sábado, 26 de março de 2016

"Guerras Híbridas" - Abordagem adaptativa pós-tudo da 'mudança de regime'


Entreouvido na Vila Vudu:
Em 1964, tudo que aí se lê era arroz com feijão, e as famílias discutiam essas questões à mesa, em casa, no trabalho, na universidade, na feira (pelo menos, com certeza, em Porto Alegre/RS), e todo mundo sabia que a razão pela qual não há golpes nos EUA, é que nos EUA não há embaixada dos EUA. .
Mas, hoje, analfabetizadas na/pela universidade da ditadura dos anos 70-80 e na/pela universidade da tucanaria da privataria nos anos 80-90, 2000, as pessoas já não conhecem, sequer, o Manual de Golpes da CIA, que se atualiza, mas, melhorar, não melhora.

Então aí vai: ABC de golpe, hoje chamado "Guerra Híbrida".
E o Brasil estamos no olho do furacão, mais uma vez.
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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


1. A lei da Guerra Híbrida

Guerra Híbrida é um dos mais significativos desenvolvimentos estratégicos que os EUA jamais promoveram ou encabeçaram, e a transição das Revoluções Coloridas para Guerras Não Convencionais certamente dominará as tendências a serem empregadas para desestabilizar países, nas próximas décadas.

Os não habituados a abordar a geopolítica a partir da perspectiva da Guerra Híbrida podem ter alguma dificuldade para compreender onde devem ocorrer as próximas, mas na verdade é fácil identificar as regiões e os países mais expostos ao risco dessa nova modalidade de agressão pelos EUA. 

A chave para acertar nessa previsão é aceitar que Guerras Híbridas são conflitos assimétricos, cuja meta é sabotar interesses geoeconômicos concretos. A partir desse ponto, torna-se relativamente fácil apontar onde os EUA atacarão a seguir.

Essa série de artigos começa por expor os padrões que há por trás da Guerra Híbrida, conduzindo o leitor na direção de compreender melhor seus contornos estratégicos. Depois, demonstrarei que o quadro previamente elaborado já foi posto em ação durante as guerras dos EUA contra a Síria e a Ucrânia – os dois primeiros estados vítimas da Guerra Híbrida dos norte-americanos. Na parte seguinte, revisarei todas as lições que já devemos ter aprendido até aqui, e as aplicarei para prever os próximos teatros de Guerra Híbrida movida pelos EUA e, neles, os gatilhos geopolíticos mais vulneráveis e expostos. Artigos futuros portanto serão dedicados àquelas regiões, para mostrar por que são estrategicamente e sociopoliticamente tão vulneráveis a se tornarem as próximas vítimas da guerra pós-moderna que os EUA já fazem contra o mundo.

O padrão geral da Guerra Híbrida

Primeira coisa que se tem de saber sobre Guerras Híbridas é que nunca, em tempo algum, haverá Guerra Híbrida contra aliado dos EUA ou em lugar onde os EUA já tenham implantado interesses infraestruturais. Os processos caóticos disparados durante o golpe pós-moderno para mudança de regime não podem ser plenamente controlados e, potencialmente, poderiam gerar o mesmo tipo de revide geopolítico contra os EUA que Washington tenta direta ou indiretamente canalizar na direção de seus rivais multipolares. 

Correspondentemente, aí está a razão pela qual os EUA jamais tentarão Guerra Híbrida onde haja interesses seus definidos como "grandes demais para falir", embora essa avaliação seja sempre contemporaneamente relativa e possa mudar rapidamente, conforme as circunstâncias geopolíticas. Ainda assim, a regra geral a não esquecer é que os EUA jamais sabotarão intencionalmente seus próprios interesses, a menos que haja algum benefício de terra arrasada numa retirada; nesse contexto, pode-se pensar numa destruição da Arábia Saudita, se algum dia os EUA forem expulsos do Oriente Médio.

Determinantes geoestratégico-econômicos:

Antes de tratar dos fundamentos geoeconômicos da Guerra Híbrida, é importante registrar que os EUA também têm objetivos geoestratégicos (por exemplo, prender a Rússia num atoleiro predeterminado). O "Brzezinski Reverso", como o autor o tem chamado, é aplicável simultaneamente à Europa Oriental, através do Donbass; ao Cáucaso, através de Nagorno-Karabakh; e à Ásia Central, através do Fergana Valley, e se for sincronizado mediante provocações cronometricamente coordenadas, nesse caso essa tríade de armadilhas podem-se comprovar letalmente eficientes para manter permanentemente enredado o urso russo. 

Esse esquema maquiavélico sempre permanecerá como um risco, porque se baseia numa realidade geopolítica irrefutável, e o melhor que Moscou pode fazer é tentar impedir a conflagração concomitante de sua periferia pós-soviética, ou rapidamente e adequadamente responder, no momento em que elas emergem, às crises que os EUA provocam. 

Os elementos geoestratégicos da Guerra Híbrida são portanto de algum modo não explicáveis a partir dos elementos geoeconômicos, especialmente no caso da Rússia. De fato, para tornar o padrão examinado mais amplamente pertinente a outros alvos, como China e Irã, é preciso omitir o estratagema "Brzezinski Reverso" como pré-requisito e, em vez de focar nele, dar mais atenção às motivações econômicas que os EUA têm em cada caso.

O grande objetivo por trás de toda e qualquer Guerra Híbrida é esfacelar projetos multipolares transnacionais conectivos, mediante conflitos de identidade provocados de fora para dentro (étnicos, religiosos, regionais, políticos, etc.), dentro de um estado de trânsito tomado como alvo. 

Esse padrão pode ser claramente visto na Síria e na Ucrânia, e é a Lei da Guerra Híbrida. As específicas táticas e tecnologias sociais utilizadas em cada desestabilização podem variar, mas o conceito estratégico permanece fiel a essa concepção básica. 

Tomando em conta esse objetivo final, é agora possível andar do teórico ao prático, e começar a traçar as rotas geográficas de vários projetos sobre os quais os EUA querem fazer mira. 

Para qualificar, os projetos multipolares transnacionais conectivos a serem tomados por alvo podem ser (a) de base na energia, ou (b) projetos institucionais ou (c) econômicos, e quanto mais essas três categorias se superpuserem, mais provável que um cenário de Guerra Híbrida esteja sendo planejado para aquele determinado país.

Vulnerabilidades sociopolíticas estruturais:

Uma vez que os EUA tenham identificado seu alvo, começam a procurar por vulnerabilidades estruturais que explorarão na Guerra Híbrida vindoura. Contextualmente, essas vulnerabilidades não são objetos físicos a serem sabotados, como usinas de energia e estradas (embora essas também sejam listadas, mas por diferentes equipes de desestabilização), mas características sociopolíticas a serem manipuladas para enfatizar 'sedutoramente' uma dada 'fissura' de demografia no tecido nacional existente e, assim, 'legitimar' a revolta dos envolvidos, provocada de fora do país, contra as autoridades locais. 

As vulnerabilidades estruturais abaixo listadas são as que mais se veem relacionadas à preparação para uma Guerra Híbrida; e se cada uma dessas puder ser associada a uma específica área geográfica, cresce a probabilidade de que seja usada para galvanizar os polos opostos na construção de uma Revolução Colorida e para demarcações territoriais preliminares para a Guerra Não Convencional:

* etnicidade;
* religião;
* história;
* regiões administrativas;
* desigualdades socioeconômicas;
* geografia física.

Quanto maior a sobreposição que se possa obter entre esses diferentes fatores, mais potente a energia potencial da Guerra Híbrida; e cada variável que se sobrepõe multiplica exponencialmente a viabilidade geral de toda a campanha e sua chance de 'permanecer no poder'.

Precondicionamento:

As Guerras Híbridas são sempre precedidas por um período de precondicionamento societal e estrutural. O precondicionamento societal tem a ver com aspectos informacionais e de soft power que maximizam a aceitação, por grupos demográficos chaves, da desestabilização que logo terá início, e os levam a crer que algum tipo de ação (ou aceitação passiva de ação empreendida por outros) é indispensável para alterar o presente estado de coisas

[A frase já viralizada, que Aécio Neves/seus marketeiros distribuíram ontem pelo Twitter: "Isso é inadmissível" – tão perfeitamente oca de significação relevante quanto o "Eu amo muito isso", da propaganda das lojas McDonald –, é exemplo de ação que aspira a precondicionar a sociedade para uma 'mudança' suposta necessária e inadiável (NTs)].


O segundo tipo de precondicionamento, aqui dito "estrutural" tem a ver com os variados truques aos quais os EUA recorrem, para empurrar o governo alvo a agravar, sem que essa seja sua intenção, as várias diferenças políticas que já tenham sido identificadas, com o objetivo de criar clivagens de ressentimento identitário que, então, tornam todo o grupo mais suscetível ao precondicionamento societal e à ação subsequente de ONGs que coordenarão a organização política (a grande maioria das ONGs encarregadas dessa parte do 'projeto' são ligadas à Soros Foundation e/ou ao National Endowment for Democracy, do Congresso dos EUA).


[Aqui, bom exemplo é a 'discussão' que a mídia comercial dominante está promovendo no Brasil nesse momento, em torno de "Impeachment é golpe"/"Impeachment é legal". Evidentemente, impeachmentsem causa criminosa comprovada é golpe; e impeachment como definido na Constituição Federal, que exige causa criminosa comprovada, também evidentemente é legal e não é golpe. Sem explicar nenhuma dessas realidades, a mídia comercial põe-se a recolher opiniões de magistrados, o mais recente o ex-ministro do STF Eros Grau, que 'declaram' que "impeachment não é golpe", sem nada acrescentar. – Assim, precisamente, é o golpe que se 'ensina' que não haveria. A confusão é total e, como se explica nesse artigo, é buscada. É golpe (NTs).]



Para expandir as táticas de precondicionamento estrutural, um dos meios mais frequentemente empregados e globalmente reconhecidos são as sanções. O objetivo implícito das sanções (embora nem sempre alcançado) sempre foi "tornar a vida mais difícil" para o cidadão médio, de tal modo que ele/ela torne-se mais permeável à ideia da mudança de regime e, assim, possa ser mais facilmente induzido/a a agir movido/a por impulsos que lhe foram instilados de fora. 

Menos conhecidos, contudo, são os métodos mais oblíquos para alcançar esse objetivo, mas hoje implementados praticamente em todo o planeta, que envolvem o poder que os EUA têm para afetar algumas das funções orçamentárias dos estados-alvos de golpe, a saber, a renda com que podem contar e em que, precisamente, essa renda é gasta.

A queda global nos preços da energia e das commodities atingiu com extraordinária dureza os estados exportadores, muitos dos quais são desproporcionalmente dependentes da venda daqueles recursos para cumprir suas metas fiscais; e a queda na renda, em quase todos os casos, leva a cortes em gastos sociais.

Paralelamente, alguns estados enfrentam ameaças à sua segurança fabricadas nos EUA às quais são obrigadas a responder com urgência, o que exige deles ainda maios gastos não previstos, dessa vez para seus programas de defesa, dinheiro que, sem as 'ameaças à segurança' seria gasto e programas sociais. 

Individualmente tomadas, cada uma dessas 'trilhas' visa a forçar o estado-alvo de golpe a ter de cortar gastos, o que cria dificuldades novas e serve como incubadora para as condições de médio prazo necessárias para o sucesso de uma Revolução Colorida – primeiro estágio de uma Guerra Híbrida. 

No caso de um estado entrar em situação de, ao mesmo tempo, redução na arrecadação e aumento não planejado de gastos para defesa, que force cortes de gastos sociais, pode acontecer de a Revolução Colorida converter-se em projeto não mais de médio, mas de curto prazo, dependendo da severidade da crise doméstica resultante e do sucesso que as ONGs inspiradas e mantidas pelos EUA alcancem na organização política de blocos de oposição ao governo.******

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