5/6/2017, Adam Garrie, The Duran
Não é todo dia que dois estados com sociedades e alinhamentos internacionais similares metem-se numa guerra fria declarada. Pois é o que está acontecendo entre Qatar e Arábia Saudita.
1. O Ouro Negro encontra a Guerra Fria no deserto
Qatar e Arábia Saudita são vizinhos, mas as similitudes não param por aí. Os dois países dependem fortemente da exportação de energia para manter as respectivas economias domésticas perdulárias. Os dois praticam modalidades semelhantes do Islã Salafista, e os dois países têm sido inimigos tradicionais de estados árabes seculares, principalmente da Síria. Os dois países patrocinam o terrorismo, incluindo al-Qaeda e ISIS em várias ações.
Embora esses dois estados discutam hoje as diferenças que os separam, a verdadeira raiz da crise são as semelhanças que os aproximam.
Com especialistas prevendo que os preços do petróleo jamais se recuperarão, com países que não são membros da OPEP continuando a produzir mais e mais energia, e com a China já grande produtora de energia verde, a Arábia Saudita sente a ferroada da economia e tenta isolar um grande exportador regional de energia.
Os preços do petróleo subiram depois que sauditas e outros anunciaram que estavam rompendo relações com o Qatar. Mas a grande questão é: os preços voltarão a cair? Muitos especialistas dizem que sim, o que levou o nada criativo regime saudita a tomar medidas ainda mais agressivas, até contra vizinhos tão assemelhados a eles próprios, na ideologia.
Embora Arábia Saudita e Qatar já tenham tido problemas semelhantes em 2014, a questão atual é muito maior.
Os sauditas conseguiram convencer muitos outros países a unir-se no boicote e insistem em extinguir a mídia regional estatal qatari, especialmente a rede Al Jazeera. Os sauditas também fecharam a fronteira com o Qatar e bloquearam o acesso do vizinho à água. Voos das empresas aéreas estatais da Arábia Saudita e de seu aliado Emirados Árabes Unidos para o Qatar foram todos suspensos. E os sauditas também exigem agora que o Qatar mude o nome de sua mesquita Imã Muhammad ibn Abd al-Wahhab, que homenageia o pai espiritual da ideologia saudita.
Tudo se passa como se sauditas e Emirados Árabes Unidos estivessem erguendo uma espécie de Muro de Berlim invisível, mas capaz de dividir muito profundamente, em torno do Qatar.
2. Qatar Diversifica seu 'Portfólio Geopolítico'
Há muito tempo o Qatar tenta sutilmente e às vezes abertamente mudar suas alianças internacionais para se diferenciar dos sauditas e definir nicho próprio para si, como um estado despótico do Golfo 'separado, mas igual'.
De modo especial, o Qatar fez aberturas na direção do Irã, bem quando a posição habitualmente anti-Irã dos sauditas entrou em alta rotação. A causa aproximada da disputa são tuítos hoje já deletados, da agência estatal de notícias do Qatar, quando o supremo governante do Qatar, Xeique Tamim bin Hamad Al Thani falou calorosamente do Irã e até elogiou o Hezbollah da Resistência Libanesa, um partido xiita que é aliado do Irã, mas que Arábia Saudita e EUA consideram grupo terrorista.
Embora o Qatar continue a insistir que o tuíto foi produto de ataque de hackers, os sauditas não engolem.
O Qatar não é de modo algum pró-Irã, mas o pragmatismo levou o Qatar a procurar novas oportunidades de negócios, especialmente negócios de gás com a República Islâmica. A ideia de que estado membro no mesmo Conselho de Cooperação do Golfo possa ter relações positivas com o Irã depõe contra tudo que EUA e Arábia Saudita pregam e defendem.
3. E quanto ao Egito? O que há de comum entre Egito e Arábia Saudita?
A resposta curta é que, exceto pelos negócios dos sauditas que proliferam por todo o mundo, menos na Síria e no Irã, o Egito tem praticamente bem pouco a ver com os sauditas.
O Egito é estado secular de várias fés que recentemente sofreu ataque de grupos terroristas salafistas como ISIS – que recebem apoio tanto da Arábia Saudita quanto do Qatar.
Mas, diferente dos sauditas, o Qatar apoia o grupo ilegal da Fraternidade Muçulmana, que chegou a governar o Egito entre 2012 e 2013, depois que os EUA de Barack Obama abandonaram seu tradicional aliado, o ex-presidente do Egito Hosni Mubarak.
Agora que o governo secular já foi restaurado, o Egito mostra-se especialmente furioso com o Qatar, por ter financiado e garantido apoio à Fraternidade Muçulmana.
Isso dito, muitos egípcios têm opinião muito desfavorável dos dois estados – como a maioria dos sunitas moderados e virtualmente todos os muçulmanos xiitas e todos os cristãos.
A grande, escandalosa vergonha nisso tudo é que o Egito, que foi líder incontestável do mundo árabe sob a liderança do presidente Nasser, esteja hoje reduzido a seguir, obediente, à sombra dos sauditas.
4. Arábia Saudita acusou o Qatar de patrocinar terroristas... Ok. Aquela Arábia Saudita
Ninguém jamais disse que o regime saudita seria honesto. A Arábia Saudita é, segundo todas as avaliações, o maior estado patrocinador de terroristas do planeta. O Qatar também patrocina muita gente que faz o mesmo tipo de terrorismo, mas não significa que, de repente, a Arábia Saudita ter-se-ia convertido ao grupo dos bons. Significa que a Arábia Saudita continua tão hipócrita quanto sempre foi.
Em outras palavras... "Passe a pipoca".
5. A Conexão Síria
É amplamente sabido que ambos Arábia Saudita e Qatar combatem do mesmo lado na (contra a) Síria, usando seus respectivos terroristas à distância, que recebem dinheiro e armas dos dois estados seus patrocinadores. Entre esses estão grupos como ISIS e al-Qaeda, além de outros grupos terroristas salafistas.
A Síria ba’athista secular não tem relações nem com Qatar nem com Arábia Saudita e nada indica que essa situação venha a se modificar no futuro imediato.
Contudo, com sauditas e qataris agora às turras, pode acontecer de os terroristas terem de escolher um dos dois lados para empenhar sua solidariedade; e nesse processo pode acontecer de eles perderem uma das duas vacas-caixa.
Além disso, com a Síria determinada a vencer a guerra contra o terrorismo cevado por qataris e sauditas, os planos do Qatar para construir um gasoduto até a Turquia, grande parte do qual atravessaria a Síria, podem jamais chegar a concretizar-se. Essa foi uma das principais razões pelas quais o Qatar tentou derrubar o legítimo governo da República Árabe Síria. Pode também ser motivo pelo qual, tendo já mais ou menos desistido do gasoduto sírio, o Qatar está-se voltando na direção do Irã (para grande embaraço dos sauditas), quando o Irã, como todo mundo sabe, está lutando contra terroristas qataris na Síria ao lado dos outros parceiros dos sírios contra terrorismo: a República Árabe Síria e a Federação Russa.
Rússia e EUA permaneceram neutros na disputa, como também o Paquistão, aliado de ambos, Arábia Saudita e Qatar, e que depende muito dos investimentos dos dois países.
Essa disputa não mudará imediatamente o destino da guerra na Síria, mas pode fazer surgir rachaduras mais ou menos profundas nas lealdades e no financiamento dos jihadistas.*****
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