sábado, 24 de outubro de 2015

Tempestade de Schäuble engorda no horizonte

24/10/2015, Yanis Varoufakis Blog (Project Syndicate)




Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



ATENAS – A crise na Europa está a ponto de entrar na frase mais perigosa. Depois de forçar a Grécia a aceitar outro resgate de tipo "prorrogue e finja", traçaram-se novas linhas de batalha. E com o influxo de refugiados expondo o dano causado por prospectos econômicos divergentes, e o desemprego entre os jovens na periferia europeia já alcançando a estratosfera, as ramificações são ameaçadoras, como deixaram bem claro recentes declarações de três políticos europeus – o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, o ministro da Economia francês Emmanuel Macron e o ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble

Renzi chegou bem perto de demolir, pelo menos retoricamente, as regras fiscais que a Alemanha defendeu por tanto tempo. Em impressionante ato de desafio, ameaçou que se a Comissão Europeia rejeitasse o orçamento nacional da Itália, ele o reapresentaria sem qualquer modificação. 

Não é a primeira vez em que Renzi afasta-se dos líderes alemães. E não aconteceu por acaso, que sua declaração surja depois de um esforço de um mês, pelo seu próprio ministro das Finanças, Pier Carlo Padoan, para demonstrar o compromisso da Itália com as "regras" da eurozona apoiadas pela Alemanha. Renzi compreende que essa aderência à parcimônia de inspiração alemã está levando a economia e as finanças públicas da Itália a estagnação ainda mais profunda, acompanhada de deterioração da razão dívida/PIB. Político consumado, Renzi sabe que essa é via rápida para desastre eleitoral. 

Macron é muito diferente de Renzi em estilo e substância. Banqueiro convertido em político, é o único ministro do presidente François Hollande que combina séria compreensão dos desafios macroeconômicos de França e Europa com uma reputação, na Alemanha, de reformador e interlocutor hábil. Portanto, quando Macron fala de uma iminente guerra religiosa na Europa, entre o nordeste dominado por alemães calvinistas e a periferia predominantemente católica, é hora de prestar atenção. 

Recentes declarações de Schäuble sobre a trajetória atual da economia da Europa também lançam luz sobre o beco-sem-saída em que está a Europa. Durante anos, Schäuble jogou um longo jogo para realizar sua visão da arquitetura ótima que a Europa poderia alcançar dentro dos limites políticos e culturais que ele toma como dados. 

O "plano Schäuble", como o chamei, exige uma união política limitada para apoiar o euro. Resumidamente, Schäuble favorece um Eurogrupo formalizado (composto dos ministros das Finanças da eurozona), presidido por um presidente que tenha poder de veto – legitimado por uma Euro Câmara que inclua parlamentares dos estados membros da eurozona –, acima dos orçamentos nacionais. Em troca por desistir do controle sobre os respectivos orçamentos, Schäuble oferece a França e Itália – alvos primários de seu plano – a promessa de um orçamento comum com as dimensões de uma pequena eurozona que financiaria parcialmente os esquemas de desemprego e de seguros para depósitos. 

Essa união política minimalista, disciplinarista, não desce bem na França, onde as elites sempre resistiram a desistir da soberania. Embora políticos como Macron tenham andado muito na direção de aceitar a necessidade de transferir para o "centro" poderes sobre os orçamentos nacionais, mesmo assim temem que o plano de Schäuble peça muito e pouco ofereça: limites severos ao espaço fiscal da França e orçamento comum macroeconomicamente insignificante.

Mas ainda que Macron possa persuadir Hollande a aceitar o plano de Schäuble, mesmo assim não está claro se a chanceler alemã Angela Merkel consentirá. As ideias de Schäuble até agora não a convenceram ou, na verdade, não convenceram o Bundesbank (o qual, pelo presidente Jens Weidmann, tem-se mostrado absolutamente contrário a qualquer grau de mutualização fiscal, mesmo na versão limitada que Schäuble está querendo trocar pelo controle sobre os orçamentos francês e italiano). 

Colhido entre uma chanceler alemã recalcitrante e uma França indisposta, Schäuble imaginou que a turbulência causada pela saída da Grécia da eurozona acabaria por persuadir o francês, e seus colegas de gabinete, da necessidade do plano dele. Agora, enquanto espera que o atual "programa" grego colapse sob o peso de suas contradições inerentes, o ministro alemão das Finanças prepara-se para as batalhas à frente. 

Em setembro, Schäuble distribuiu aos colegas do Eurogrupo um resumo de três propostas para evitar uma nova crise do euro. Primeiro, papéis do governo da eurozona devem incluir cláusulas que facilitem "resgatar" os portadores. Segundo, as regras do Banco Central Europeu têm de ser alteradas para impedir que bancos comerciais contem aqueles papéis como patrimônio líquido ultra protegidos. E, terceiro, a Europa deve acabar com o seguro para depósitos comuns, substituindo-o por um compromisso com deixar falir os bancos que deixem de atender às regras colaterais do Banco Central Europeu. 

Implementadas essas propostas, digamos, em 1999, poderiam ter limitado o jorro de capital para a periferia imediatamente depois da introdução da moeda única. Infelizmente, em 2015, dado o legado de membros da eurozona de dívidas públicas e perdas bancárias, esse esquema causará recessão ainda mais profunda na periferia e quase com certeza levará à ruptura da união monetária. 

Exasperado pelo recuo de Schäuble em relação ao seu próprio plano para união política, recentemente Macronmanifestou a própria frustração: “Os calvinistas querem fazer os outros pagarem até o fim da vida deles" – reclamou. – "Querem reformas, sem qualquer contribuição em direção a qualquer solidariedade.” 

O aspecto mais constrangedor das declarações de Renzi e Macron é a desesperança que nelas transparece. É compreensível que Renzi desafie regras fiscais que empurram a Itália cada vez mais para uma espiral dívida-deflacionária evitável; mas, na ausência de propostas para regras alternativas, é desafio que não leva a lugar algum. A dificuldade de Macron é que parece não haver conjunto imaginável de reformas dolorosas que ele possa oferecer a Schäuble, que persuadam o governo alemão a aceitar o grau de reciclagem de superávit necessário para estabilizar a França e a eurozona.

Enquanto isso, o compromisso da Alemanha com "regras" incompatíveis com a sobrevivência da eurozona mina os políticos franceses e italianos que, até recentemente, ainda esperavam por uma aliança com a maior economia da Europa. Alguns, como Renzi, reagiram com atos de rebelião cega. Outros, como Macron, começam a aceitar, sombriamente, que o atual quadro institucional vigente na eurozona e o mix político levarão, no final das contas, ou a um rompimento formal ou a um suplício da morte por mil cortes, na forma de continuada divergência econômica. 

A boa notícia, na nuvem de tempestade que só faz engordar, é que propostas minimalistas para união política, como o plano de Schäuble, estão perdendo terreno. Só reformas institucionais macroeconomicamente significativas estabilizarão a Europa. E só uma aliança democrática pan-europeia de cidadãos pode gerar a potência tectônica necessária para que essas reformas se enraízem e prosperem. ****

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