sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Eleição de Trump : culpa dos "algoritmos Poltergeist"*

18/11/2016, Aristide Leucate, Boulevard Voltaire, Paris










Entreouvido na Vila Vudu:

Artigo enroladíssimo, à francesa, mas oferece uma novidade importantíssima, que se deve recolher e anotar: a expressão-conceito "artesãos da reinformação".

É a melhor e mais clara ideia que encontramos até agora, para começarmos a definir o trabalho que nós fazemos.

Até aqui sempre falamos de "propaganda política de redemocratização". É bom, mas obriga a reconceituar antes o termo "propaganda", para salvar a parte aproveitável do conceito – que confronta diretamente o viés de classe e a falsa 'isenção' da mídia-empresa comercial.

"Artesãos da reinformação" é expressão muito melhor, mais clara, mais direta, como conceito que define o trabalho da blogosfera progressista não jornalística.

O dicionário 
Oxford escolheu como palavra do ano a salafrarice da tal "pós-verdade".

"Pós-verdade" carrega o vício mortal de afirmar que, antes, teria algum dia havido alguma tal "verdade" no jornalismo comercial, o que jamais houve; tem também o vício mortal de fazer-crer que algum dicionário Oxford teria feito a crítica radical do jornalismo 'velho' e estaria indicando o caminho para algum jornalismo 'novo'.

A prova de que essa salafrarice linguística tem 1001 utilidades para todos os lados, e salva todos, é que já foi convertida em 'achado inteligentíssimo' no Brasil do Golpe e, de fato, em todo o mundo dito 'ocidental' – o mundo no qual a Killary foi derrotada.

A salafrarice já ilustra (i) as páginas 
mais atrasistas do 'jornalismo' brasileiro (FSP e Globo Veja), mas também foi pautada por jornalista muitíssimo mais respeitável, Bob Fernandes; e por um dos melhores blogs progressistas com que contamos, Tijolaço (repercutindo Bob Fernandes).

Como se não bastasse, a salafrarice já está repercutida em todo o planeta, verdade seja dita, desde 
1992. Mas chegou agora para o grande público periférico pelas asas da mídia-empresa, claramente para salvar o velho 'jornalismo' pré-desglobalização (o velho jornalismo do velho  mundo unipolar, do império anglossionista, de Killary, vale dizer, o velho jornalismo-empresa comercial fracassado).

Nenhuma 'pós-verdade' nos interessa aos progressistas, porque entre "pós-Killary" e "pós-verdade" nada se critica, tudo se simplifica e salvam-se todos.

Nesse quadro, a Vila Vudu oferece também a sua palavra/sintagma do ano. A expressão, que foi recolhida do artigo abaixo traduzido, do Blog Boulevard Voltaire contra o jornalão Libération, diz MUITO BEM o que é o trabalho da blogosfera progressista.

O que a blogosfera progressista faz é "artesanato da reinformação".
Nada tem de 'pós-verdade' 
("A verdade não veio nem ficou. O erro mudou. E era sempre melhor o que passou").

Mas, sim, é "artesanato" (contra a manufatura e a mais-valia da indústria-comércio da informação); e é "reinformação" (onde havia informação jornalística, criticamos a informação que nos chega pronta, jogamos fora no lixo e, em lugar dela, pomos a informação que nós mesmos construímos, valha o que valer.

Se cada um construir e publicar a sua reinformação, e se forem muitas, se construirá uma espécie de informação construída na/pela multidão, informação de todos.

Os partidos socialistas e comunistas terão a tarefa de criticar essa 'diversidade' no que tenha só de dispersão e diluição; e de resgatar o que essa diversidade tenha de legitimamente e densamente democrática. Contruída na blogosfera  progressista, contra a midiasfera oligárquica, a reinformação sempre terá milhões de lados.

Se não prestar, sempre prestará mais que o velho jornalismo-empresa do momento rampante do capital, que diz-que apresentaria "os dois lados", que não apresentou jamais os zilhões de lados da sociedade realmente democrática; e sempre, sempre, apresentou só o lado do dono da empresa.

"Artesanato da reinformação" é "pós mídia-empresa capitalista em mundo que já se desglobaliza".
(Só pensamos até aqui. Correções e comentários são bem-vindos. Aguardem os próximos capítulos) 





A midiaesfera oligárquica não consegue, definitivamente, recuperar-se do choque que foi para ela a eleição Donald Trump, ou, melhor dizendo, – exceto casos raros como o do New York Times – obstina-se em não admitir que errou completa e absolutamente, porque acreditou nas mentiras abundantes e anestesiantes de 'pesquisas de opinião' que punham à frente e sem contestação, a candidata que encarnava interesses e esperanças das próprias empresas jornalísticas e jornalistas.

Em pequeno artigo publicado em Libération (16/11), Guillaume Chevillon, professor de econometria e estatística (ESSEC Business School), ilustre desconhecido – exceto por uns poucos subchefetes de redação daquela publicação mantida viva por aparelhos e com soro capitalista na veia –, mas "especialista" autoproclamado em midiologia (campo de saberes do qual o autor manifestamente nada sabe, como adiante se demonstra), debruça-se, dessa vez, sobre "algoritmos de recomendação das mídias sociais". Tradução: "Quem prognostica e erra todos os prognósticos, tudo bem, foi sem querer, a culpa não é sua: a culpa é dos computadores..."

E nosso pesquisador-achador começa por afirmar – coisa que, além do mais, ninguém jamais contestará – que, resultado da insistência da empresa Amazon, "que nos sugere produtos em função de nosso histórico de pesquisa e de compra ("quem comprou esse artigo comprou também..."), os algoritmos das mídias sociais procuram nos classificar em grupos de indivíduos que tenham gostos semelhantes". Daí, conclui que "é o fenômeno da polarização que nos leva a só receber produtos/postados que reafirmam nossas opiniões e gostos".

OK. Anotado. Reinventar a água fervente pode vez ou outra ter virtudes pedagógicas. 

E nosso Chevillon prossegue, dizendo que "artigos escritos pelos jornalistas mais bem informados não raro têm o mesmo viés que contamina artigos dos blogueiros mais enviesados e menos confiáveis". Em outras palavras, os cronistas que escrevem aqui no Boulevard Voltaire, além de todos os demais artesãos da reinformação, são perfeitas cavalgaduras, além de complotistas e paranoicos, dedicados a fazer o mesmo que fazem os cães de guarda midiáticos da oligarquia globalizada, às vezes enganando até melhor que eles!

Empoleirado no poleiro mais pretensioso de uma segurança ingênua e peremptória, característica desse mundinho endogâmico que é o parisianismo editorial e intelectual da margem esquerda do Sena, nosso amanuense sugere que se "proceda ao nivelamento da informação, reintroduzindo-se nos algoritmos a qualidade das fontes". 

No mesmo fôlego, como que para confirmar a ingenuidade mais estreita e – se se considera o estatuto reivindicado de professor –, cometendo erro conceitual grave, se não mais uma imbecilidade crassa, o autor preconiza que "os despachos da Associated French Press, AFP podem ser definidos como de alta qualidade, posto que são reproduzidos por incontáveis veículos. Veículo que não seja citado por nenhum outro pode ser definido, com certeza, como menos bem informado."

A AFP, apresentada como padrão de honestidade e imparcialidade jornalística?! Fica-se sem saber se se ri ou se chora, segundo o humor do dia, se se sabe – e todos sabem! – que essa agência de notícias é quase monopolista (em 2011, faixa do mercado que lhe correspondia ainda era de 40 %) e conhecida como mestra na arte da manipulação e do embuste.

Em resumo, o que se vê é que gente como o professor acima é chamada, principalmente, para servir como idiotas úteis para uma mídia-empresa que procura todo e qualquer meio, legal ou não, para escapar de um surto que já se ouve por vários cantos, de crise e choradeira de arrependimento. Numa carta aberta a Patrick Cohen, o intragável sequestrador ideológico do jornal matinal de France Inter Henri Charpentier, ex-redator-chefe da rede, criticava o "jornalismo de salão", "faltas e erros profissionais repetidos", ignorância involuntária de fatos a favor da contrafação voluntária, como reza o catecismo dos [blogs] "intocáveis formatados".*****




* Orig. algorithmes frappeurs, lit "algoritmos batedores" [que fazem barulho]. De "esprits frappeurs", expressão é usada para designar 'fantasmas' ou 'espíritos' que se manifestam por ruídos como pancadas nas paredes [al. poltergeist] (NTs).


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