31/5/2017, Anton Chaitkin,* The Vineyard of the Saker (2/2)
[Continuação] Tropas francesas, patrocinadas pela OTAN e equipadas com helicópteros norte-americanos bombardearam, queimaram, torturaram e assassinaram árabes que combatiam pela independência nacional da Argélia. Mas Kennedy disse que tropas imperiais jamais derrotariam rebeldes que encarnassem as esperanças das populações locais. O fracasso da empreitada imperial era tão certo quanto fora no Vietnã, onde "despejamos dinheiro e equipamentos (...) num esforço desesperado para salvar para os franceses uma terra que não queria ser salva, numa guerra na qual o inimigo estava simultaneamente por toda a parte e em lugar nenhum."
Kennedy divulgou que havia feito "estudo intensivo do problema" por mais de um ano. Chefiava a Subcomissão do Senado para questões das Nações Unidas – e, para o discurso daquele 2 de julho trabalhara em cooperação pessoal direta com a liderança dos rebeldes argelinos. Disse que há muito tempo criticava a política dos EUA que traía os próprios interesses dos norte-americanos, viesse dos Democratas de Truman, ou dos Republicanos de Dulles.
Atacou o axioma reinante segundo o qual qualquer outro interesse teria de ser sacrificado à Guerra Fria anticomunistas. Por que esse conflito prolongava-se tanto? Por que não terminara há muito tempo?
"Disseram-nos que a guerra era mantida viva exclusivamente por conta da interferência e intromissão lá do coronel Nasser (...) ou (...) por causa da intromissão de russos e comunistas na Argélia. Nenhuma dessas explicações que visam a distanciar de lá os verdadeiros agentes da rebelião argelina continua a convencer hoje (...) como se vê nas tentativas de calar jornais críticos e a própria opinião pública (...).
Se queremos manter a amizade de árabes, africanos e asiáticos – e devemos mantê-la, apesar do que diz o secretário de Estado [John Foster] Dulles, sobre não se tratar de concurso de popularidade –, não conseguiremos manter amizade alguma vendendo a eles a livre-empresa, descrevendo os perigos do comunismo ou a prosperidade dos EUA, nem limitando nossos contatos exclusivamente a pactos militares. Não. A força de nosso apelo (...) está em nossa filosofia tradicional e profundamente assumida, de liberdade e de independência para todos os povos em todo o mundo."
Kennedy inseriu nesse discurso uma pista histórica notável. Ajuda-nos a ver até que ponto seu "estudo intensivo do problema" inspirou-o a reviver, a partir do falecido Franklin Roosevelt, a tradição norte-americana de liderança anti-imperial. JFK falou do "Sultão Ben Youssef, com quem o presidente Roosevelt reuniu-se à época da Conferência de Casablanca."
Em 1943, FDR procurou esse sultão do Marrocos para garantir-lhe o apoio dos EUA para o desenvolvimento econômico do Marrocos e para a independência do país, contra o Império Francês. A reunião comoveu profundamente o Sultão, um dos favoritos de FDR, porque se opusera às tentativas, pelo governo francês de Vichy, para exilar a imensa população de judeus do Marrocos para campos nazistas de morticínio. Adiante, o Sultão diria que FDR havia estimulado o início do seu e de outros movimentos nacionalistas a favor da autodeterminação. Em 1956, ele negociara com sucesso, com França e Espanha, a independência do Marrocos; um mês depois do histórico discurso de Kennedy, o Sultão assumiu o título de rei Mohammad V.
Kennedy concluiu apresentando um projeto de Resolução do Senado, pelo qual conclamava o presidente Eisenhower e o secretário de Estado Dulles a usar o peso dos EUA, fosse mediante a OTAN "ou mediante os bons serviços do primeiro-ministro da Tunísia e do sultão do Marrocos", para fazer avançar o processo da independência da Argélia e pôr fim àquela guerra trágica.
John Foster Dulles contra-atacou, atacando Kennedy no campo da Guerra Fria – como fizeram o New York Times, Dean Acheson e outros democratas anti-FDR.
Líderes imperialistas franceses e seus grupos do esquema de 'manter-se por trás' de outros patrocinadores da OTAN ficaram especialmente furiosos: JFK claramente se pusera ao lado dos franceses de boa vontade que concordavam com o que ele dissera, mas que tinham medo de falar abertamente contra os linhas-duras protofascistas que governavam a França.
Os elementos de linha-dura mais extremista do exército e dos serviços secretos franceses já eram parceiros operacionais do MI6 britânico e da facção dos Dulles desde 1946, tendo lutado na Indochina e depois na Argélia. Em 1958, os rebeldes árabes argelinos provocaram repressão das mais selvagens, ao estilo de Hitler, com tortura e assassinato, usando aquelas forças francesas – e lançando ambos os países, Argélia e França em completo caos.
Os linha-dura encenaram um golpe na Argélia contra o "fraco" governo de Paris. Charles de Gaulle saiu de seu retiro para resolver aquela grande crise nacional. Criou uma nova República, a Quinta, tornou-se presidente e liderou o país para longe do desastre daquele alinhamento fútil com o imperialismo britânico e guerra sem fim. Os linha-dura e respectivos parceiros britânicos e norte-americanos, que haviam esperado que de Gaulle defendesse a colônia francesa argelina, gritaram "traidor" contra de Gaulle e juraram vingança. O locus dessa fúria ensandecida foi o quartel-general da OTAN em Paris, França.
Durante todo esse período, a Guerra Fria tornara-se paulatinamente mais e mais perigosa. Forças soviéticas esmagaram a revolta que os anglo-americanos insuflaram na Hungria em 1956. A corrida armamentista nuclear intensificou-se depois que os soviéticos puseram em órbita da Terra, em 1957, o primeiro satélite, Sputnik. A estratégia insana de "guerra nuclear limitada" ganhou terreno dentro da OTAN.
5. Em tempos de medo, a Nova Fronteira
Dia 2/1/1960, o senador Kennedy anunciou sua candidatura à presidência. Com Kennedy em campanha, o presidente Eisenhower preparou-se para reunir-se com o premiê soviético Nikita Khrushchov numa conferência crucial entre Leste e Oeste, dia 16 de maio, em Paris. O presidente de Gaulle e o presidente Jawaharlal Nehru da Índia, haviam concebido a reunião para promover o desarmamento nuclear e a cooperação Leste-Oeste para ajudar o desenvolvimento de países subdesenvolvidos.[28]
Mas duas semanas antes da conferência, a CIA de Dulles enviou um avião U2 espião para missão de fotografias sobre a URSS. O avião foi imediatamente abatido; o piloto, capturado, confessou o objetivo da missão, dia 1º de maio, para grande embaraço de Eisenhower, e fez colapsar a reunião prevista entre Eisenhower e Khrushchov. Khrushchov revidou, cancelando o convite para que Eisenhower visitasse Moscou, como estava previsto para junho.
Kennedy enquanto isso venceu as primárias Democratas, ao conquistar os votos de West Virginia dia 10 de maio. Já a caminho da vitória final em novembro. Os parceiros na OTAN correram para evitar que se consumasse qualquer modificação séria em seus arranjos globais.
O primeiro alvo deles foi a África Central.
Em janeiro de 1960, o líder nacionalista do Congo, Patrice Lumumba havia declarado o Congo independente do governo belga. Os britânicos eram a força predominante no Congo, exercendo controle mediante a corporação União Mineira do Alto Katanga (fr. Union Minière du Haut Katanga), proprietária da maior parte da riqueza mineral do Congo, inclusive das reservas de urânio.
Pondo-se ativamente a favor de o Congo usar seus próprios recursos para arrancar o povo do atraso em que vivia – em outras palavras, exatamente o programa do senador Kennedy – Patrice Lumumba tornou-se o primeiro primeiro-ministro eleito do Congo, em junho de 1960. Em julho, os britânicos deram início à guerra contra o Congo: a província Katanga, controlada pelos britânicos, e onde se localiza grande parte da riqueza mineral do Congo, declarou-se independente do Congo.
Dias depois, o Partido Democrata dos EUA oficializou o nome de Kennedy como candidato do Partido à presidência.
Dia 14 de setembro, o governo eleito do Congo foi derrubado por forças militares belgas e paramilitares antinacionalistas patrocinadas pelo centro do poder britânico em Katanga e seus parceiros da CIA. O primeiro-ministro Lumumba foi sequestrado, escapou e foi várias vezes cercado pelos mesmos que, adiante, o assassinariam.
Operações Especiais de Lemnitzer
Em outubro de 1960, o general Lyman Lemnitzer foi nomeado comandante do Conselho do Estado Maior. Agora, os dois homens que havia traído o presidente Roosevelt na Operation Sunrise estavam no comando absoluto de todo o aparelho dos serviços estratégicos dos EUA, Dulles na CIA e Lemnitzer no Pentágono.
Lemnitzer expusera o que seu grupo via como suas qualificações para o cargo já em agosto, quando, como comandante do Exército, anunciara que o Exército estava pronto para "restaurar a ordem" nos EUA depois de uma guerra nuclear contra a União Soviética – impor novamente a normalidade, como militares fazem depois de uma inundação ou rebelião.[29]
Para se aproximar um pouco mais dessa guerra nuclear "ordeira", o comandante Lemnitzer deu andamento aos planos para instalar mísseis balísticos nucleares dos EUA na Turquia,[30] junto à fronteira com a União Soviética.
Ao mesmo tempo, Lemnitzer e Dulles davam andamento a arranjos secretos para invadir Cuba e derrubar Fidel Castro. O movimento rebelde de Castro chegara ao poder em Cuba em 1959, e Castro confiscara propriedades de estrangeiros na ilha, inclusive as plantações da empresa de Dulles, United Fruit. Os russos já haviam dado ajuda militar a Castro, contra uma contrarrevolução que se esperava, vinda dos EUA. Havia pessoal militar russo na ilha. Uma invasão, naquelas circunstâncias, poderia levar a atirar entre duas grandes potências, ambas já então armadas com bombas atômicas mil vezes mais "mortais que a bomba de Hiroshima, e ambas já fazendo testes nucleares a céu aberto.
Nos EUA, o público debatia a ameaça do apocalipse que se aproximava.
Em junho de 1960, dois veteranos jornalistas de Washington haviam lançado livro surpreendente sobre os ataques nucleares dos EUA contra o Japão, em 1945.[31] Fletcher Knebel e Charles Bailey haviam usado material de arquivo recentemente divulgado e entrevistaram participantes do processo de decisão nuclear. Mostraram que muitos militares em postos chaves e líderes do governo não haviam sido autorizados a saber sobre o desenvolvimento da bomba ou os planos de ataque; e que conselhos de cientistas que se opunham à operação haviam sido descartados quando Truman, encorajado por Churchill, deu a ordem. Knebel e Bailey explicaram afinal que a bomba atômica modificara para sempre a lógica da guerra em grande escala, porque qualquer futura Guerra Mundial seria o suicídio da civilização.
John Kennedy foi eleito presidente dia 8/11/1960. Enviou representantes à África para anunciar o renovado compromisso dos EUA com a soberania nacional. Esses representantes trouxeram de volta a notícia de que, na África, multidões cantavam "Kennedy! Kennedy! Kennedy!"
Kennedy teria dez semanas para planejar um governo, antes da posse, dia 20/1/1961. Na Europa, Oriente Médio, África e América Latina, cresceram as esperanças de que, com os EUA num novo papel, a tensão e o medo poderiam afinal diminuir.
Procurando chegar ao governo e logo pôr algumas coisas a funcionar, sem provocar insurreição aberta do establishment anglo-norte-americano, Kennedy anunciou que Allen Dulles permaneceria no comando da CIA, e J. Edgar Hoover, no FBI. Para acalmar Wall Street, fez do banqueiro de investimentos Douglas Dillon secretário do Tesouro. [32] O mandato de Lyman Lemnitzer como comandante do Estado-maior das Forças Conjuntas dos EUA chegaria a termo em 1962, e por tradição, seria renovado.
Mas JFK também trouxe para o governo gente intensamente leal às promessas do presidente de que o país caminharia noutra direção. O irmão Robert, que sempre estivera ao seu lado desde o tour anti-imperialismos de 1951, ficaria como sentinela armada, no posto de Advogado Geral.
Dia 17 de janeiro, três dias antes da posse de Kennedy, a chefe do núcleo do MI6 britânico no Congo, Daphne Park, deu o sinal, segundo indicam todas as fontes, para as forças que os anglo-norte-americanos haviam reunido, e o presidente do Congo, Patrice Lumumba, foi assassinado numa vila remota para onde havia sido levado depois de sequestrado. [33] O futuro presidente dos EUA não foi notificado do plano, nem sequer informado do assassinato, até dois meses depois de ter ocorrido (dia 13 de fevereiro).
Dia 17/1/1960, no dia em que os anglo-norte-americanos assassinaram Lumumba, o presidente Eisenhower fez seu Discurso de Despedida. Alertou que:
"Nos conselhos de governo devemos nos precaver contra o acúmulo de influência sem cooperação, (...) do complexo militar-industrial. O potencial para a desastrosa ascensão de poderes mal localizados existe e persistirá. Não devemos deixar que o peso dessa combinação ameace nossas liberdade ou os processos democráticos. Nada devemos tomar por garantido. Só uma cidadania alerta e capaz de ver e avaliar pode compelir a gigantesca máquina industrial e militar de defesa a trabalhar a favor, não contra, nossos métodos e objetivos pacíficos, de modo a que segurança e liberdade prosperem juntas."[34]
O presidente John F. Kennedy, no Discurso de Posse, dia 20 de janeiro[35] conclamou a reverter o deslizamento rumo a guerra nuclear contra a Rússia, e claramente anunciou o retorno à missão fundacional dos norte-americanos:
"O homem tem em suas mãos mortais o poder de abolir todas as formas da miséria humana e todas as formas de vida humana. Mesmo assim, as mesmas crenças revolucionárias pelas quais lutaram nossos antepassados, ainda estão em disputa por todo o planeta (...)."
Despertou, especialmente entre os norte-americanos mais jovens, uma paixão por melhorar o mundo. Líderes do setor colonial conheciam o novo presidente muito mais que a maioria dos norte-americanos, e sentiram-se estimulados pelas possibilidades de progresso repentinamente florescentes.
Kwame Nkrumah chegou a Washington dia 8/3/1961, o primeiro chefe de Estado estrangeiro a visitar o presidente Kennedy. Começaram a trabalhar juntos para superar os obstáculos contra o grande projeto de Nkrumah: uma barragem no rio Volta em Gana, para gerar eletricidade barata que poderia ajudar a industrializar a África Ocidental.[36]
6. Mudança de Regime
Allen Dulles afinal apresentou ao presidente o plano que ele e o general Lemnitzer haviam urdido para derrubar Fidel Castro. Kennedy foi informado de que exilados cubanos invadiria e combateriam na ilha, não soldados dos EUA. Dulles alertou que, se o plano não fosse aprovado, exilados armados e perigosos poderiam organizar-se na Florida, dirigindo sua ira contra o presidente. Vendo Castro como ditador brutal ali tão perto do litoral dos EUA, e ainda pouco seguro da própria liderança como presidente, Kennedy aprovou o plano, dia 4/4/1961. Especificou que nem navios nem aviões de combate dos EUA fossem de modo algum envolvidos naquela ação. Mas Dulles e Lemnitzer planejavam obrigar Kennedy a enviar tropas norte-americanas, tão logo a invasão por 1.500 homens fracassasse, como inevitavelmente fracassaria.
Apenas cindo dias antes do início da invasão a Cuba, um representante de Dulles na Espanha garantiu a generais franceses que os EUA reconheceriam o novo regime deles mesmos, se derrubassem o presidente de Gaulle e instalassem uma ditadura militar que fizesse abortar o projeto de independência da Argélia.[37]
A invasão pela Baía dos Porcos em Cuba, nos dias 17-19 de abril teve rápido colapso – que causou grave embaraço ao novo presidente. Confrontando Kennedy, Dulles e Lemnitzer exigiram que ele garantisse reforço naval e por ar para salvar a operação, mas Kennedy manteve-se firme na negativa. Assumiu pessoalmente a total responsabilidade pelo fracasso do plano. A notícia rapidamente chegou à CIA e ao Pentágono, de que Kennedy seria perigosamente indeciso e fraco. Para o caso de deputados e senadores curiosos virem a se imiscuir naquele assunto, o general Lemnitzer destruiu as notas de seu assessor, das discussões no Estado-maior que levaram à Baía dos Porcos.[38]
Dia 21/4/1961, dois dias antes de Castro derrotar definitivamente os invasores em sua ilha, general franceses liderados pelo comandante da OTAN para a Europa Central, general Maurice Challe, iniciaram uma tentativa de golpe de Estado na França. Milhares de paraquedistas foram dispostos não distantes de Paris, preparados para avançar sobre o palácio presidencial. De Gaulle apelou ao povo francês para que o apoiassem, e salvou a França. Milhões de cidadãos franceses contiveram os golpistas com greves e outras ações pró-governo. Em aberta oposição a Dulles, o presidente Kennedy entrou em contato com o presidente francês e ofereceu-lhe apoio integral, inclusive assistência militar, se de Gaulle assim o desejasse.
James Reston, repórter do New York Times escreveu que a CIA planejara o
"o ataque de rebeldes contra Cuba semana passada; o incidente com o avião espião U-2 ano passado; e [agora] estava envolvida numa embaraçosa ligação com oficiais antigaulistas, que encenaram a insurreição da semana passada em Argel.
Nos últimos dias, o presidente examinou graves relatos vindos de Paris, segundo os quais a CIA esteve em contato com insurrectos que tentaram derrubar o governo de de Gaulle da França (...). Oficiais da CIA ofereceram um almoço aqui em Washington para Jacques Soustelle, líder de um movimento anti-de Gaulle, quando Soustelle esteve em Washington [em dezembro passado.]
Tudo isso fez aumentar o sentimento na Casa Branca, de que a CIA foi muito além dos limites de uma agência de coleta de inteligência e tornou-se defensora de homens e políticas que criaram embaraços para o governo dos EUA."
Reston noticiou q Kennedy queria trazer seu irmão Robert para substituir Dulles na CIA e promover 'uma faxina' na Agência.[39] Claude Krief, em matéria para o semanário liberal L'Express, deu detalhes de um encontro clandestino realizado dia 12 de abril em Madrid, de "vários agentes estrangeiros, inclusive membros da CIA e os conspiradores de Argel, que expuseram seus planos aos homens da CIA." A matéria dizia que os homens daCIA teriam reclamado de que a política de de Gaulle estaria "paralisando a OTAN e tornando impossível defender a Europa," e que teriam garantido aos franceses que, se os franceses fossem bem-sucedidos [no golpe para derrubar de Gaulle], em dois dias Washington reconheceria o novo governo.[40]
No final de abril, Kennedy divulgou que considerava a CIA desleal, que – como diziam os jornais franceses – a Agência constituía "um estado reacionário dentro do Estado."[41] Kennedy forçou a renúncia de Allen Dulles, de seu vice, Richard Bissell (envolvido nos dois desastres, em Cuba e em Paris), e de Charles Cabell, homem de ligação da CIA com o general Lemnitzer. Dulles deixou a CIA em novembro de 1961, mas em um ou dois meses já estava de volta ao centro do grupo que comandava a Agência, distribuindo e recebendo briefings várias vezes por semana. Os que frequentavam a casa de Dulles em Georgetown viam o presidente como usurpador perigosamente fraco.[42]
A opinião pública alinhou-se no apoio a Kennedy depois de ele ter assumido a responsabilidade pelo desastre na Baía dos Porcos. Decidido a deixar sua marca no próprio governo, Kennedy anunciou ao Congresso, dia 25/5/1961 o dramático objetivo de pôr um norte-americano em segurança na superfície da Lua antes do final da década.
Mas com as notícias de Cuba, Congo e Paris, o assassinato já estava no ar, em Washington. Os jornalistas Fletcher Knebel e Charles Bailey trabalhavam numa urgente atualização de seu livro de 1960 sobre guerra nuclear. Knebel entrevistou o Comandante do Estado-maior da Força Aérea, Curtis LeMay, que comandara o bombardeio contra o Japão, e transmitira as ordens para destruir Hiroshima. Knebel farejou ali o cheiro de loucura que já tomava conta do Pentágono.
Knebel e Bailey daquela vez construíram um relato de um futuro golpe de Estado contra o presidente dos EUA, que seria editado sob o título de Seven Days in May, 1962 [e filme; port. Sete Dias em Maio, Rio de Janeiro: Record]. Retratou as ideias e ações do principal perpetrador, um comandante do Estado Maior das Forças Conjuntas dos EUA ficcional, de nome "James Matoon Scott" reproduzido do personagem real e dos feitos de Lyman Lemnitzer. Para assegurar que a identificação seria completa, o autor deu ao presidente de ficção o sobrenome "Lyman." Os golpistas o atacaram como fraco e impotente e perigoso por isso, denunciando a tentativa dele de buscar um acordo de desarmamento nuclear com a União Soviética.
7. A humanidade estará condenada à morte?
O verdadeiro comandante do Estado-maior das Forças Conjuntas, Lyman Lemnitzer, reuniu-se com o presidente Kennedy e seu Conselho de Segurança Nacional dia 20/7/1961, quando a crise Leste-Oeste em disputa por Berlim ameaçava explodir em guerra quente na Europa. Lemnitzer apresentou seu plano para um ataque nuclear preventivo contra a União Soviética, a ter lugar em 1963. Era a Operação Impensável de Churchill, atualizada para tempos de uso termonuclear.
Lemnitzer alertou que se a guerra nuclear total tivesse começado um ano antes não seria completamente eficaz para aniquilar a Rússia; disse que só à altura de 1963 os EUA teriam absoluta superioridade nos sistemas de disparo da bomba, a ponto de os Soviéticos ficarem absolutamente sem real capacidade para retaliar. O presidente perguntou a Lemnitzer por quanto tempo os norte-americanos teriam de permanecer em abrigos antirradiação, depois de o país rival ter sido exterminado. Um auxiliar de Lemnitzer respondeu que cerca de duas semanas seriam suficientes. Kennedy encerrou a reunião ordenando que "nenhuma das pessoas presentes revele sequer o tema da reunião."
Só em junho de 1993 foi publicado um memorando com notas dessa reunião, depois de cumprido o tempo obrigatório de sigilo absoluto. O professor James Galbraith, filho de John Kenneth Galbraith, respeitado conselheiro estrategista de Kennedy, encontrou esse memorando já livre do sigilo, e imediatamente o publicou.[43] O artigo que ele publicou à época foi quase absolutamente ignorado pela empresas de mídia.
McGeorge Bundy recordou que "No verão de 1961 [Kennedy] examinou um briefing formal de avaliação do que seria uma guerra nuclear total entre as duas superpotências; a reação do presidente, para Dean Rusk [secretário de Estado], enquanto ambos andavam do Salão Oval para uma reunião privada sobre outros temas foi 'E nos consideramos raça humana'..."[44]
Dia 13 de março de 1962, o comandante do Estado-maior Lyman Lemnitzer entregou ao secretário da Defesa Robert McNamara um plano pelo qual os EUA executariam ataques terroristas contra suas próprias forças armadas e população civil, que seriam atribuídos ao regime de Castro, como "pretextos que servirão para justificar a intervenção militar dos EUA em Cuba." Conhecido como Operation Northwoods, o plano permaneceria secreto até ter o sigilo levantado nos anos 1990s. Hoje pode ser encontrado online.[45]
O estado mental que se percebe nas linhas e entrelinhas de Northwoods chega até nós vindo diretamente da história do Império Britânico. Ações terroristas "sob falsa bandeira" [ing. "False flag" terror] sempre foram especialidade dos britânicos na África, Índia e Irlanda, e em todos os movimentos muçulmanos no Oriente Médio. Durante e depois da Guerra Fria, passou a ser marca registrada do MI6 e dos Serviços Aéreos Especiais que instruíram e orientaram a estratégia da OTAN.
Dentre as propostas de Lemnitzer podem-se destacar as seguintes:
– Bombardear a base dos EUA em Guantánamo, Cuba, e destruir navios dos EUA – "disparar morteiros de fora da base para dentro (...) Explodir munição dentro da base; iniciar incêndios. Queimar aviões na base aérea (sabotagem). Sabotar navios no porto; grandes incêndios – nafta. Afundar navios na entrada do porto. Fazer cerimônias de funeral para falsas vítimas (...) Podemos explodir um navio teleguiado em qualquer ponto de águas cubanas (...) A presença de aviões ou navios cubanos de simples investigação do intento do navio teleguiado serviria como prova muito convincente de que o navio estivesse sendo atacado."
– Mentir às empresas de noticiário – "[Depois] de operação de resgate ar/,ar (...) para 'evacuar' membros remanescentes da tripulação inexistente (...) listas de baixas em jornais dos EUA causariam onda muito útil de indignação nacional."
– Praticar atrocidades terroristas dentro dos EUA – "Podemos desenvolver uma campanha de terror comunista cubano na área de Miami, em outras cidades da Flórida e mesmo em Washington. A campanha de terror deve ser atribuída a refugiados cubanos interessados em obter abrigo nos EUA. Podemos afundar um bote carregado de cubanos a caminho da Florida (real ou simulado). Podemos simular atentados contra refugiados cubanos nos EUA, de modo a provocar ferimentos extensos em circunstâncias que possam ser amplamente divulgadas. Explodir algumas bombas de plástico em pontos cuidadosamente escolhidos (...)"
– Um ataque militar a "ser simulado contra nação caribenha vizinha (...)"
– "Incidente que demonstrará convincentemente que um avião cubano atacou e derrubou avião alugado por civis a caminho dos EUA (...) A aeronave [a ser destruída nesse falso ataque] (...) pode ter fuselagem pintada e numerada como perfeita duplicata de aeronave civil registrada de propriedade de organização da CIA na área de Miami (...)"
– Tentativas de sequestro contra tripulações civis, aéreas e terrestres (...)"
– Fazer "parecer que MIGs dos comunistas cubanos destruíram aeronave da Força Aérea dos EUA sobre águas internacionais em ataque não provocado."
Kennedy descartou toda a proposta da Operação Northwoods. Cerca de um mês depois, Lemnitzer simplesmente propôs que os EUA desencadeassem invasão militar em grande escala contra Cuba, não provocada, sob o pressuposto de que os russos não reagiriam.[46]
Seis meses depois, quando expirou o mandato de Lemnitzer como comandante do Estado-maior, em outubro de 1962, Kennedy o exonerou. E designou o general Maxwell Taylor para substituí-lo no cargo, e para supervisionar todas as ações de Lemnitzer até o final de seu mandato. Os patrocinadores britânicos de Lemnitzer intervieram nesse momento crucial, para mantê-lo em alguma posição de poder, como o próprio Lemnitzer explicou a seu biógrafo autorizado:
"Na primavera de 1962 … [ele] foi convidado por seu velho comandante da 2ª Guerra Mundial, marechal de campo aposentado Duque Alexander, para visitá-lo em casa, próxima do castelo de Windsor, para o jantar de Páscoa. O duque já não era ministro da Defesa da Grã-Bretanha [como fora no gabinete Churchill, 1952-54], mas ainda tinha influência nos assuntos do governo, e era amigo de longa data de Harold Macmillan, o primeiro-ministro. Quando os dois andavam pelo jardim, o duque perguntou ao general por seus planos para a aposentadoria. Quando Lemnitzer respondeu que estava considerando várias ofertas no setor privado, Alexander perguntou-lhe se algum dia considerara a possibilidade de suceder o general [Lauris] Norstad, no posto de supremo comandante dos aliados na OTAN. Lemnitzer disse que a pergunta o surpreendeu e respondeu que 'Não, claro que não! Tanto quanto sei, Larry está fazendo bom trabalho, e nunca pensei em tal coisa. Por que você pergunta?" Alexander respondeu que Macmillan, que Lemnitzer conhecera quando servira com Alexander na Itália, havia pedido que ele o sondasse, para saber se o general teria interesse no novo posto. Os dois homens continuaram a falar de outros assuntos, e Lemnitzer não voltou a ouvir falar daquele assunto, e retornou a Washington (...). O passo seguinte foi do próprio presidente Kennedy, o qual, em junho, disse que pensava nomeá-lo para suceder Norstad."[47]
Kennedy viu a proposta dos britânicos, de pôr Lemnitzer no comando das forças militares da OTAN na Europa como meio de tirá-lo do Pentágono sem provocar uma revolta aberta dos seguidores militares dele.
8. Contra o puro mal, JFK não titubeou
O romance sobre um golpe de estado contra o presidente dos EUA Seven Days in May[48] foi lançado em setembro de 1962. Eventos assustadores e muito reais fizeram do livro best-seller.
Dia 22 de agosto, poucos dias antes do lançamento do livro, um esquadrão de assassinos em motocicletas atacou, com tiros de armas automáticas, o carro que estava o presidente de Gaulle da França. Os tiros passaram muito perto da cabeça de de Gaulle, que contudo escapou ileso.
O general Lemnitzer deixou o comando do Estado-maior dia 1/10/1962, mas sua partida para o quartel-general da OTAN em Paris foi temporariamente adiada, enquanto prosseguia a caçada aos quase assassinos do Exército Secreto Argelino. Lemnitzer permaneceu no Pentágono, com status não oficial de chefe supremo entre os colega, como Allen Dulles permanecera dentro da CIA.
Foi assim, em meio à luta pela sobrevivência do governo legal e legítimo, que começou a Crise dos Mísseis Cubanos, dia 16/10/1962. Durante aquelas horas terríveis, o livro Seven Days in May era o mais vendido em Washington DC, porque ninguém o via como peça de ficção.
Um avião espião dos EUA que sobrevoava Cuba tirou fotografias que mostravam que os soviéticos haviam trazido para a ilha mísseis balísticos capazes de atacar os EUA com ogivas nucleares. O presidente manteve secreta a situação, até chegar a uma firme conclusão sobre o que fazer, de modo a retirar de Cuba os mísseis sem iniciar a 3ª Guerra Mundial. O já demitido comandante do Estado-maior Lemnitzer participou das reuniões do Comitê Executivo especial [ing. "Executive Committee" (Excomm)] que Kennedy criara para deliberar sobre a via correta a seguir. [49]
Uma batalha de vontades começou ali, dia a dia. O presidente e os funcionários leais queriam dar aos russos uma via para a retirada sem serem esmagados ou humilhá-los. A facção Dulles-Lemnitzer queria bombardear os locais onde estavam os mísseis e na sequência os EUA invadiriam Cuba. Para eles, ainda que fossem mortos soldados russos, nada aconteceria; e ainda que os russos atacassem em Berlim (então dividida ao meio entre Leste e Oeste) como retaliação, mesmo assim os EUA poderiam derrotá-los facilmente num conflito nuclear.
Kennedy levantou a possibilidade de que os EUA pudessem remover seus mísseis da Turquia, e em troca os soviéticos também retirariam os deles, de Cuba. Lemnitzer reagiu furioso. Disse que os mísseis na Turquia não podiam ser retirados, porque não pertenciam aos EUA: pertenciam à OTAN!
Filme parcialmente ficcional sobre a Crise dos Mísseis Cubanos – 13 Days, estrelado por Kevin Costner– não inclui Lemnitzer nesses encontros estratégicos secretos. Ainda assim, o filme mostra as tentativas da facção de Lemnitzer, empenhada em empurrar o presidente para uma guerra catastrófica.
Kennedy decidiu impor um bloqueio naval a Cuba, que permitia deter quaisquer navios que transportassem armas de ataque. Como os EUA e os soviéticos continuavam a testar armas nucleares durante a crise, o mundo aguardava o resultado e vivia a iminência da morte da humanidade.
Kennedy disse que se os soviéticos retirassem os mísseis, ele prometeria jamais invadir Cuba. Manteve-se em contato com o premier soviético Nikita Khrushchov mediante canais privados, e mandou seu irmão Robert reunir-se sob o mais estrito sigilo, com o embaixador soviético Anatoly Dobrynin. A crise terminou quando foi aceito o oferecimento de retirar os mísseis instalados na Turquia, remoção que aconteceria silenciosamente seis meses mais tarde.
O candidato da Mandchúria, filme sobre um complô para assumir por assassinato o controle da Casa Branca, foi lançado nos cinemas dos EUA no auge dos 13 dias da crise dos mísseis. O diretor, John Frankenheimer, tornou-se amigo muito próximo de Robert Kennedy.[50] Frankenheimer comprou os direitos de Sete dias em maio, novela sobre um futuro golpe de Estado nos EUA, e deu início à adaptação do romance para o cinema. O presidente Kennedy e auxiliares deram a Frankenheimer sua mais ativa e dedicada cooperação, para o projeto do novo filme. O filme é instigante reflexão sobre a psicologia dos dois lados, dos inimigos mortais que confrontaram um o outro, dentro do Excomm durante a crise dos mísseis.
Lyman Lemnitzer, derrotado na Crise dos Mísseis Cubanos e demitido do comando do Estado-maior – mas não preso – viajou para Paris como comandante das forças militares da OTAN. Lemnitzer herdou o aparelho continental da OTAN, de assassinos de Máfia, nazistas hitleristas e fascistas de Mussolini, linhas-dura do império colonial francês e mercenários brancos indignados por terem perdido a África. Essa foi a rede para "combater por trás" que o próprio Lemnitzer vira ser construída depois da 2ª Guerra Mundial pelo Serviço Secreto Britânico, com a ajuda de Dulles e apoio logístico do próprio Lemnitzer. Só em outubro de 1990 o primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti abalaria o mundo político, ao revelar a existência dessa rede clandestina, que adiante receberia o nome de seu braço italiano, "Gladio."
Esse foi o aparelho que várias vezes tentara assassinar o presidente Gaulle, e que finalmente expulsou da França a OTAN e Lemnitzer, em 1967.
Intimidação por essa rede "Gladio" já consumara um golpe de Estado na Itália, em 1964, forçando o governo a expurgar ministros e partidos que favorecessem qualquer tipo de cooperação entre Leste e Oeste. O mesmo aparelho já assassinara vários líderes alemães que buscavam construir relações pacíficas entre Leste e Oeste.
O crime mais notório da rede foi a chamada "Estratégia de Tensão" – explodir bombas e assassinar civis em ataques forjados imediatamente atribuídos a grupos radicais não existentes, para forçar a população à submissão mais servil.[51] O aparelho é autor do sequestro e assassinato em 1978 consumado por chamadas "Brigadas Vermelhas", do primeiro-ministro italiano Aldo Moro. Foi o mesmo tipo de campanha terrorista sob 'falsa bandeira' que Lemnitzer propusera sem sucesso ao presidente Kennedy para os EUA. A tática persistiu e levou o mundo à era de terror e contraterror em que se vive hoje.
Em 1967, o Advogado Distrital de New Orleans, Jim Garrison, processaria Clay Shaw, agente de CIA/MI6, como autor do assassinato de JFK – e mostrando que Shaw era figura central no aparelho de assassinatos da rede italiana "Gladio".
9. O que o mundo perdeu no Golpe Norte-americano
O resultado pacífico da Crise dos Mísseis Cubanos que atendeu aos melhores interesses dos EUA e da Rússia, foi vitória decisiva de Kennedy sobre seus adversários anglo-norte-americanos. Com a opinião pública agradecida e firmemente postada como sua força de apoio, Kennedy imediatamente fez valer a vantagem, agindo para assegurar um futuro em que interesses norte-americanos mais uma vez alinhavam-se com o progresso e a segurança mundiais.
O assassinato de Kennedy, um ano depois desses eventos (22/11/1963), tem de ser visto como o ato decisivo de um golpe de estado contra os EUA. A ausência que daí resultou, do otimismo e da criatividade norte-americana, que desapareceram dos assuntos mundiais, foi profundamente desmoralizante.
É possível que hoje estejamos assistindo a uma revolta global contra o sistema falido que os inimigos de Kennedy impuseram depois do assassinato do presidente: especulação financeira não controlada, desindustrialização e a devastação de guerras permanentes. Talvez seja hoje possível, culturalmente e politicamente, que os cidadãos voltem a compreender o ponto de vista de Kennedy – tradicional ponto de vista norte-americano, que passou a ser incompreensível para várias gerações, exposto ao descrédito induzido e à degradação social. Examinaremos rapidamente, adiante, o modo como Kennedy, como representante do povo dos EUA, agiu sobre o mundo imediatamente depois de ter derrotado seus inimigos internos na Crise dos Mísseis.
O primeiro alvo de Kennedy foi o Congo, mergulhado em guerra e caos desde que o Império assassinara o primeiro-ministro Patrice Lumumba, logo depois da posse de Kennedy na presidência dos EUA.
O velho, cruel e odioso sistema colonial na África contava, naquele momento, com pouco apoio fora da City de Londres, de Wall Street e de um círculo da extrema-direita que seguia a grande finança. Mas a família real britânica e seus primos europeus, acompanhados pelos respectivos aparatos militares e de serviços secretos, definiam a própria existência em torno de seus investimentos no setor colonial. A colônia original da coroa belga no Congo já estava há muito tempo sob controle dos interesses conexos dos bancos e das grandes mineradoras que ligavam a Rodésia britânica e a província Katanga no Congo, e onde se reuniam os Morgan, Rockefeller e outros clientes dos Irmãos Dulles.[52]
O "Lobby Katanga" em Londres comandava o caos no Congo, a partir de seus castelos, dos salões do Clube White's e das empresas religiosamente fiéis que operavam na City de Londres. Os líderes do Lobby Katanga eram o marquês de Salisbury, o primo dela Lord Selborne (Roundell Palmer), LordClitheroe, Ulick Alexander e o capitão Charles Waterhouse, os quais, juntos, administravam a Casa Real britânica, representavam os interesses da Coroa, administravam as Concessões Tanganica e a União Mineradora do Alto Katanga, eram proprietários das ferrovias principais centro-africanas, contratavam gangues de mercenários e controlavam os mecanismos de financiamento para o Partido Conservador.
Apenas um mês depois do sucesso em Cuba, o presidente Kennedy conseguiu convencer o muito relutante ministro de Relações Exteriores da Bélgica Paul Henri Spaak a assinar com ele uma declaração conjunta, ameaçando adotar contra Katanga "severas medidas econômicas", a menos que a secessão fosse revertida imediatamente. Simultaneamente, Kennedy aplicou dura pressão política contra o regime britânico que apoiava o desmanche do Congo: decidiu proibir a venda, para o Reino Unido, de um sistema independente de armas nucleares, o míssil ar-terra Skybolt, que os britânicos esperavam comprar dos EUA. A imprensa britânica abriu fogo contra Kennedy; alas anglófilas da direita norte-americana no Sul Profundo dos EUA, acusaram Kennedy de estar traindo a Raça Branca. Kennedy reuniu-se com o primeiro-ministro MacMillan e forçou-o a aceitar uma proteção antinuclear que os EUA lhe dariam, em vez dos mísseis Skybolt.
Com os britânicos já começando a se alinhar, Kennedy buscou a ONU e obteve que defendessem a soberania nacional do Congo com forças militares da própria ONU e logística fornecida pelos EUA. Em poucas semanas, a paz estava restaurada, e a secessão de Katanga chegou ao fim (o líder secessionista Moise Tshombe foi preso, e o governo do Congo ordenou que diplomatas britânicos deixassem o país.
Uma carta publicada pelo Daily Telegraph de Londres dia 9/1/1963 expressava a fúria imperial: "Testemunhamos (...) três tentativas de dominação mundial, primeiro por Hitler, depois por Stálin, agora pelo presidente Kennedy." Mas essa ira talvez não fosse igualmente partilhada por todos os britânicos, que só estavam vivos porque o presidente dos EUA raciocinara com firmeza pela própria cabeça e não se deixara intimidar pelos antirrussos mais alucinados.
Naquele momento, a Barragem e Usina Hidrelétrica Akosombo, o grande projeto conjunto de Gana-EUA, estava na metade da construção. Mais amplamente, Kennedy queria usar a energia nuclear como ferramenta para construir paz duradoura. A Agência Internacional de Energia Atômica inaugurou um painel dedicado a serviços de dessalinização de água e irrigação, como projetos conjuntos de EUA e Rússia, Israel e árabes do norte da África, Índia e Paquistão, América do Sul e do Norte.
O "Discurso pela paz", de Kennedy
Depois do Congo, Kennedy moveu-se diplomaticamente na direção de um acordo EUA-soviéticos, para pôr fim aos testes de armas nucleares, e de acordo amplo para fazer retroceder a corrida armamentista ensandecida e suicidária. Um Tratado de Banimento de Testes entre EUA, URSS, Reino Unido e França fora item da cúpula de Paris, na primavera de 1960 e havia sido soterrado pelo incidente com o avião U-2 espião.
O famoso "Discurso da Paz" de JFK aconteceu dia 10/6/1963, proferido na American University in Washington, DC, na abertura do ano letivo.[53]Kennedy anunciou que os EUA estavam pondo fim, por decisão unilateral, aos testes com armas nucleares, para estimular um acordo EUA-soviéticos. Disse que a Rússia sofrera mais que qualquer outro país, para derrotar Hitler.
Conclamou os norte-americanos a reexaminar as próprias atitudes em relação à Rússia:
"… não ver exclusivamente uma visão distorcida e desesperada do outro lado; não ver o conflito como inevitável, o acordo como impossível, e a comunicação como, exclusivamente, troca de ameaças. Nenhum governo ou sistema social é tão mau que o povo a ele submetido deva ser considerado absolutamente sem virtude. Como norte-americanos, o comunismo nos parece profundamente repugnante, porque nega a liberdade e a dignidade pessoais. Mesmo assim se pode saudar o povo russo por suas muitas conquistas – na ciência, no espaço, de crescimento econômico e industrial, por sua cultura e por seus atos de coragem (...) Que tipo de paz queremos? Não uma Pax Americana imposta ao mundo pelas armas de guerra norte-americanas. Não a paz dos cemitérios ou a segurança do escravo (...). Nossos problemas foram criados pelo homem. Podem portanto ser resolvidos pelo homem."
Os EUA e os soviéticos logo depois firmaram um acordo de banimento parcial dos testes nucleares, que abria caminho para acordos maiores.
No dia seguinte ao Discurso da Paz, Kennedy falou ao povo dos EUA sobre a luta por direitos civis.[54] Mais uma vez, desafiou atitudes dos norte-americanos:
"Cem anos já se passaram desde que o presidente Lincoln libertou os escravos, mas nem por isso os herdeiros deles, os netos deles, são livres hoje. Ainda não estão livres dos ferros da injustiça. Não estão livres da opressão social e econômica. E essa nação, por todas suas esperanças e pelo muito que diz, não será completamente livre até que todos os cidadãos norte-americanos sejam livres.
Pregamos liberdade por todo o mundo, e acreditamos nas nossas promessas, e muito prezamos nossa liberdade aqui dentro de casa, mas o que dizemos realmente ao mundo e, muito mais importante, o que dizemos aqui, nós, uns aos outros, que essa é terra dos livres, exceto para os negros; que não temos cidadãos de segunda classe, exceto os negros; que não temos sistema de classe ou casta, nem guetos, nem raça superior, exceto se se trata dos negros?
É chegada a hora de essa nação fazer o que prega."
Com a Marcha sobre Washington do dia 28/8/1963 e o ímpeto adicional que trouxe ao Movimento pelos Direitos Civis, quando o reverendo Martin Luther King pronunciou o famoso discurso "Eu tenho um sonho...", o governo Kennedy começou a redigir os projetos das leis de direitos civis, que seriam aprovadas depois de o presidente ter sido assassinado.
Nas últimas semanas de vida, Kennedy pressionou por um programa espacial conjunto com a União Soviética; dia 20/9/1963, na ONU, falou de uma expedição conjunta à Lua, de norte-americanos e soviéticos.[55]
Dia 5/10/1063, o presidente Kennedy decidiu retirar do Vietnã os conselheiros militares dos EUA, para impedir uma guerra norte-americana naquele país. Essa decisão foi reforçada por seu Memorando de Ação pela Segurança Nacional n. 263, publicado dia 11/10/1963.[56]
Kennedy já trabalhava para persuadir os opositores da paz com Fidel Castro, quando foi assassinado.
*****
E esse 'desfecho' foi o que o senador Chuck Schumer (Dem., NY) tinha em mente dia 3/1/2017 quando tentou intimidar o presidente Donald Trump chamando-o de "realmente idiota" por atacar as agências do serviço secreto: "Vou dizer uma coisa, meta-se com a comunidade de inteligência, e a partir do domingo o pessoal lá tem seis modos de agir contra você."
A ameaça brutal de Schumer foi clara: ameaçou aplicar a Trump o tratamento que foi dado a Kennedy.
Desde o assassinato do último presidente dos EUA que realmente se levantou contra os oligarcas, EUA e Grã-Bretanha foram obrigados a desistir do progresso industrial nos respectivos países, a atacar o direito dos povos pobres a se industrializar ('indústria' foi convertida em sinônimo de "ação que põe em risco o meio ambiente" e como risco militar, no caso de alguns países chegarem a acumular efetivo conhecimento científico. Os governos, subornados e coagidos, renderam-se, entregando o controle econômico a financistas, saqueadores universais.
Os sempre mesmos inimigos da humanidade lançaram dúzias de guerras à moda Baía dos Porcos – no Iraque, na Líbia, na Síria, por toda a África e em volta da Rússia – matando milhões, só produzindo refugiados e terroristas, até quando andam "pregando a liberdade pelo planeta". Pagaram bilhões de dólares para comprar a derrubada do presidente eleito na Ucrânia, no instante em que ele optou por construir relações mais íntimas com a vizinha Rússia.
A fúria dos cidadãos contra o Establishment varreu a Europa e atingiu os EUA nas eleições de 2016, nos votos dados a Bernie Sanders e Donald Trump. Quando Wikileaks revelou os atos de traição que Hillary Clinton cometeu contra os EUA – ela prometeu aos seus apoiadores em Wall Street que teriam controle completo sobre a política dos EUA –, voltou à tona então a mentira frenética de sempre, de que a Rússia, ninguém entendeu como, seria responsável por ter vazado o discurso secreto de Clinton... o que 'significaria' que a Rússia teria influído nas eleições nos EUA.
A OTAN– a mesma OTAN de Lord Harold Alexander e de seu idolatrador Lyman Lemnitzer – está nesse momento plantando soldados norte-americanos e britânicos nos países bálticos sobre as fronteiras com a Rússia, preparando-se para uma 3ª Guerra Mundial.
Nem é preciso muita imaginação para ver o quão rapidamente e o quão ferozmente os EUA teriam reagido durante a Guerra Fria, se a União Soviética plantasse tropas prontas para combate bem ali, sobre a fronteira entre EUA e México.
Kennedy agiu para remover Allen Dulles e Lyman Lemnitzer. O assassinato de Kennedy deu aos dois e respectiva facção uma vitória, mas não antes de Kennedy ter deixado marca indelével na história da humanidade.
Agora, o presidente Donald Trump demitiu o diretor do FBI James Comey por ter participado na evidente tentativa de golpe para derrubar o presidente dos EUA sob o mesmo velho pretexto de defender os EUA contra 'os russos'.
Avançando contra o mesmo golpe, Trump decidiu enviar delegação dos EUA à reunião de cúpula, em Pequim, da Iniciativa Cinturão e Estrada, sobre infraestrutura global, para discutir vias que permitam aos países sair do atual desastre estratégico.
Em anos recentes, a China tirou da miséria centenas de milhões de cidadãos chineses. Agora, o país já está articulado com a Rússia e vários outros países de governos bem-intencionados orientados para o maior conjunto de projetos de transporte, energia elétrica e instalações industriais que o mundo jamais viu.
Dia 29 de maio de 2017, os EUA comemoraram os 100 anos de nascimento do presidente Kennedy.
Os EUA, que deram a eletricidade ao mundo no século 19 e levaram o mundo à Lua, no século 20, bem fariam para homenagear a memória de JFK se se unissem aos maiores projetos de infraestrutura e desenvolvimento que nossa era jamais viu. Seria bom modo de voltarem ao mundo civilizado.*****
* Autor recebe e-mails em antonchaitkin@gmail.com.
** Os números remetem às notas no artigo original em inglês. São notas quase sempre muito técnicas, ou longas citações de trechos de livros, cuja tradução é dificílima para nós, sem os meios e os recursos para tradução daquele tipo. Então optamos por manter a remissão ao original em inglês [NTs]
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