domingo, 21 de fevereiro de 2016

Semana 19 da intervenção russa na Síria: Armas nucleares russas, para defender Khmeimim?

20/2/2016, The Saker, Unz Review e The Vineyard of the Saker

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


A semana que passou não viu qualquer alívio no tenso confronto entre Turquia e Rússia pela Síria. A posição da Rússia é simples – 'estamos prontos para a luta'; a posição turca é muito mais ambígua. Políticos turcos dizem uma coisa, depois dizem o contrário e depois vêm com mais coisas. Primeiro, disseram com todas as letras que uma invasão seria iminente; na sequência, diziam que "a Turquia não tem planos para invasão unilateral". Dado que nenhuma invasão da Síria será jamais autorizada pelo ONU, significa alguma espécie de "coalizão de vontades", todas, provavelmente, da OTAN. O problema aqui é que os europeus não têm vontade alguma de acabar metidos em guerra contra a Rússia. Ao mesmo tempo, EUA e França recusam-se a aprovar resolução da ONU que reafirmaria a soberania da Síria. É, exatamente o que acabam de ler. Parece que EUA e França acham que a Carta da ONU (que afirma a soberania de todos os países) não se aplica(ria) à Síria. Vá entender... 

Há persistentes rumores de que altos comandantes turcos opõem-se categoricamente a qualquer ataque à Síria e absolutamente não querem participar de guerra contra a Rússia. Não os culpo. Esses comandantes turcos parecem ver claramente duas coisas simples: primeira, que a Turquia não precisa de guerras; quem precisa de guerras é Erdogan. Segunda, quando a Turquia estiver derrotada, Erdogan culpará os militares. Há também sinais de desentendimento dentro dos EUA quanto às possibilidades dessa guerra; os neoconservadores apoiam Erdogan e os empurram para a guerra, precisamente como fizeram com Saakashvili; e a Casa Branca e o Departamento de Estado (orig. Foggy Bottom) aconselham Erdogan a "esfriar a cabeça". Quanto aos turcos propriamente ditos, já bombardearam posições curdas e sírias no lado sírio da fronteira e, em pelo menos duas ocasiões viu-se pequena força militar que atravessava para o lado sírio.

De um ponto de vista puramente militar, absolutamente não faz sentido que tropas turcas reúnam-se em massa na fronteira, declarem aos quatro ventos que vão invadir, depois param, bombardeiam um pouco e na sequência mandam uns poucos soldados para o outro lado da fronteira. Os turcos teriam de aumentar – em sigilo – o nível de prontidão das tropas e atacar imediatamente depois de os russos terem descoberto que havia preparativos para uma invasão, mesmo que tivessem de iniciar operações de combate antes de a mobilização e todos os preparativos estar completados. As vantagens de um ataque surpresa são tantas e tão significativas que superam praticamente qualquer outra consideração sobre 'oportunidade'. 

Mas os turcos fizeram exatamente o contrário disso: avisaram sobre suas intenções de invadir e, tão logo suas forças ficaram prontas, simplesmente pararam onde estavam, junto à fronteira, e puseram-se a fazer 'declarações' completamente contraditórias. Nada disso faz qualquer sentido.

O que complica essa situação já caótica é que Erdogan é visivelmente perfeito lunático; e parece haver em curso grave luta interna entre líderes políticos e militares turcos.

Como se não bastasse, parece haver graves diferenças e simpatia zero entre os EUA e o regime de Erdogan. As coisas ficaram tão ruins, que o principal assessor de Erdogan, Seref Malkoc, disse que Turquia pode negar aos EUA o direito de usarem a base aérea Incirlik para ataques contra o ISIL, se os EUA não incluírem os curdos do YPG como grupo terrorista. Adiante, Erdogan desmentiu essa declaração, mas permanece o fato de que os turcos, sim, já estão chantageando abertamente os EUA. Se Erdogan e seus assessores realmente acreditam que poderiam chantagear abertamente os EUA, pode-se apostar que os dias deles estão contados no governo turco. 

No mínimo, esse tipo de arroubo irresponsável mostra que os turcos estão realmente ruindo sob a pressão que eles criaram sobre eles mesmos.

Mesmo assim, o fato de a Turquia ainda não ter invadido é apenas um sinal muito pequeno de que talvez – apenas "talvez" – os turcos tenham desistido daquela ideia insana, ou de que se autolimitarão a uma 'mini-invasão', só uns poucos quilômetros adiante da linha de fronteira. Os militares provavelmente prefeririam essa via que, pelo menos, os protege de vexame gigante. Mas e quanto a Erdogan e aos doidos que o cercam?

É possível que os militares turcos deem-se conta de que o país está sendo governado por um maluco-em-chefe, e tomem alguma providência?

Seja como for, os russos não correm riscos, e já puseram todas as suas forças em alerta máximo. Muito publicamente enviaram para a Síria um Tu-214r – a mais avançada aeronave russa para ISR (Intelligence Surveillance Reconnaissance). Pode-se dizer que o Tu-214R é um "AWACS de chão", o tipo de aeronave que se usa para monitorar ampla batalha em solo (os A-50Ms russos já estão monitorando o espaço aéreo da Síria). No sul da Rússia, as forças Aeroespaciais organizaram exercícios em grande escala, envolvendo grande número das aeronaves que seriam usadas numa possível guerra contra a Turquia: os SU-34s. As Forças Aeroembarcadas estão prontas. 

As forças navais russas ao largo da costa síria estão sendo reforçadas. A entrega de armas foi acelerada. Resumo disso tudo é simples e óbvio: os russos não ameaçam; os russos preparam-se para a guerra. Na verdade, hoje já estão prontos.

É onde surge, inescapável, uma pergunta importante: o que fariam os russos se a força ainda relativamente pequena que eles mantêm na Síria for atacada e atropelada pelos turcos? Os russos usariam armas nucleares?

Um repórter pelo menos, Robert Parry, já escreveu o seguinte:

"Fonte próxima do presidente Vladimir Putin da Rússia disse-me que os russos avisaram ao presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia que Moscou está preparada para usar armas nucleares táticas, se necessário, para salvar seus soldados se estiverem sob ameaça de massacre por sauditas e turcos".
Será possível? Será que os russos realmente usariam armas nucleares se as coisas ficarem realmente feias na Síria?

Doutrina Militar da Rússia é muito clara no que tenha a ver com a Rússia usar armas nucleares. O parágrafo relevante é o seguinte:

27. A Federação Russa reserva-se o direito de usar armas nucleares em resposta a armas usadas contra ela e (ou) seus aliados se forem armas nucleares ou outro tipo de armas de destruição em massa, e também se houver agressão contra a Federação Russa no caso de uso de armas convencionais, de modo que ameace sua própria existência como Estado. Cabe ao presidente da Federação Russa tomar a decisão de usar armas nucleares.
Aí não há nenhuma ambiguidade. A menos que a Rússia seja ameaçada como Estado, não usará armas nucleares. Haverá quem diga, sem dúvida, que a doutrina militar oficial é uma coisa, mas a realidade na Síria é outra, e se os turcos atacarem Khmeimim não restará outra opção à Rússia, além de recorrer aos nukes. Há um precedente para esse tipo de lógica: quando os EUA deslocaram a 82ª Unidade Aeroembarcada para a Arábia Saudita como parte do Escudo do Deserto, o Pentágono compreendeu perfeitamente que, se o exército iraniano, muito maior, invadisse a Arábia Saudita, a 82ª seria destruída. Todos entendiam que a Força Aérea e a Marinha dos EUA conseguiriam manter número suficiente de missões aéreas para impedir o avanço do Iraque, mas absolutamente ninguém disse que seriam usadas armas nucleares táticas. A situação na Síria é diferente.

Por um lado, a força-tarefa russa que está na Síria não é unidade avançada de infantaria como a 82ª no Iraque. O terreno e as forças opostas também são muito diferentes. Segundo, o contingente russo na Síria pode contar com o poder de fogo e o apoio da Marinha Russa no Cáspio e no Mediterrâneo e com as próprias Forças Aeroespaciais da Rússia. Por fim, mas não menos importante, os russos podem contar com apoio dos militares sírios, das forças iranianas, do Hezbollah e, provavelmente também dos sírios curdos que estão abertamente se reunindo à aliança4+1 (Rússia, Irã, Iraque, Síria e Hezbollah), convertendo-a, como suponho, numa aliança 4+2.

Há um traço importante dessa aliança 4+2 que deveria inspirar os turcos a serem muito cautelosos antes de qualquer ação: cada membro dessa aliança 4+2 tem longa e densa experiência militar, muito mais que os militares turcos. Os militares turcos modernos são semelhantes ao que eram os militares israelenses em 2006: militares com muita experiência de aterrorizar populações civis, mas sem qualquer experiência em guerras "reais". Há risco muito objetivo de que os turcos, se invadirem realmente a Síria, terminarem diante do mesmo pesadelo que derrotou os israelenses quando invadiram o Líbano em 2006.


Entrementes, as forças sírias apoiadas pelas forças russas continuam a avançar. Desde o início dessa contraofensiva, os sírios já reconquistaram todos os pontos estratégicos no oeste da Síria, em passos lentos e cumulativos, e agora ameaçam Raqqa. Vejam vocês mesmos (vídeo).



O resumo disso é o seguinte: o tamanho e as capacidades da força-tarefa russa na Síria estão-se expandindo e o nível de colaborações entre os elementos da aliança 4+2 também aumentam. Some-se a isso a capacidade para alocar uma força Aeroembarcada com proporção de regimento (e plenamente mecanizada) em Latakia, se necessário, e pode-se começar a ver que os turcos expor-se-ão a um grande risco se atacarem forças russas ainda que a Rússia não ameaçasse usar seus nukes táticos. De fato, não vejo cenário algum que sequer se aproxime de ataque massivo por EUA/OTAN, caso em que a Rússia usaria suas armas nucleares táticas.

Francamente, essa situação está longe de resolvida. Não é acaso que, bem quando um cessar-fogo deveria entrar em vigência, ocorram dois ataques terroristas na Turquia os quais, como que por encomenda, logo são atribuídos aos curdos. Parece que alguém está esforçando-se muito para pôr a Turquia numa rota de colisão com a Rússia, não é mesmo?

Não faz sentido algum tentar prever o que farão turcos e seus amigos sauditas. Estamos claramente lidando com dois regimes que estão gradualmente "perdendo": já se puseram a atirar para todos os lados (inclusive contra os próprios patrões nos EUA), estão em surto de pânico antes suas próprias minorias (curdos e xiitas) e a propensão à violência e ao terror nos dois casos só é comparável à inabilidade para guerrear guerras convencionais. Alguém aí se lembra de mais alguém nas mesmas condições?

Claro! Os ucronazistas encaixam-se perfeitamente nesse mesmo quadro. Ora... Pois eles, precisamente, estão sonhando agora com constituir uma aliança anti-Rússia com os turcos. Interessante, não? Imaginem só a cara que teria uma aliança ucrânio-turco-saudita: uma gangue de bandidos "islamo-fascistas" de carne e osso, na qual se somam ódio fanático, corrupção, violência, nacionalismo estridente e incompetência militar. É mistura tóxica, sim, mas não é mistura viável.*****