quinta-feira, 19 de novembro de 2015

'Guerra' de Hollande não atrapalhará negócios de armas com a Arábia Saudita

17/11/2015, Robert Fisk, The Independent 




Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




O país que fornece o credo wahhabista sunita para o ISIS, dos matadores de Paris, pouco se incomodará com os pulinhos frenéticos da guerra de François Hollande. Os sauditas já ouviram antes essa, de Nova Ordem Mundial, faz tempo, em 1991, quando George W Bush concebeu essa expressão sub-Hitleriana para o Oriente Médio e sonhou que conseguiria produzir: um oásis de paz, local de riqueza desarmada onde espadas fossem transformadas em arados – ou, no mínimo, em navios-petroleiros maiores e oleodutos mais compridos.


Os sauditas estão muito mais ocupados explodindo o Iêmen em cacos, naquela guerra enlouquecida deles lá contra os Houthis xiitas, para se preocuparem com os doidos wahhabistas sunitas do ISIS. O inimigo dos sauditas continua a ser o novo melhor amigo dos EUA – o Irã xiita –, e os sunitas continuam tão aplicados como sempre na tarefa de derrubar o presidente xiita alawita [aqui, Fisk erra: o presidente Bashar al-Assad preside governo SECULAR e INCLUSIVO, em termos religiosos, na Síria (NTs)], apesar de o ISIS estar na linha de frente contra Bashar al-Assad. 


Os sauditas sabem que a política externa do governo francês favorece o comércio com os sauditas tão fervorosamente quanto, antes, ela se opôs ao acordo nuclear iraniano – e que bilhões de dólares em itens de uso militar fabricados nos/pelos EUA continuam a fluir para o reino, apesar dos laços de seus concidadãos com o culto que destruiu 129 vidas em Paris.

Se alguém ainda supõe que Barack Obama vá disciplinar a teocracia monárquica saudita, basta olhar a proposta de venda de armas norte-americanas, num total de $1,29 bilhão, ao rei Salman, de 79 anos, para perceber que os EUA pouco se incomodam com a ferocidade do reino. 

Os sauditas praticamente pararam de bombardear o ISIS – surpresa, surpresa! –, mas precisam desesperadamente de mais armas, depois de terem torrado armas e munição dos próprios arsenais para matar iemenitas enfraquecidos pela miséria e pela fome. O negócio de armas proposto – já aprovado pelo Departamento de Estado dos EUA – inclui munição para ataque direto fabricada pela [empresa] Boeing e bombas Paveway guiadas por laser fabricadas pela [empresa] Raytheon.

Os Houthis, desnecessário dizer, continuam a controlar grandes áreas do Iêmen, inclusive a capital Sanaa, mesmo que a tal 'assistência militar iraniana aos Houthis – de que tanto falam os sauditas – não passe de mito. Já há muito tempo grupos de direitos humanos denunciam os ataques aéreos dos sauditas, que matam civis indiscriminadamente – a ONU estima que 2.355 civis tenham sido mortos, 2.355 iemenitas cuja vida é tão preciosa quanto a de cada um dos 129 civis mortos em Paris na 6ª-feira.

Os norte-americanos – e os franceses – presumivelmente adorariam que os sauditas matassem 2.355 membros do ISIS, mas não acontecerá. O Congresso dos EUA já permitiu que Obama venda outros 600 foguetes Patriot PAC-3 para defesa aérea – enfiando £5,4 bilhões no bolso da [empresa] Lockheed Martin – apesar de os Houhtis não terem sequer uma aeronave com a qual pudessem atacar sunitas. Os mísseis visam, presumivelmente, a proteger a Arábia Saudita contra ataque aéreo iraniano que ninguém, em todo o Golfo, realmente acredita que algum dia aconteça.

Quanto às novas leis de emergência da França, não perturbarão nem os sauditas nem qualquer outra nação árabe. Num Oriente Médio onde os ditadores locais, reis e emires – praticamente todos eles aliados do Ocidente – espionam regularmente os próprios cidadãos, gravam seus telefonemas e torturam o próprio povo, ninguém perderá o sono só porque as novas leis de Hollande capam a igualdade ou a liberdade do povo da França. 

Quanto aos sauditas, a guerra familiar entre o príncipe coroado e ministro do Interior Mohammed bin Nayef, e o príncipe coroado e ministro da Defesa Mohammed bin Salman bin Saud, de 30 anos – que ordenou o desastrado ataque saudita contra o Iêmen – é, de longe, muito mais interessante que o futuro do ISIS.

E ainda mais interessantes para a França são seus próprios negócios de armas com o reino saudita, onde Hollande ainda tem esperanças – fracamente fundamentadas, deve-se esclarecer – de superar os EUA como principal fornecedor de armas. Talvez acredite sinceramente que esteja "em guerra" contra o ISIS – mesmo sem nem tocar nos mentores espirituais do chamado 'califato'.

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