18/5/2018, Daniel Larison,* The American Conservative
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Os iraquianos elegeram nas urnas um antigo inimigo dos EUA. Washington não gostará desse resultado.
As eleições parlamentares do Iraque, no início da semana passada, causaram inesperado choque aos observadores internacionais, quando a coalizãoSairoon (Avançar) liderada pelo clérigo xiita Muqtada al-Sadr obteve maioria dos assentos com voto do Parlamento iraquiano. O sucesso de Sadr e de seus aliados comunistas são duro revide contra o atual governo e refletiu a insatisfação generalizada dos iraquianos contra seus políticos atuais. Loulouwa al-Rachid, do Centro Carnegie para o Oriente Médio, chamou o evento de "triunfo dos marginalizados". A Aliança Fatah, de Hadi al-Amiri, ligada às Forças de Mobilização Popular e alinhada com o Irã, ficou com o segundo lugar. A coalizão Nasr (Vitória), liderada pelo atual primeiro-ministro Haider al-Abadi, ficou em terceiro.
A eleição foi marcada por abstenção recorde, com comparecimento às urnas de menos de 45% dos habilitados a votar, mais um claro indício da extensão do desagrado da população em relação à atual liderança política. A surpreendente vitória de Sadr foi oportuno 'aviso' de que os norte-americanos continuam pouco compreendendo da política iraquiana, mesmo depois de se intrometerem nela, todos os dias, durante 15 anos, e denuncia a propaganda mentirosa de que o Iraque estaria sob "controle" do Irã.
Sadr é conhecido dos norte-americanos sobretudo como adversário durante toda a ocupação do Iraque. O exército Mahdi de Sadr combateu contra EUA e aliados durante vários anos, e sua oposição à ocupação sempre teve raízes no seu tipo específico de nacionalismo. Esse mesmo nacionalismo permitiu que Sadr e sua coalizão navegassem no ressentimento contra o Irã. Resultado disso tudo, o Iraque pode agora formar um governo que já não se define tão absolutamente pelo sectarismo, como aconteceu no passado.
Sadr também cultivou laços próximos com Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos em anos recentes, de modo que qualquer governo que inclua sua coalizão continuará a melhorar as relações com esses governos.
A mensagem de Sadr foi direta e claramente populista e nacionalista. Frida Ghitis comenta:
Sadr construiu sua coalizão Sairoon – "Avante" em árabe – com o Partido Comunista Iraquiano e ativistas seculares. Denunciou as práticas corruptas dos membros do Gabinete, que distribuíam empregos e contratos conforme a religião ou seita de cada um e jurou promover um governo de tecnocratas que trabalhará com vistas exclusivamente aos interesses do Irã, não a favor exclusivamente dos patrocinadores estrangeiros dos demais candidatos. Demarcando o quanto se separa claramente de outros xiitas – e sinal que muito deve preocupar o Irã – Sadr criticou o papel de Teerã na guerra civil síria e os continuados esforços dos iranianos para exercer influência também no Iraque.
Considerando o quanto foi extensa, nas duas últimas décadas, a influência estrangeira no Iraque, é natural que haja eleitores dispostos a promover quem se posicione contra essa interferência.
Dado que a coalizão Sairoon obteve a maioria dos assentos, Sadr está em posição de potencial fazedor de reis. Embora sem concorrer a qualquer cargo e de não ter posto no próximo governo, ele provavelmente influenciará fortemente na sua formação. Krishnadev Calamur explica por que aumenta, por isso, a dificuldade para formar um governo:
Mas o grupo que Sadr excluiu dos respectivos postos e cargos pode ser até mais significativo, como a aliança xiita pró-Irã que ficou em segundo lugar na eleição, e também um grande partido curdo. "Não se pode realmente contar com ele no processo de formação do governo" – disse Knights falando de Sadr. "Ele está tentando ditar a geometria desse governo. Não quer ver determinadas pessoas no poder, o que dificultará chegar aos 165 votos". Esse é o número necessário para ter a maioria dos 329 votos parlamentares.
Resta saber que forma terá o novo governo iraquiano, mas será, provavelmente, a forma que Irã e EUA consideram a menos manobrável a favor da interferência desses países nos assuntos iraquianos. Podem não ser boas notícias em Washington ou Teerã, mas parecem indicar melhoria saudável e há muito necessária na política iraquiana.*******
Dos Comentários:
Kurt Gayle escreveu:May 18, 2018 at 4:32 pm
Uma de suas melhores colunas, Daniel – especialmente porque praticamente toda a mídia empresarial esqueceu o assunto (assim como esqueceu também a bela eleição no Líbano)! Obrigado.
Em minha modesta opinião, Muqtada al-Sadr (que tem apenas 44 anos) é o mais impressionante e capacitado líder no mundo muçulmano, do Marrocos até o Afeganistão. Tem tantos eleitores e tanta credibilidade entre os muçulmanos xiitas pobres no Iraque – especialmente entre os pobres de Sadr City!
Desde o início da Guerra do Iraque, Sadr posicionou-se à parte, quando disse que Saddam Hussein (que assassinou o pai de al-Sadr) era "a pequena serpente", mas a "grande serpente" eram os EUA. Durante todo o período da ocupação norte-americana no Iraque, as batalhas mais duras que as forças dos EUA enfrentaram envolveram elementos do Exército Mahdi de Muqtada al-Sadr. Os soldados do Exército Mahdi estavam sempre em muito menor número e tinham muito menor poder de fogo que os norte-americanos, mas superaram amplamente os ocidentais em termos de capacidade para inovar, disciplina e inabalável confiança em al-Sadr. Há muito o que dizer de interessante sobre Muqtada al-Sadr.
Um dos movimentos de al-Sadr que sempre me pareceu muito brilhante aconteceu quando ele percebeu até que ponto trágico os pobres de Sadr City haviam sido arrastados pelo desespero a algumas formas de saque e roubo, e Muqtada al-Sadr aceitou que, dadas as circunstâncias, aquelas práticas fossem temporariamente admitidas, se parte dos roubos e dos saques fosse usada para colaborar com a resistência. Foi movimento tão inesperado – de início pareceu-me completamente errado. – Mas depois afinal compreendi o quanto, naquelas condições de absoluto desespero, o movimento de Muqtada al-Sadr foi brilhante. Afinal, talvez nunca seja errado.
Ri com meus botões ao ver o resultado dessa eleição. Agora, EUA e Irã terão de pensar melhor, antes de decidir o que fazer. Se qualquer desses países optar por medir forças com Muqtada al-Sadr, estou apostando em Muqtada al-Sadr. Muqtada al-Sadr é nacionalista iraquiano xiita, que só se interessa por soluções que sejam boas para o Iraque. Não tenho dúvidas de que EUA e Irã sentirão saudades das linhagens de vassalos seus que sempre governaram o Iraque.*******
* Daniel Larison é editor-chefe de The American Conservative, onde também mantém seu blog individual. É autor publicado em New York Times Book Review, Dallas Morning News, Orthodox Life, Front Porch Republic, The American Scene e Culture11, e colunista de The Week. É formado em História, com Ph.D. da Universidade de Chicago. Vive em Dallas. Pode ser encontrado no Twitter.
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