas sobre tempos difíceis e tal. Mas penso que o que está acontecendo agora, apesar de algumas sérias dificuldades, também representa bom potencial para crescimento. Em outras palavras, o que está acontecendo é uma correção séria nos indicadores macroeconômicos, mas por outro lado esses eventos estão tornando mais competitiva a produção nacional."


Mordashov não faz essas viagens até o gabinete de Putin para trocarem figurinhas. Quase sempre, vai pedir licença para gastar algum dinheiro fora da Rússia; para saberem o que aconteceu depois que Putin atendeu ao pedido dele, em maio de 2006, clique aqui. Dia 19 de janeiro passado, parece não ser exceção. A transcrição do Kremlin é interrompida com Putin dizendo: "Bom. Obrigado." Será que Mordashov, na continuação, disse que queria gastar mais de um bilhão de dólares na compra de ações de Tui,grupo de turismo listado na Bolsa de Londres, com sede na Alemanha? O porta-voz de Mordashov em Moscou não responde, mas há sinais surgindo na Alemanha de que Mordashov pediu permissão e Putin permitiu.



Segundo matérias de jornais alemães, que têm sido repetidas na imprensa de negócios em Moscou, em agosto Mordashov pediu autorização da agência alemã de regulação antitrustes, para comprar 12% das ações do grupo Tui, que se acrescentariam aos 13% que ele já tinha. A matéria alemã surgiu dia 21 de agosto; a russa, dia 4 de setembro. Mordashov informou ao governo alemão que está atuando mediante uma empresa de Chipre, de nome Unifirm. A proposta de compra de 71 milhões de ações de Tui custariam a Mordashov £859 milhões (1,3 bilhão de dólares) a preços atuais de mercado. Sem revelar o custo, ele contou a um jornal de Moscou: "Posso e quero [ampliar minha parte das ações], me parece. Acho que não ultrapassarei o limite de 30%, a partir do qual teria de fazer uma oferta aos acionistas. O pacote que desejo é de 20% a 25%, dependendo da situação." É o maior investimento único de oligarca russo fora da Rússia, que Putin autorizou pessoalmente desde que anunciou publicamente que estava proibindo precisamente esse tipo de investimento. O que virá depois disso?


A guerra norte-americana – incluindo o front ucraniano, o front sírio e o front no Norte da África – não pode continuar a ser sustentada por muito tempo na Europa, porque os custos são altos demais para os orçamentos nacionais pagarem e para o eleitorado tolerar. A crise dos refugiados demonstra que o respingamento dessas guerras norte-americanas está quebrando qualquer tipo de acordo e consenso político europeus, ameaçando portanto todos os partidos governantes e muitos dos partidos de oposição por toda a Europa. O sistema Putin de governar é mais bem adaptado agora, que o sistema europeu, para guerra prolongada, apesar doa altos custos domésticos. 


O clientelismo no governo dos EUA também é prática pouco adaptável à atual situação. Isso, porque nenhum governante norte-americano consegue implementar o que quer que decida fazer, seja aos amigos seja aos inimigos, e, assim, os EUA não têm como combinar com os aliados os seus gambitos de guerra (como, antes, foi possível combinar, no Afeganistão, no Iraque e na Líbia). Pelo mesmo motivo, nenhum acordo de paz que os EUA negociem com rivais ou adversários será jamais estável.*****

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