quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Vladimir Pozner entrevista Sergei Glaziev

20/10/2015, The Vineyard of the Saker (trad. ru.-ing. Eugenia) vídeo e transcrição (aqui traduzida)


Introdução, do Saker: Vladimir Pozer é o equivalente, em Moscou, do notório Savik Shuster em Kiev: um dos piores entre os piores jornalistas "liberais" "democratas" (no sentido russo desses termos) que há por lá.  Vocês verão que a maioria das perguntas que ele fez são 'carregadas' – o homem opera por sugestões, insinuações, apelando às mais baixas emoções e associações. Se Shuster é safado burro, Pozer é safado esperto (nenhum dos dois é inteligente). Portanto, que ninguém se engane: Glaziev aí está em território muito hostil. Mesmo assim, consegue escapar às estupidezes e aos esforços do entrevistador para fazê-lo dizer coisas em que não acredita. Quanto um espertalhão confronta alguém realmente inteligente, o/a inteligente sempre leva a melhor, e é o que se vê nessa entrevista: o mestre facilmente refuta o jornalista medíocre, mas arrogante. Daí resulta entrevista muito interessante, com o especialista que quer fazer, para a economia da Rússia, o que Putin fez pelo Estado russo: livrá-la de controles externos e torná-la realmente soberana. É o pesadelo de todos os "Atlanticistas Integracionistas": ver o Banco Central da Rússia nacionalizado, com Glaziev na direção.MUITO OBRIGADO a Eugenia, pela soberba tradução.[assina] The Saker
________________________
  • Sobre o Plano de Glaziev, ver também "A mais nova arma letal da Rússia", 17/9/2015, Pepe Escobar, RT, traduzido no Blog do Alok


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



POZNER : Esse é o programa "POZNER". O convidado hoje é Sergey Glaziev. Não preciso apresentá-lo, nem listar seus títulos e prêmios que são muitos. Você é homem muito conhecido, Sergey Yurievich. Obrigado por vir. Wikipedia diz o seguinte, sobre você: "Profissão: economista. Atividade: político." Você concorda?


GLAZIEV : Se consideramos que, como diziam os clássicos, política é economia concentrada, concordo, sim, em parte. Se se considerar o sentido comum da palavra, de política como atividade pública para exercício do poder, nesse caso não, não sou político, pelo menos não hoje.



POZNER : OK. O seu mentor, acadêmico Lvov disse o seguinte sobre você: "Como cientista, Sergey Glaziev é um dos mais destacados economistas russos desde os anos 1970s. Pena que se mudou para a política." Mas isso, ele disse há muito tempo, em 2003. Você lamenta o envolvimento na política?

GLAZIEV : Só lamento não ter podido concretizar as ideias e projetos que estávamos desenvolvendo na Academia de Ciências e propusemos várias vezes ao governo. Garanto que a situação do país seria muito melhor hoje, e teríamos vivido melhor, se as reformas econômicas e a política econômica seguissem recomendações científicas.

POZNER: Você não acha que desperdiçou aquele tempo de sua atividade política?

GLAZIEV: Não, porque a ciência, afinal, é o experimento, Considerando que vivemos em tempo tão complexos de transição, como cientistas que participamos no desenvolvimento daquelas ideias e projetos, mesmo que 90% das nossas propostas tenham sido rejeitadas, mesmo assim se tem enorme campo de experimentação. Há a experiência russa, a chinesa, a dos nossos vizinhos da Europa Oriental, e é muito interessante ser cientista no cerne desses projetos. A combinação entre teoria e prática, embora nem sempre possível na economia, sempre leva a enriquecimento nos dois campos.

POZNER: Apesar do que você acaba de dizer, ainda quero mesmo assim apresentá-lo aos nossos telespectadores como homem de duas faces: o Glaziev economista e o Glaziev político, porque nesses dois campos você deixou e continua a deixar uma marca muito clara. Começo por aí. Egor Gaidar, em cujo governo você trabalhou dizia que você é "dirigista", que defende o ativo papel regulatório do Estado na economia. Ele se enganou?

GLAZIEV: "Dirigismo" é modo muito comum de tentar compreender como o Estado deve regular o desenvolvimento econômico. A palavra vem do francês diriger [mandar, dirigir]. Não só na União Soviética, mas também na Europa e nos EUA, e ainda mais na China, Japão, Coreia e outros países, o Estado é muito ativamente envolvido nos processos econômicos. Porque se o Estado não regula o mercado, o mercado acaba ocupado por monopólios, especuladores e sabe-se lá quem mais. O papel do Estado é criar as condições mais favoráveis para aumentar o investimento e a atividade econômica.

POZNER: E você concorda com isso?

GLAZIEV: Entendo que quem diga que o Estado deveria afastar-se da economia trabalha a favor dos interesses dos que querem controlar o mercado. Não há economia possível no caos; na economia, sempre há alguém que manda.

POZNER: Sergey Yurievich, fiz uma pergunta simples, sim ou não.

GLAZIEV: Totalmente sim.

POZNER: Bom. Em 2003, falando sobre o programa de desenvolvimento da Rússia que você propusera – e naquele momento você acabava de propor um programa – o jornal Profile escreveu que se tratava de alguns slogans simples e não originais: sequestre o lucro do setor petróleo; introduza o monopólio estatal para vender vodka; transfira o lucro do Banco Central para o orçamento do Estado; aumente a taxa de importação para usar o dinheiro para sustentar o que restou das indústrias soviéticas de alta tecnologia. Foi em 2003, repito. São medidas que implicam direta interferência do Estado. Ou não?

GLAZIEV: Vladimir Vladimirovich, você está repetindo fragmentos de conceitos. E estão citados errados.

POZNER: Não, claro que não.

GLAZIEV: Sim, estão substancialmente errados. Um programa econômico tem de ser sistêmico, incorporar políticas monetárias, de crédito, fiscais, de orçamento, e também relações de propriedade, relações entre o capital e o trabalho, etc. Aquele programa que meus colegas e eu propusemos foi programa para crescimento econômico e aumento dos padrões de vida. Incluiu o mecanismo do planejamento estratégico, mecanismos de regulação da economia pelo Estado a favor de aumentar investimentos e criar condições tais que todo potencial econômico da Rússia pudesse começar a operar. Profile falava só de uns poucos fragmentos. E, sim, gostaria de esclarecer que, nisso, acertaram: nada havia ali, de novidade. O lucro excedente já é expropriado, porque é aplicado nos EUA, na Austrália, na Noruega. Os impostos sobre o setor petróleo são muito mais altos que em qualquer outro setor e podem alcançar 80% do lucro. Na Grã-Bretanha, se chama "imposto sobre lucro excedente"; na Austrália, é chamado rent tax, imposto especial que introduziram quando se descobriram os campos de petróleo; na Noruega, a indústria do petróleo é integralmente controlada pelo Estado.

Assim, dizem "sequestre o lucro do setor petróleo", mas na realidade regulação econômica razoável deve visar a criar condições para as pessoas, para que trabalhem mais efetivamente, usando o próprio potencial criativo para produzir algo de novo. É isso, ou o lucro é dado por Deus e, assim sendo, tem de ser igualmente repartido entre todos. Se se privatiza tudo, por que alguém trabalharia?

POZNER : Não acredito que seja bem assim.

GLAZIEV: Apesar disso, em todos os países o Estado tenta arrecadar o imposto sobre lucro excedente, porque é a parte do lucro que não resulta do esforço do trabalho.

POZNER : Não acredito que seja bem assim.

GLAZIEV: De qualquer modo, em todos os países o Estado tenta acabar com o natural rent,[1] porque essa parte do lucro não é efeito do esforço do trabalho, e a expressão clássica para essa ação do Estado é "taxar o lucro excedente". Realmente reintroduzimos esse imposto em 1992: simultaneamente com a transição para o mercado, o imposto de exportação foi reintroduzido, e respondia por 1/3 do orçamento do Estado. Eu era responsável pela área de regulações naquela época, e posso garantir que ninguém, nem os especialistas do FMI nem outros especialistas que visitaram a Rússia fizeram qualquer objeção. Isso, porque o objetivo era nos afastar da distribuição administrativa e passar para a indireta, mediante impostos; tirar o lucro excessivo da exportação de recursos naturais. Financiamos 1/3 do orçamento com essa taxa de importação. Detalhe importante: o calote de 1998 aconteceu precisamente quando o Estado aboliu aquela taxa de exportação sob pressão da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do FMI. O governo Primakov reintroduziu aquele imposto; o dinheiro começou a entrar. Atualmente, esse imposto existe; e no nosso programa não propusemos coisa diferente disso.

O segundo ponto. O lucro do Banco Central ou, dito de outro modo, o lucro excedente do Banco Central, que advém do poder para emitir moeda, em todos os países do mundo é transferido para o orçamento do Estado. Nos EUA, praticamente todo o dinheiro emitido pelo Fed vai para a finança...

POZNER: Você está dizendo que não há nenhuma diferença entre eles e nós?

GLAZIEV: Dito em termos simples, é política econômica razoável, e nós a propusemos. Quando alguém diz que não há necessidade de taxar o natural rent, o mais provável é que esteja falando em nome dos interesses dos que lucram com exportar recursos naturais.

POZNER: Então, sua proposta em 2003 incluía essas medidas de que você falou, e depois, em 2008, você preparou nova proposta – lembro bem: eram 10 pontos propostos. Por falta de tempo, não vou discutir detalhes. Segundo a imprensa, você recentemente preparou novo relatório para apresentar à Comissão Interdepartamental do Conselho de Segurança, acho, dia 15 de setembro. Apresentou?

GLAZIEV: Claro que sim. Houve uma reunião.

POZNER: Então, a proposta foi apresentada. Corrija-me, se eu estiver errado, mas as metas fixadas naquele relatório eram bastante atraentes: 5% de crescimento do PIB; aumento da produção da indústria, de 30-35%; aumento do gasto social, dos atuais 6,5% para 40%, e tudo isso em apenas cinco anos. Só falei de uns poucos itens, mas são impressionantes.

Por alguma razão, eu – mas não só eu –, logo pensei nos "Planos Quinquenais" de Stalin. Cinco anos – e teremos poderoso boom econômico. Mas também lembro que os "Planos Quinquenais" de Stálin envolviam usar, como você talvez recorde, grande número de prisioneiros como força de trabalho. Não estou dizendo que você tenha proposto que se crie um Gulag [sistema de campos de prisioneiros na União Soviética]... Mas você realmente acredita que seja possível, em cinco anos, chegar a tudo aquilo, dadas as atuais condições da Rússia, as dimensões da força de trabalho, etc.?

GLAZIEV : Então, comecemos pelas condições atuais. O crescimento de que você falou – 5% a.a. – o crescimento potencial existe teoricamente, mas evidentemente não pode ser alcançado em um ano. Hoje, usamos em média 60% de nosso potencial industrial. Aumentaríamos em 40% o resultado da indústria com os fundos básicos existentes. E setores de alta tecnologia, como a manufatura, construção de navios, aviões de alta tecnologia, usam ainda menos capacidade de produção, 30-35%. Portanto, os fundamentos existem. A força de trabalho de que você falou. Embora oficialmente tenhamos apenas 5% de desemprego, qualquer encarregado de indústria lhe dirá que poderia melhorar seus resultados com os recursos e a força de trabalho que tem hoje, se aumentasse a demanda. Muitos estudos mostram que o desemprego industrial oculto chega a 20%. Quero dizer: é possível expandir 20%.

POZNER: Mas como?

GLAZIEV: Se, com 60% dos recursos da indústria...

POZNER: Mas por que só 60%? Por que não mais? O que está pegando aí?

GLAZIEV: Vários fatores. O fator chave é a desmonetização de nossa economia.

POZNER: E o que significa isso, em idioma russo?

GLAZIEV: Quantidade insuficiente de dinheiro, para que o capital se reproduza normalmente.

POZNER: E é o dinheiro que faz isso?

GLAZIEV: Dinheiro é como sangue no corpo: é indispensável para que todas as partes funcionem. É preciso que haja dinheiro a ser emprestado. O capital subdivide-se em ativos fixos e capital operante, ou capital de giro. Capital operante é o capital de que você precisa todos os dias para movimentar o negócio. Por exemplo, a proporção de empréstimos no capital de giro da indústria é de cerca de 50%. Significa que, quando o Banco Central sobe as taxas de juros, os empréstimos ficam mais caros e, considerando-se que a rentabilidade é de apenas 5-6%, se a taxa de juros é superior a isso, não há sentido algum em tomar um empréstimo.

Por isso, quando as taxas de juro ficam altas demais, acontece a situação em que as empresas ou pagam o que devem, ou não podem tomar novos empréstimos, quer dizer: o capital de giro cai e, consequentemente, o resultado da produção industrial. Ou, quando é possível, as indústrias sobem os preços. Por isso, quando há volume insuficiente de empréstimos disponíveis, essa carência sempre impacta a dinâmica da produção industrial – que encolhe. Essa é relação que já se observou em todos os países, em todos os tempos.

E na Rússia, ainda mais. Há forte correlação entre a dinâmica do volume de dinheiro e a dinâmica industrial. Quando o resultado da indústria aumenta, esse aumento é sempre acompanhado por aumento da massa de dinheiro. Quando a massa de dinheiro diminui, sempre resulta em redução no resultado da indústria. Observa-se isso há muitas décadas. Assim, o subuso da capacidade industrial que se vê hoje está ligado ao custo muito alto do crédito. Além disso, por causa da escassez de dinheiro, muitas empresas não conseguem crédito por causa das muitas exigências – avalistas, depósitos, avaliação de riscos, garantias insuficientes, etc.

Assim sendo, de um modo ou de outro, a queda atual da produção industrial que estamos tendo está conectada ao alto custo do dinheiro. Todos os países do mundo, para tirar a economia da crise, que foi global em 2008, optaram pela via dos juros baixos e crédito ilimitado. Nos EUA, Europa, China, Japão não há problema nenhum para obter-se crédito a juros praticamente zero, quer dizer, abaixo do nível da inflação. O que interessa é que você tenha uma ideia, capacidade para produzir e recursos.

POZNER: Mas por que não fazemos assim?

GLAZIEV: Não fazemos assim, porque nós, segundo aconselhamento do FMI, e como alunos de nota A+ no curso de economia política do socialismo em nosso ano como calouros na universidade, fazemos o que nos mandam fazer. O FMI mandou reduzir o volume de dinheiro, para derrubar a inflação... E nós, com uma fúria que faz falta em outros assuntos, continuamos a repetir o mesmo erro. Estamos tentando derrubar a inflação, fazendo subir as taxas de juros, o que reduz a quantidade de dinheiro na economia. O resultado tem sido queda nos investimentos.

POZNER: Dão-nos 'conselhos' que não dão a outros países?

GLAZIEV: Aliás, recentemente, o FMI recomendou que os EUA não subissem a taxa de juros, porque o aumento poderia exacerbar os problemas estruturais na economia.

POZNER: Mas nos aconselham a subir os juros?

GLAZIEV: Sim, foi o que nos aconselharam a fazer.

POZNER: E nós obedecemos?

GLAZIEV: Infelizmente, sim. Como você sabe, Einstein ensinou que, se o cientista tenta o mesmo experimento pela 3ª, 4ª vez, com as mesmas condições e esperando obter resultado diferente, o problema está na lógica do cientista, não no experimento nem no mundo.

POZNER: Você acha que há aí alguma intenção do FMI, de nos sabotar?

GLAZIEV: O FMI dá o mesmo conselho a todo mundo.

POZNER: Inclusive aos que obedecem ao FMI?

GLAZIEV: Os que obedecem descobrem-se, quase sempre, numa posição muito difícil, como é nosso caso. Isso, porque a meta do FMI, como se lê no art. 8º de sua Carta: "Prover condições para o livre fluxo do capital. Quer dizer, a única coisa que interessa ao FMI é que haja livre fluxo de capital, que os países não se protejam contra o movimento do capital, mas se os países crescem, ou se a população passa fome – absolutamente não interessa nem preocupa o FMI. O FMI não visa a promover qualquer crescimento econômico, em lugar algum do mundo. A meta do FMI – como já se vê pelo nome – Fundo Monetário – é que o dinheiro emitido hoje para todo o mundo, pelos EUA e UE...

POZNER: Ainda não entendi por que seríamos a única vítima.

GLAZIEV: Não somos a única. Há outra: a Ucrânia.

POZNER: Deixe a Ucrânia fora disso. A Ucrânia é outra história.

GLAZIEV: Antes de nós, a vítima foi o sudeste da Ásia. Ali, o quadro foi exatamente o mesmo: os países que seguiram a 'receita' do FMI sofreram crises; os que não seguiram safaram-se bem.

POZNER: Por que estamos seguindo essas recomendações? Pura estupidez? Tem de haver alguma razão, você não acha?

GLAZIEV: A razão são interesses especiais. Começamos essa conversa falando de relações entre economia e política. Infelizmente, a economia, i.e. a economia política, é pesadamente influenciada por interesses. É a ciência que, em sua forma vulgar serve a interesses especiais. Por isso a aplicação prática da economia real é tantas vezes rejeitada, porque a política prática serve aos interesses econômicos de alguém. Os interesses aos quais o FMI serve, como se pode ver pela condição em que está nosso mercado de moeda, são os interesses dos que especulam com moeda e no mercado da finança. Deixamos o rublo flutuar livremente, o Banco Central retirou-se do mercado de câmbio – quer dizer, todo o mercado de moeda está agora em mãos dos especuladores.

POZNER: Nossos especuladores?

GLAZIEV: Bem... 75% do dinheiro que circula pelo nosso mercado pertence a não residentes – gente que vive no exterior. Portanto, nosso mercado financeiro, no que tenha a ver com circulação financeira é controlado de fora da Rússia. É principalmente dinheiro norte-americano, com participação de russos, também.

POZNER: E é o Banco Central que está promovendo tudo isso?

GLAZIEV: Está sendo conivente com isso, porque não dá os passos necessários para proteger nosso mercado financeiro contra os ataques especulativos. De que precisa o especulador? Precisa encontrar condições de nenhuma restrição monetária e ninguém no mercado. Assim, os especuladores que trabalham em comum acordo entre eles manipulam o mercado de moedas, à nossa custa. Porque eles derrubaram o rublo, gente como você e eu perdemos renda, mas eles recebem lucro excedente. Por que o especulador nos faz mal? Porque ele, diferente do corretor ou investidor padrão, que vem com prazos longos, ganha seu lucro excedente na desestabilização do mercado, à custa de todos os demais atores. Por isso eles causam danos, e todos os países, sem exceção, lutam contra os especuladores.

Mas, no nosso caso, nos impuseram a ideia de que o mercado se autorregularia, só ele, perfeitamente, mesmo que 95% das operações...

POZNER: Quem nos impôs?

GLAZIEV: O mesmo FMI.

POZNER: E aceitamos tudo, assim... Ou há interesses econômicos no nosso país que se dão bem com a ideia que nos foi imposta?

GLAZIEV: Claro que há. O maior centro gerador de lucros hoje é a [corretora] Moscow Exchange. Porque a economia caiu agora cerca de 19%, mas a Exchange duplicou de tamanho. Na Exchange, a margem de lucro é 80-90% sobre o dinheiro investido. Tudo encolhe, e a Exchange incha. Com tais saltos no câmbio do rublo, todo o dinheiro disponível corre para a Exchange. As empresas só cuidam de especular, em vez de cuidarem de produzir. Questão importante aí é de onde vem o dinheiro.

POZNER: O presidente compreende isso?

GLAZIEV: O presidente conta com que as pessoas ajam com decência.

POZNER: Por quê?

GLAZIEV: Porque, aparentemente, o presidente crê no patriotismo das empresas russas. Quando ele disse que tínhamos de estabilizar o mercado, grandes empresas responderam... e puseram um pouco mais de dinheiro no mercado.

POZNER: Quer dizer que nosso presidente é muito ingênuo?

GLAZIEV: Não. É homem de palavra. Ele disse que nós não introduziríamos nenhuma restrição à moeda, contando com que todo o pessoal do mercado agiria com decência. E não introduzimos nenhuma restrição.

POZNER: Dentre as medidas que você está propondo e, parece, propôs em seu relatório, há coisas como "empresas do povo", coisa que, pessoalmente, me fez lembrar a emissão de 20 trilhões de rublos, para objetivos específicos; e palavras como "deter o furacão da especulação" no mercado de moedas; venda obrigatória de currency revenues, justificação da exportação de capital baseada nas vantagens para a Rússia, restringir a margem entre o custo de produção e o preço de varejo em 25%; e congelamento temporário de preços de varejo de produtos de alto consumo.

Mais uma vez, nada disso é novo. Contudo, queria chamar sua atenção para o artigo no Pravda (ainda existe, o que você talvez não saiba, sim, ainda é publicado) que elogiou suas propostas: "Muitos analistas consideram a proposta do Conselheiro do Presidente da Federação Russa acadêmico Glaziev, um programa para voltar ao sistema econômico soviético. Na verdade, há algumas semelhanças com a criação do Gosplan". O Pravda [ru. "verdade"] está dizendo a verdade?

GLAZIEV: Vladimir Vladimirovich, onde é que você leu sobre o meu programa, se não for segredo?

POZNER: Nos jornais.

GLAZIEV: Por favor, não leia Kommersant, por favor.

POZNER: Mas li no Pravda, não em Kommersant.

GLAZIEV: O Pravda, acho, copiou de Kommersant.

POZNER: Pouco provável.

GLAZIEV: Nunca mandei meu programa para o Pravda. Na verdade, ainda não foi publicado. Sobre Kommersant, ouPravda – digamos, a imprensa –, há a célebre frase daquele romance [de M. Bulgakov O coração do cão]: "Nunca leia jornais soviéticos pela manhã". Embora já não sejam soviéticos, pelo menos, não todos eles, mas, seja como for, só publicaram uma salada de coisas disparatadas, extraídas de qualquer contexto e citadas erradas.

Sobre as medidas de que você falou: algumas delas não estão no programa. Nem uma palavra, lá, sobre 25% ou congelamento de preços. – Vou mandar uma cópia para você, para que confirme com seus próprios olhos.

O programa diz que precisamos de um sistema para regular os preços, porque não se entende precisamente que regra governa os preços no nosso mercado. Se temos o caos no nosso mercado, pode-se também esperar que o Estado congele preços. Já aconteceu antes. Por isso precisamos do sistema de controle de preços que garanta concorrência justa e impeça o mau uso de posições monopolistas. Observe que na Alemanha, onde ninguém fala de construir o socialismo, o Estado têm direito...

POZNER: Você está dizendo que o que o Pravda escreveu, que há elementos no seu plano que se parecem com o sistema soviético, não é verdade? Não há esses elementos?

GLAZIEV: Calma. Os elementos que há no plano há também na União Europeia, nos EUA e, isso, para não falar da China.

POZNER: Claro. A China é assunto completamente diferente.

GLAZIEV: O que estamos dizendo não deve ser pintado com cores ideológicas. Funciona na economia de mercado, e hoje vivemos na economia de mercado, e partimos dessa evidência. De modo nenhum propusemos abolir os mecanismos de mercado. Estamos dizendo que as leis da economia de mercado podem ser usadas de modo que beneficie a todos e maximize a produção.

A questão chave é a quantidade de dinheiro que nos falta. Você falou de 20 trilhões de rublos, que é imenso exagero. O que o programa propõe é que se crie o mecanismo da emissão de crédito orientada por objetivos, para resolver problemas específicos com o uso de fundos para finalidades específicas.

POZNER: Quanto?

GLAZIEV: Depende – quantias diferentes por canais diferentes.

POZNER: O total está dito?

GLAZIEV: Sim, claro que sim. A massa de dinheiro não excede o que o Banco Central já pôs na economia. O Banco Central emitiu e entregou para refinanciar os bancos comerciais, 8 trilhões. Os bancos usaram esses 8 trilhões principalmente para especular com a moeda, o que se vê claramente se se examinam as dinâmicas das reservas bancárias. Então, os bancos tomaram nossos empréstimos do Banco Central e aumentaram as próprias reservas em moedas estrangeiras. Está errado. Não deveríamos emitir dinheiro para permitir que especuladores trabalhem contra o rublo. Mas foi o que aconteceu. Eis porque, se queremos pôr na economia a quantidade necessária de dinheiro, temos de garantir que o dinheiro será usado para investimentos e desenvolvimento da indústria. Dependendo de se se trata de indústria militar, substituição de importações, pequenas empresas ou hipotecas, a taxa de juros pode ir de zero a 2% no Banco Central, com margem bancária de 2%. Quando o banco comercial recebe crédito barato não deve lucrar indevidamente a partir do que receba. Deve trocar dinheiro por seus serviços, inclusive o controle sobre o uso planejado para o dinheiro. Daí a margem de 2%, porque, se não houver uma margem de restrição...

POZNER: Não sei que margem temos, mas agora temos de fazer uma pausa para nossos anunciantes. Mas antes da pausa, devo dizer que a imprensa respondeu, sem, pelo que entendo, sem ter acesso ao documento, mas mesmo assim respondeu, de modo bem claro. Mostro-lhe algumas manchetes:




– "Conselheiro de Putin quer limitar a compra de moeda estrangeira e congelar preços" (RBK)

– "Sergey Glasiev apresenta a economia de mobilização" (Financial Gazeta)

– e até: "Como s-Glaziev-izar a Rússia" [trocadilho com ru. sglazit, "pôr o diabo de olho na Rússia", e Glaziev, nome derivado de ru. glaz, "olho" (nota da tradutora ru.-ing.)].



Se você fosse editor-chefe de jornal, que título daria ao seu projeto?



GLAZIEV: Para começar, nunca acreditaria em diz-que-diz e mostraria o texto real. Toda a confusão que você comenta aconteceu porque as pessoas não leram o projeto, acreditaram em conversas distorcidas sobre itens fora de qualquer contexto, que os jornais usaram como imagens de filme de terror.



POZNER: Sim, mas... Por quê? Por que essa, digamos, opinião unânime? Em coro? Estarão todos contra você pessoalmente? Como você explica a unanimidade?

GLAZIEV: Para começar, o coro não é, de modo algum, unânime. O Fórum Econômico de Moscou, praticamente unanimemente aprovou o programa. O Conselho Científico do Conselho de Segurança [da Federação Russa], também aprovou.

POZNER: Mas... e a imprensa?

GLAZIEV: A imprensa não trabalha de graça. Alguém encomendou esses artigos.

POZNER: Sempre a mesma conversa.

GLAZIEV: Você está dizendo que conhece algum jornalista independente na Rússia?

POZNER: Estou dizendo que sou pago pelo meu trabalho, mas ninguém me suborna. De que adianta existir imprensa, se você já desqualificou toda ela, disse que é comprada e paga (acusação, aliás, muito grave), ou simplesmente não compreende o que a imprensa está dizendo? Falemos então de pessoas. Nem todos estão encantados com o plano.

O presidente, por exemplo, do Conselho Consultivo do Instituto de Demografia, Migração e Desenvolvimento Regional, Yuri Krupnov, disse a você que "Se você, Sergey Yurievich, for nomeado para a presidência do Banco Central, em menos de um ano acontecerá uma catástrofe, ou você estará fazendo exatamente o que o Banco Central faz hoje."

O vice-ministro de Finanças, Storchyak: "Do ponto de vista da liberdade econômica, não concordo com as propostas de Sergey. Vivi na economia socialista, e para mim, chega. Se alguém quer voltar àquele tempo, não conte comigo.".

E, por fim, o secretário de Imprensa do Presidente, Dmitrii Peskov: "Glaziev é economista e confia em seu conhecimento acadêmico ao manifestar opinião técnica sobre um ou outro assunto. Mas a opinião dele nem sempre reflete a posição oficial do presidente ou do atual governo".

Essas opiniões o incomodam?

GLAZIEV: Conheço pessoalmente todos os que você citou. A primeira coisa que posso garantir a você é que nenhum deles leu o projeto.

POZNER: Como é possível? Manifestam opiniões, sem ter lido o projeto?

GLAZIEV: Convide-os para debater aqui, no seu programa. Terei prazer em oferecer-lhes o texto.

POZNER: Mas você já apresentou suas propostas?

GLAZIEV: Sim. Mas, com todo o respeito, nenhuma das pessoas que você mencionou participou da reunião do Conselho Científico do Conselho de Segurança [da Fed. Russa] ou da Comissão Interdepartamental. O texto não foi enviado nem a essas pessoas nem a ninguém. Todos eles acreditaram – como você, nesse instante – no que o jornalKommersant publicou daquela vez e alguns, talvez, tenham lido o que Pravda publicou.

Mas a verdade é que nenhum desses comentaristas sabem do que se trata. Peskov não falou contra o plano. O que ele disse foi que não comentaria o Plano. E, claro, todos têm direito à própria opinião.

O que posso dizer é que o plano que estou encaminhando ao governo não é só a minha opinião pessoal. É o resultado de trabalho científico, rigoroso, de muita pesquisa. É reflexo do que existe reunido, como conhecimento objetivo sobre o comportamento da economia. O problema é que a política econômica é sempre a soma de vários interesses, e esses interesses sempre têm justificação ideológica e também 'explicações' quase-científicas. Quer saber que não gosta do meu projeto e por que não gosta? Posso responder: Todos precisam de dinheiro barato. Mas se injetarmos dinheiro barato na economia...

POZNER:  Calma lá. Como alguém poderia gostar ou desgostar do seu projeto, se ninguém leu?

GLAZIEV: Aqui mesmo, estamos falando tanto, e só de fragmentos que estão sendo 'comentados', mesmo sem que ninguém tenha lido coisa alguma.

POZNER: E os comentários reproduzem fielmente o seu projeto? Você disse que eu citava errado.

GLAZIEV: Vários detalhes estão citados errados. Mas falemos só sobre o que não está errado, no que os comentaristas dizem que seria o projeto. Sim: estamos propondo o fluxo de dinheiro barato para desenvolver a economia. Quem se opõe a isso? A indústria só quer exatamente isso; a agricultura está aos gritos "Queremos esse dinheiro!", a pequena empresa está morrendo por falta de crédito; o sistema de hipotecas está emperrado – todos precisam de dinheiro barato de longo prazo, como nos EUA, na Europa, no Japão ou China. Todos querem trabalhar, aqui como em qualquer lugar do mundo. Taxas altíssimas de juros tornam nossa economia não competitiva. Todos gemem. Portanto, os que gemem apoiam...

POZNER: E o vice-ministro das Finanças, Storchak, está contra?

GLAZIEV: Já chego lá. Para nós podermos injetar dinheiro barato na economia, é preciso assegurar que esse dinheiro não acabe no mercado de moeda, porque, como já disse, emitimos 8 trilhões de rublos e todos os 8 trilhões acabaram precisamente no mercado de moeda. Aconteceu o mesmo em 2007: emitimos 2 trilhões de rublos, 1,5 trilhão dos quais acabaram no mercado de moeda.

POZNER: Então, os banqueiros, pelo que estou entendendo, são contra o projeto?



GLAZIEV: Os banqueiros não querem ter de responsabilizar-se pelo uso declarado do dinheiro. Se recebem o dinheiro, acham que têm de ter o direito de fazer como bem entendam. Então, os grandes bancos, principalmente os bancos estatais, não estão entusiasmados com o plano, porque com plano ou sem, sempre recebem dinheiro do Banco Central. Quando dizemos a eles "Perdoem, mas vocês terão de controlar o cumprimento de uma cláusula em que o tomador declara o uso que dará ao dinheiro; caberá a vocês garantir que o dinheiro..."

POZNER: Tudo que você diz faz crer que o programa visa a promover aguda melhoria na situação do país, no padrão de vida, em tudo. Mas você diz que essa gente se opõe ao plano. Estão pensando exclusivamente nos próprios interesses pessoais, e o país que vá p'rô inferno. Soa exatamente assim.

GLAZIEV: Vladimir Vladimirovich, analisemos melhor o que realmente está acontecendo aqui. É simples: nós temos de mudar drasticamente todo o sistema da gestão do dinheiro, porque no momento atual temos uma economia na qual dois terços da massa de dinheiro é constituída de empréstimos externos. Por que você acha que sofremos tanto por causa das sanções? Porque o crédito externo secou, mas ¾ do dinheiro aqui depende de crédito externo. Por isso, quando saíram 150 bilhões, ano passado, e o Banco Central não substituiu o dinheiro por crédito interno, a base monetária começou a encolher.

POZNER: Por falar nisso, você está propondo que, em alguns casos, a Rússia tenha o direito de não pagar os empréstimos tomados de países que impuseram sanções à Rússia. Está ou não está?

GLAZIEV: Entendo que temos o direito de nos defender.

POZNER: Mas você sabe o que virá, como consequência? Processos judiciais e tal? Como se diz, o que torna bela a dívida é o pagamento. Nossos bens no exterior podem ser congelados e tal e tal.

GLAZIEV: Mas essa é precisamente a resposta, caso confisquem patrimônio russo. As sanções incluem a possibilidade de confiscar patrimônio. Alguns dos nossos bancos já perderam patrimônio. Por quê? A resposta está proposta como medida retaliatória, no caso de patrimônio de empresas e cidadãos russos vir a ser confiscado por razões políticas.

É problema muito sério para nosso sistema, na verdade, porque mais de metade de nossos investimentos vem do exterior. Mais dinheiro escorre da Rússia para o exterior, metade se dispersa, mas a outra metade retorna. Tudo isso fica congelado lá, e temos de lutar durante anos, nos tribunais, para conseguir que o dinheiro volte. Então entendo que nossas empresas, no caso dessa agressão financeira têm de ter um meio de se defenderes, não pagando, no caso de haver patrimônio congelado.

O segundo ponto no meu sistema é a des-offshore-ização. Se queremos ter as fontes internas de crédito, ter dinheiro barato e de longo prazo, não podemos deixar que o dinheiro seja usado para especular com a moeda, nem deixar o dinheiro escorrer para longe, em vez de fazer com que seja usado como fonte de crédito interno.

POZNER: E como se pode conseguir isso?

GLAZIEV: Mediante regulações.

POZNER: Não é palavra muito bonita, 'regulações'. Aparentemente, a palavra significa medidas políticas duras, às vezes duríssimas.

GLAZIEV: Há medidas policiais para inibir o roubo. Todos os países punem o roubo. Se alguém manipula o mercado, digamos, de rublos, é atitude punível. Nos EUA, a pena para esse crime é prisão perpétua, sabe? Prisão perpétua para quem seja condenado de manipular o mercado do dólar. Quero dizer: absolutamente não estou reinventando a roda.

Uma das medidas – um imposto sobre exportação de capital. Já é usado em alguns países europeus, na França, por exemplo. A UE discute esse assunto já há algum tempo, como a Taxa Tobin. Tobin, por falar dele, é considerado o criador de toda a teoria da circulação do dinheiro e sempre disse que o papel do Banco Central é criar as condições mais vantajosas para o aumento dos investimentos. Para fazer aumentar os investimentos, temos de proteger nosso sistema monetário contra ataques de especuladores. Se for deixado aberto a esses ataques, jamais alguém conseguirá estabilizar a taxa de câmbio do rublo.

POZNER: Sobre a taxa de câmbio do rublo. Você disse certa vez que a queda na taxa de câmbio do rublo é resultado da política incompetente do Banco Central e das autoridades monetárias em geral. O Banco Central não tem o objetivo de estabilizar a moeda nacional. Você disse isso, ano passado – palavras suas, extraída de Kultur.

Na reunião com Nabiullina, presidenta do Banco Central, o presidente disse que "o Banco Central está fazendo muito para apoiar a moeda nacional, pelo menos para mantê-la estável, e para que todo nosso sistema financeiro permaneça também estável." Parece que o conselheiro do presidente e o presidente têm avaliações diferentes sobre o Banco Central.

GLAZIEV: O Banco Central está fazendo muito dentro do sistema de regar que criou sozinho e só para ele. Essas regras determinam que o Banco Central não esteja no mercado, que não faça qualquer esforço para estabilizar a taxa de câmbio do rublo dentro de dados limites. Mas agora está tentando, de certo modo, influenciar o mercado mediante manipulações "manuais". O problema é que o mercado financeiro russo é só um pequeno segmento do mercado financeiro mundial, e sofremos a oposição do especulador que tenha recursos para desestabilizar o mercado com um simples estalar de dedos.

POZNER: Do modo como você explica agora, não tenho o que perguntar. Mas você está dizendo que essa é "política incompetente do Banco Central e das autoridades monetárias em geral. A liderança do Banco Central dessa vez não tem o objetivo de estabilizar a moeda nacional". É afirmação muito dura e muito direta. E o presidente Putin diz que o Banco Central está fazendo muito pelo menos para apoiar a moeda nacional, para criar sensação de estabilidade e tornar mais estável todo o nosso sistema financeiro. São opiniões diferentes. Concorda?

GLAZIEV: Vou tentar explicar. Essas declarações minhas já têm três anos.

POZNER: São de 2014.

GLAZIEV: Eu disse exatamente a mesma coisa em 2013, quando alertei que atacar a inflação levaria ao caos no mercado financeiro, a queda na taxa de câmbio do rublo, inflação alta e queda da produção industrial. Tudo isso aconteceu. Eu dissera três anos antes – procure aí nos seus arquivos, que você encontra. Infelizmente, tudo que foi previsto aconteceu. E aconteceu, porque para construir meus pareceres baseio-me não no dogma do FMI, mas em achados da lei econômica empírica que oferece explicações racionais, teóricas.

Assim sendo, estou falando da política de atacar a inflação que se entende que exigiria que o Banco Central renunciasse à taxa de câmbio estável para o rublo, e a quaisquer regulações ou restrições, da moeda e use só um instrumento financeiro regulatório – a chave taxa de juros. Meu argumento é que, se renunciamos a todas essas medidas e usado só taxa chave, não derrotaremos a inflação, não estabilizaremos a taxa de câmbio nem conseguiremos coisa alguma na economia, porque nosso mercado se tornará caótico. É bem parecido com o que temos hoje.

Digamos que você está viajando num iate. Você tem velas e motor. Começa a tempestade. Você recolhe as velas e usa o motor. O que está acontecendo é que, na mesma tempestade, alguém desligou o motor e deixou o barco entregue às ondas. Podemos pelo menos usar as velas para estabilizar o barco e jamais conseguiremos, se o motor estiver desligado.

Sim, o Banco Central está fazendo muito para estabilizar a taxa de câmbio do rublo, depois de se ter recusado a usar os mais importantes instrumentos para a mesma estabilização. Quando o Banco Central declara que vamos derrotar a inflação manipulando a taxa chave de juros, e não trabalharemos para estabilizar a taxa de câmbio do rublo... É utopia, porque metade dos preços no nosso mercado dependem da taxa de câmbio. Se o câmbio cai, imediatamente a inflação começa a subir. Assim, o resultado é que, naquela viagem do iate, acabamos por chegar a outro porto, completamente diferente. O objetivo era reduzir a inflação entre de 4 a 8%...

POZNER: Não estou falando disso. Estou falando sobre a diferença nas avaliações sobre o Banco Central, que você faz e que o presidente faz. São opiniões muito diferentes, me parece.

GLAZIEV: A decisão de atacar a inflação já foi tomada, contra as recomendações científicas, mas está decidido. Posso garantir que, dentro dessa política, faça o Banco Central o que fizer, não importa o quanto o pessoal lá seja brilhante, nada conseguirão, até que se introduzam regulações sobre a moeda, porque 90% da especulação contra a moeda, no nosso país é feita com dinheiro de fora, nos momentos de pico. A situação quando o volume de nosso mercado financeiro é só 0,5% do mercado financeiro mundial, para manter o mercado completamente aberto, é suicídio.

POZNER: Entendo. Quero passar para as questões políticas agora, porque gostaria que você dissesse pelo menos algumas poucas palavras sobreo o assunto. Você é autor de um livro intitulado Genocide. Lembra-se? Ali você argumentava para demonstrar que os democratas estavam deliberadamente exterminando a população.

GLAZIEV: Não. Você exagera. Nada disso está escrito no livro.

POZNER: Ah, sim, está, sim.

GLAZIEV: É exatamente o contrário, Vladimir Vladimirovich. Meu argumento, em 1993, é que a democracia estava acabada no país. Depois da extinção do Soviete Supremo, não houve mais democracia no país.

POZNER: Mas e os que você chama de democratas? Democratas e democracia são coisas diferentes.

GLAZIEV: "Democratas" entre aspas, pode-se dizer. Em 1993, o Soviete Supremo foi demitido, foi golpe...

POZNER: E o genocídio, do título – que cometeu genocídio?

GLAZIEV: Os oligarcas. Associados a seus colaboradores dentro das estruturas de poder.

POZNER: É o caso de serem presos, então?

GLAZIEV: Só se forem julgados e condenados. Só o tribunal pode decidir.

POZNER: Se foi genocídio, mas... OK. Há menos de um ano, você publicou um novo livro: "Catástrofe ucraniana: da agressão norte-americana à guerra mundial?" [em russo] Cito uma frase do livro: "Seguindo a sua via padrão, os norte-americanos estão patrocinando os nazistas ucranianos, e estabelecendo na Ucrânia o seu regime terrorista anti-Rússia."

GLAZIEV: Aí nem há opinião, só fatos.

POZNER: Parece o Pravda nos piores momentos.

GLAZIEV: É fato médico, pode-se dizer.

POZNER: E como é que os norte-americanos estão formando os nazistas?

GLAZIEV: Para começar: de onde saíram os nazistas? Vivi na Ucrânia toda a minha infância e nunca tivemos por lá um único nazista.

POZNER: E quanto à Alemanha? Quem formou os nazistas lá?

GLAZIEV: Os EUA investiram 2 trilhões de dólares aos preços daquela época, na indústria alemã.

POZNER: Quer dizer que "o objetivo é usar os nazistas ucranianos como aríete contra o Estado russo, organizar várias "Revoluções Laranja" em nosso território, rachar o território e impor controles contra a Rússia e a Ásia Central. A oligarquia norte-americana está desesperadamente carente de guerra, e para preservar a dominação mundial a oligarquia está usando métodos conhecidos, típicos, para provocar uma guerra na Europa. Meu livro trata disso, precisamente. Exponho as forças, mecanismos e motivos objetivos por trás da "catástrofe ucraniana".

POZNER: Você fala realmente sério sobre tudo isso? Os EUA querem rachar a Rússia? De verdade?

GLAZIEV: E nem fazem segredo.

POZNER: Quem não faz segredo?

GLAZIEV: Converse com representantes e senadores no Congresso dos EUA.

POZNER: Converso com eles, e só sei de um que provavelmente diria "Sim, gostaríamos que acontecesse." Só um. E há mais de 400 no Congresso, até mais de 500, somadas as duas casas. O que você acaba de dizer simplesmente pinta os EUA como o inimigo. Você acaba de dizer: os norte-americanos querem isso.

GLAZIEV: Falemos sobre fatos.

POZNER: Que fatos?

GLAZIEV: Os nazistas ucranianos foram trazidos pelos norte-americanos.

POZNER: Estou falando de quererem rachar a Rússia.

GLAZIEV: Pense na guerra chechena. Quem patrocinava?

POZNER: O que os chechenos têm a ver com isso?

GLAZIEV: Pense no que estava acontecendo no Cáucaso, antes de Vladimir Vladimirovich (Putin). O que está acontecendo nas repúblicas do Volga? O que faziam os norte-americanos?

POZNER: Então você está dizendo que os eventos nessas regiões são resultado da influência dos EUA, do patrocínio dos EUA, do dinheiro dos EUA?

GLAZIEV: Na Ucrânia – 100%.

POZNER: Quero dizer na Rússia. Mas mesmo na Ucrânia, quando as pessoas encheram a praça Maidan, foram os EUA que as empurraram para lá?

GLAZIEV: Os norte-americanos provocaram, facilitaram e ajudaram, no processo de fazer acontecer tudo aquilo. Armaram e treinaram os nazistas. Antes até de as pessoas saírem às ruas, como jornalistas como você descobriram, havia câmeras por toda a praça Maidan para filmar como a Polícia dispersaria aqueles infelizes estudantes. Entre aqueles estudantes havia centenas de agentes especialmente treinados para criar uma provocação criando as condições para que a Polícia usasse força máxima, depois fugiram e deixaram só estudantes desamparados – manipulação clássica que qualquer pessoa identifica facilmente. Convide Azarov (ex-primeiro-ministro da Ucrânia, no governo do presidente Yanukovich [nota da tradutora ru.-ing.]) para vir ao seu programa, e ele falará sobre todos esses fatos.

POZNER: Quem?

GLAZIEV: Azarov, Nikolai Yanovich Azarov.

POZNER: Já o entrevistei, depois do início de Maidan, mas antes dos outros eventos. Sabe como é. Culpar os norte-americanos é fácil.

GLAZIEV: Não se trata de culpar alguém. Trata-se de conhecer os fatos reais.

POZNER: Perdoe, mas aí não são fatos. Estamos falando de sua interpretação dos fatos.

GLAZIEV: Pena que você não leu o meu livro até o fim.

POZNER: Não, não li. Só usei algumas citações.

GLAZIEV: Vou mandar um exemplar para você. Lá só há fatos.

POZNER: Muito obrigado. Sei de mais gente que adoraria também ler o seu livro. Mas como... Só quero, mesmo, é entender pela minha própria cabeça...

GLAZIEV: Vou explicar por que os norte-americanos fazem o que fazem. Não fazem o que estão fazendo porque nos odeiem muito, embora haja lá gente que, sim, odeia os russos. Fazem o que fazem porque os EUA estão perdendo, objetivamente, a corrida que disputam com a China. Meu campo de estudo são os ciclos longos de desenvolvimento econômico, do ponto de vista técnico e das instituições. Os EUA agora estão em desvantagem grande demais, que os impede já de preservar a liderança mundial. Os círculos influentes nos EUA não querem perder aquela liderança.

POZNER: Naturalmente. Nós tampouco não queremos perder a liderança, mas já perdemos. E a China quer a liderança.

GLAZIEV: A China terá a liderança.

POZNER: E quando tiver, fará o que bem entender.

GLAZIEV: Infelizmente, quando a 1ª Guerra Mundial foi começada na Europa, e a 2ª Guerra Mundial, os britânicos e os alemães não compreenderam que os EUA seriam beneficiários dessas duas guerras. Os EUA tornaram-se a superpotência como resultado da guerra.

POZNER: Os alemães tinham certeza de que venceriam.

GLAZIEV: Assim também os EUA, hoje nos atacam, ocupam a Ucrânia, organizam um golpe...

POZNER: Sim, mas não há guerra. Só essa que vocês chamam de "guerra híbrida".

GLAZIEV: Não é palavra minha, você sabe. Hoje, os EUA estão tentando mediante ações de agressão que violentam gravemente a lei internacional, porque o apoio ao regime criminoso dos nazistas na Ucrânia é atentado à lei internacional, ampliar seu controle sobre a Europa, nos enfraquecer, talvez até recompor o controle que tiveram sobre nós, como nos anos 1990s, e o controle sobre o a Ásia Central, e tudo isso com vistas a restringir o potencial chinês. Querem impedir nossa integração eurasiana, impedir que se crie o espaço econômico unificado de Lisboa a Vladivostok, do qual Putin falou.

Por que os europeus rejeitaram aquele programa? O espaço econômico unificado de Lisboa a Vladivostok, que nosso presidente promoveu em absoluta sinceridade, projeto muito consistente, e desde muito antes do início do conflito na Ucrânia. E depois daquilo, o presidente continua a dizer o quer sempre disse: o problema da Ucrânia e das relações econômicas só pode ser resolvido por negociações trilaterais entre União Eurasiana, Ucrânia e União Europeia. Essas três partes têm de chegar a um acordo. A integração eurasiana, acredite no que lhe digo, é dor de cabeça para os falcões norte-americanos.

POZNER : Há falcões norte-americanos e falcões russos, mas se você se permite dizer "os norte-americanos" em geral, e estou citando, é exatamente o mesmo antiamericanismo que infesta nossa sociedade.

GLAZIEV: Estamos falando, é claro, da elite política e do poder norte-americana.

POZNER: Seria ótimo deixar isso bem claro. Infelizmente, não temos tempo para aprofundar essa discussão, por mais que me interesse. Quero registrar um fato – que achei interessante. Dia 29/11/2013, apareceu uma notícia no seu website: "Sergey Glaziev recebeu o prêmio nacional "Homem do Ano 2013". E a notícia prosseguia: "Dia 27 de novembro, na Catedral de Cristo Salvador aconteceu a cerimônia de entrega do prêmio a Sergey Glaziev, por seu esforço para trazer a Ucrânia para a esfera econômica comum com a Rússia". Não lhe parece que o prêmio tenha sido prematuro?

GLAZIEV: Ora, mas quem adivinharia que haveria um golpe na Ucrânia, e que os europeus apoiariam o golpe? Quando os europeus passaram a apoiar os nazistas ucranianos, para mim, foi uma tragédia.

POZNER: Marcel Proust tem algumas perguntas para você. Respostas curtas, por favor.

– Que traço pessoal você menos aprecia em você?

GLAZIEV: Nem sempre decido rapidamente. Indecisão.

POZNER: Que qualidade mais o desagrada nos outros?

GLAZIEV: Agressividade.

POZNER: Que qualidade você mais aprecia num homem?

GLAZIEV: Responsabilidade.

POZNER: E numa mulher?

GLAZIEV: Fidelidade.

POZNER: Que talento você absolutamente não tem?

GLAZIEV: Subserviência.

POZNER: E isso é talento?

GLAZIEV: Ah, sim, é, sem dúvida nenhuma.

POZNER: Qual, para você, foi seu maior erro?

GLAZIEV: Talvez tenha sido – como Lvov, meu mentor na Academia, disse – ter entrado na política.

POZNER: Qual, para você sua maior realização?

GLAZIEV: A teoria dos ciclos tecnológicos na economia.

POZNER: Qual seu principal traço de caráter?

GLAZIEV: A aplicação para andar até o fundo de qualquer questão.

POZNER: Como você gostaria de morrer?

GLAZIEV : Dormindo.

POZNER: Quando estiver frente à frente com o Criador, você lhe dirá o quê?

GLAZIEV: Por favor, salve a Rússia.

POZNER: Aí está. Sergey Glaziev. Muito obrigado pela entrevista.*****





[1] Sobre "natural rent" [aprox. "renda natural"], no contexto da economia russa, ver Natural rent: The controversy continues (aqui, um excerto): "A Rússia tem 1/3 das reservas mundiais de gás e carvão e 28% de todo o minério de ferro do planeta. Tem a maior área do mundo em florestas (25%) e cerca de 13% das reservas de petróleo do mundo, metade das quais já confirmadas. Seria de esperar que o povo aí, vivesse bem. Nada disso (...). Só as empresas que exportam matérias primas e recursos naturais prosperam: oligarcas como Roman Abramovich (petróleo), Vladimir Potanin (níquel), Mikhail Fridman (petróleo) – que enriqueceram sob o governo de Ieltsin" [NTs].

Nenhum comentário: