28/4/2018, John Helmer, Dances with Bears, Moscou
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
No início de abril, o presidente Vladimir Putin acreditava que poderia adiar as respostas estratégicas e de combate da Rússia, ao estado de guerra que os EUA estão escalando. Logo se desapontaria.
Dia 6 de abril, o Tesouro dos EUA anunciou que está excluindo do mundo dos negócios a estatal russa Rusal, monopolista de alumínio, e impedindo a empresa de fazer qualquer negócio não só nos EUA, mas em todo o mundo.
Nunca, desde 26/7/1941, quando o presidente Franklin Roosevelt congelou patrimônio japonês nos EUA e proibiu todo e qualquer comércio com o Japão, especialmente metais e petróleo, e todas as transações em EUA-dólares, o estado norte-americano tentou tal medida contra Grande Potência rival. Roosevelt calculou que seria um último passo, tentando a contenção, antes do início da guerra EUA-Japão. Todos compreendem hoje que esse erro de cálculo determinou a decisão do Japão de atacar preventivamente a Marinha dos EUA em Pearl Harbor, cinco meses depois.
Há mais um precedente, do recente ato de guerra do Tesouro dos EUA contra a Rússia. Aconteceu dia 21/11/1806, quando Napoleão emitiu seu Decreto de Berlin. Ficava proibida a exportação de produtos britânicos para a Europa ou outros estados controlados pelos militares franceses, ou a importação de bens dos quais a Grã-Bretanha dependia.
Fraco demais para derrotar a Marinha Britânica ou invadir as Ilhas Britânicas, Napoleão optou por sanções econômicas, retaliando contra o bloqueio comercial que a Marinha Britânica impusera em todo o litoral da Franca, iniciado em maio daquele ano. "Por ser correto" – Napoleão escreveu nas justificativas para seu bloqueio –, "impor a um inimigo as mesmas armas das quais faça uso para combater como faz, quando já se descartaram todas as ideias de justiça e todo sentimento liberal (resultado da civilização entre os homens)." Os britânicos haviam levado a guerra além das operações militares, acrescentou Napoleão em seu decreto: "[estenderam] a toda a propriedade privada, não só às pessoas que não sejam militares, e até o direito de bloqueio que é limitado a locais fortificados, é atualmente investido por forças competentes." O Bloqueio Continental, então implantado, duraria até a primeira abdicação de Napoleão, em abril 1814.
Dia 14 de abril em curso, os EUA atacaram a Síria, tendo antes acertado com o Estado-maior russo que evitaria as forças russas e alvos protegidos pelos russos. O ataque dos EUA foi fracasso militar. Mas, ante o ataque continuado de operações aéreas de Israel contra alvos sírios, iranianos e russos, Putin recebeu pedido, encaminhado pelo Estado-maior e pelo ministro da Defesa Sergei Shoigu, de que autorizasse a instalação de mísseis S-300 russos de defesa para conter e destruir novos ataques. Putin continua adiando sua decisão.
Então, dia 25 de abril, forças dos EUA invadiram o consulado russo em Seattle. Foi o segundo ataque desse tipo dos EUA contra território diplomático russo nos EUA. O primeiro aconteceu dia 2/9/2017, quando foram atacados simultaneamente o consulado russo em San Francisco e escritórios das missões comerciais russas em Washington e New York.
O Ministério de Relações Exteriores da Rússia classificou como "invasão ilegal" as ações dos EUA, e como violações da Convenção de Viena, mas não falou de atos de guerra.
Nas últimas quatro semanas, Putin só convocou seu Conselho de Segurança duas vezes. A primeira, dia 6/4, para discutir, segundo o comunicado do Kremlin, planos para controle de fronteiras. A segunda reunião do Conselho de Segurança aconteceu dia 19/4, na qual, segundo o relatório, discutiram-se "os recentes ataques aéreos ocidentais ... [e] medidas para evitar inundações e incêndios florestais."
Putin tomou várias importantes decisões, mas o fez fora de vista, na dacha Novo-Ogaryovo, e por razões que não explicou a ninguém as manteve em segredo.
Quanto à empresa Rusal, é hoje bem claro que o presidente instruiu o atual porta-voz Dmitry Peskov a chamar o ataque à empresa de "ilegal", não de "ato de guerra". Putin recusou-se a aceitar a estatização da Rusal quando se reuniu com um dos defensores dessa opção, presidente da Federação de Sindicatos russos, Mikhail Shmakov.
Imagem: Em Novo-Ogaryovo dia 13/4, o presidente Putin recebe Mikhail Shmakov, Presidente da Federação Russa dos Sindicatos Independentes |
Em vez disso, e sem revelar seus contatos com Oleg Deripaska, Putin decidiu delegar a ele a iniciativa de responder às sanções de 6/4. A informação foi também confirmada o ministro das Finanças Anton Siluanov, que Putin convocou à dacha dia 17/4, com o conselheiro do Kremlin para assuntos econômicos, o ministro para o desenvolvimento econômico e a presidenta do Banco Central.
Siluanov recebeu instruções para reunir-se com o secretário do Tesouro dos EUA Stephen Mnuchin em Washington e ver que tipo de divisão das ações os EUA aceitarão para que Deripaska e seus associados na família Ieltsin mantenham o controle da Rusal; e ao mesmo tempo tirar a própria Rusal do embargo comercial global. (Para detalhes da negociação do dia 20/4, leia aqui. Sobre ações da família Ieltsin no portfólio de Deripaska, aqui. O que não foi revelado nos rearranjos de ações e beneficiários da Rusal pode ser acompanhado nessa seleção de artigos.
Siluanov voltou de Washington e reportou-se a Deripaska. Dia 26/4 Deripaska protocolou um pedido no Gabinete de Controle de Patrimônio Estrangeiro [ing. Office of Foreign Assets Control (OFAC)] no Tesouro, de prorrogação do tempo para se reorganizar; Mnuchin já havia anunciado dia 23/4, há três dias. Mnuchin disse a Siluanov que o alvo da sansão não era a empresa Rusal, mas seu "envolvimento com Oleg Deripaska", como dizia opress release do Tesouro. Ainda falta acertarem o que Mnuchin aceitará como separação entre as partes acima referidas.
Deripaska então anunciou por EN+ que "em princípio [sic] concordara (...) com reduzir sua participação acionária na empresa para menos de 50%. Além disso, em conjunção com esforços para trabalhar com o OFAC nos termos apresentados acima, Mr. Deripaska acordou (...) que não renunciará à presidência e aceitará a indicação de alguns novos diretores, de modo que a diretoria venha a ser constituída de uma maioria de novos diretores independentes [sic]."
Deripaska convenceu o Financial Times a dar manchete ao movimento: "Deripaska aceita abrir mão do controle da Rusal, alvo de sanções". Ninguém em Moscou, incluído o presidente, acredita nisso.
Em silêncio, Putin decidiu proteger Deripaska; não declarar ato de guerra o ataque dos EUA à Rusal; e testar os norte-americanos com uma oferta de armistício limitado. Banqueiros internacionais próximos de empresários russos creem que os russos erram, se esperam que algum armistício com os EUA possa valer mais do que apenas temporariamente; insistir nisso é calcular mal as intenções dos EUA, acrescentam as fontes. Avisam que novos ataques virão. "Os oligarcas" – dizem as fontes – "serão expulsos dos negócios pelos norte-americanos. Agora, têm de escolher – ou voltam para a Rússia e enfrentam futuro bem diferente do presente que conhecem até aqui; ou deixam a Rússia e unem-se ao lado norte-americano e perdem para o Estado as propriedades que conservam na Rússia. Sem meio termo. Esse é o significado do estratagema econômico dos EUA. Não há precedente moderno para ataque desse tipo. Putin não está preparado."
Ao decidir contra a estatização da Rusal, diz uma das fontes internacionais, Putin retrocedeu em relação ao precedente de Napoleão no front econômico. Na Síria, creem fontes militares em Moscou, Putin optou por se deter um passo antes de estender a defesa de mísseis russos além das bases aéreas e navais russas, para cobrir território agora controlado pelo governo de Bashar al-Assad.
Putin discutiu a questão com o comandante do Estado-maior general Valery Gerasimov e com o ministro da Defesa general Sergei Shoigu, dia 20/4. Os militares russos, disseram eles ao presidente, querem sinal verde para instalar as baterias S-300 de mísseis que darão cobertura a forças sírias e iranianas contra ataque aéreo de EUA e Israel.
Acreditam que as ameaças israelenses de atacar as baterias S-300 no instante em que estiverem operacionais não passam de blefe, que a Rússia deve 'pagar para ver', se as posições russas na Síria e o próprio Irã não querem ver-se atacados, na sequência, por combinação EUA-Israel. Testar a ameaça na Síria, dizem eles, é opção menos arriscada e menos custosa que encorajar EUA-Israel a preparar sua ofensiva contra o Irã. Putin não concorda.
Imagem: Em Novo-Ogaryovo dia 20/4, Putin cumprimenta o general Valery Gerasimov. |
Em resposta à relutância de Putin, o Estado-maior e o Ministério da Defesa conceberam uma etapa que não vai até os S-300, mas tem, potencialmente, suficiente poder defensivo para interceptar ou deter ataques aéreos de EUA e Israel. Consiste em instalar mais sistemas russos de guerra eletrônica com capacidade para misturar e desencaminhar os sinais eletrônicos de vigilância, definição e engajamento de alvos, controle de tiro e sinais de comando dos quais dependem os sistemas de ataque adversários. É a opção Cortar o cabelo de Sansão [ing. Samson Haircut] – privar o gigante dos meios para controlar o próprio poder de fogo, deixá-lo cego.
Publicação do dia 26/4 em Vzglyad, jornal online de análises, que opera em Moscou, revela sem ocultar as fontes, inclusive fontes norte-americanas, o modo como operará essa opção. Adiante tradução ao inglês, não oficial [aqui retraduzida ao português (NTS)].
Como os sistemas russos de guerra eletrônica interferem na operação militar dos EUA na Síria / Os sistemas EW Krasukha bem testados em combate real na Síria [de Andrei Rezchikov e Nikita Kovalenko]
"Por causa das ações de nosso inimigo não identificado hoje, nossos militares na Síria estão no ambiente eletromagnético mais agressivo de todo o planeta" – disse o general norte-americano. Claro que o tal inimigo é a Rússia, que usa ativamente na Síria recursos de guerra eletrônica. O que fazem os sistemas norte-americanos de guerra eletrônica e por que os norte-americanos tanto os temem?
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General Raymond Thomas, comandante do comando de operações especiais das forças armadas dos EUA reclamou no Symposium [fechado ao público] GEOINT 2018 de que "oponentes" estão 'misturando' os sinais do sistema de aviação dos EUA na Síria. Não disse a que "oponentes" referia-se, mas classificou a atual situação na guerra eletrônica em curso como "a mais agressiva no mundo". Mas Drive, citando o general, manifestou certeza de que se trata da Rússia.
"Eles nos testam todos os dias, cortam nossas comunicações, desabilitam nosso avião [para apoio embarcado a ataques] AC-130" – acrescentou Raymond Thomas.
Antes, o canal NBC TV, citando oficiais norte-americanos não identificados, noticiou que a Rússia bloqueara os sinais de rádio dos drones dos EUA na Síria, o que afetou significativamente as operações militares dos EUA. Os militares russos teriam começado a interferir na comunicação com os drones"depois de uma série de supostos ataques químicos em Ghouta Leste."
O editor da revista Arsenal of the Fatherland, Alexei Leonov, não acredita que tenha acontecido na Síria algum tipo de situação sem precedentes em termos de uso de recursos de guerra eletrônica. "De fato, não afetou o hábito dos EUA em combate contra oponente fraco. Depois de 1991, os EUA só conduziram conflitos militares contra estados cujos Sistemas para Guerra Eletrônica [ing. EW, Electronic Warfare systems] eram ou muito fracos ou absolutamente não utilizados" – disse ele a Vzglyad.
Na avaliação de Leonov, os EUA são hoje claramente inferiores à Rússia quanto à efetividade dos sistemas de Guerra Eletrônica, em primeiro lugar porque os EUA pararam de dar a essas tecnologias a atenção que sempre mereceram. Nos anos 1990s, durante a primeira guerra no Golfo Persa, os EUA usaram ativamente recursos de guerra eletrônica, porque naquele momento exército do Iraque era bastante desenvolvido, e era necessário impedir que as defesas aéreas e a inteligência do Iraque detectasse a grande quantidade de tropas que se acumulavam na principal direção visada – relembrou oexpert.
Mas começaram a relaxar, e desde então só desenvolveram um sistema efetivo de guerra eletrônica, baseado no avião F-18 para cobrir unidades de aviação, disse Leonov. "A Rússia não perdeu tempo. E agora os norte-americanos, que já viram nossos sistemas de guerra eletrônica, já sabem que o nosso está entre os melhores do mundo" – Leonov completou.
"A característica dos meios de comunicação dos americanos é que trabalham na banda-K. Conhecemos essa banda, e essa foi a banda configurada nos sistemas de guerra eletrônica, como alvo dos movimentos para 'misturar' sinais e capturar todas comunicações" – continuou Leonov. Além disso, os norte-americanos na Síria usam principalmente sistemas de guerra eletrônica instalados em aviões; os sistemas russos são instalados em terra. A fonte explicou também que "sistemas em terra sempre serão mais poderosos e mais fortes, por causa do melhor suprimento de energia".
Já há muito tempo uma ex-diretora de guerra eletrônica do exército dos EUA, Laurie Buckhout sabe que "nosso problema mais sério e que há muitas décadas não combatemos em condições de supressão das comunicações. Não sabemos lutar nessas condições. Não apenas não temos táticas, técnicas e procedimentos para implementar a nossa ação, mas tampouco estamos preparados para conduzir hostilidades na ausência de comunicação."
No Conselho da Federação observou-se, depois das declarações do general Thomas que Moscou nada tem a ver com o fracasso dos sistemas eletrônicos da aviação EUA na Síria. "Não sei o que querem dizer com "oponentes", mas a Rússia não temos nada a ver com isso. São acusações infundadas" – disse à rede RIA Novosti o primeiro-vice-presidente da Comissão de Defesa e Segurança do Conselho da Federação Russa, Yevgeny Serebrennikov.
Contudo, o fato de Moscou negar envolvimento no impacto sobre equipamento militar dos EUA não significa que a Rússia não use nenhum recurso de guerra eletrônica na Síria. Em especial, para repelir o recente raid de drones que tentou atacar a base russa em Khmeimim, e os complexos de armas e mísseis antiaéreos Pantsir-S, foram usados muitos recursos de guerra eletrônica. Segundo uma fonte do Izvestia no Diretorado Operacional Central do Estado-maior, depois de detectar perigo a uma distância de cerca de 10km, o sistema de guerra eletrônica silenciou o sinal de GPS sobre determinada área, o que desabilitou o sistema de navegação e controle dos drones.
Especialista britânico que estuda as forças armadas da Rússia, Roger McDermott, já constatou a efetividade superior do equipamento de guerra eletrônica dos russos para repelir ataques de drones. Está convencido de que os russos tem capacidade superior para guerra eletrônica, e que já obtiveram resultados impressionantes. Segundo ele, a Rússia, diferente da OTAN tem comando integrado, militar, de comunicação, inteligência, espaço, e para guerra cyber e eletrônica.
No início de janeiro, 13 drones com bombas de fabricação caseira atacaram a base aérea Khmeimim e a base naval em Tartus; sete deles foram destruídos pelo sistema Pantsi, e outros seis foram interceptados por unidades de guerra eletrônica. Alguns especialistas entendem que, nos recentes ataques com mísseis dos EUA na Síria, usaram-se meios radio-eletrônicos de supressão, para interceptar alguns dos mísseis cruzadores, razão pela qual muitos mísseis simplesmente não chegaram aos respectivos alvos. Alguns especialistas militares questionaram essa versão, dada a complexidade dos sistemas de supressão e mascaramento de sinais daqueles Tomahawks.
Que tipo de meios de guerra eletrônica a Rússia está usando na Síria? Não há informação detalhada sobre isso acessível na mídia aberta, dado o segredo crescente que cerca esse tópico. Mas frequentemente a mídia recebe informação fragmentada, graças à atividade de blogueiros sírios, que várias vezes fotografaram exemplares dessas armas russas. Assim é que se soube da transferência para Khmeimim do sistema Krasukha de solo, para 'misturar' sinais; e dos helicópteros Mi-8 equipados com sistemas Richag-AB para interceptação ativa. No final de março, o Ministério da Defesa da Rússia transferiu para a Síria os modelos mais recentes de helicópteros equipados para guerra eletrônica, o Mi-8 MTPR-1.
Vídeo: Vídeo oficial do Ministério da Defesa, de apresentação do equipamento russo para guerra eletrônica:
Pouco se sabe sobre operações de guerra eletrônica na Síria. O Krasukha foi mostrado em 2011. Depois disso, houve vários aperfeiçoamentos. A versão mais potente – Krasukha-4 – 'silencia' radares embarcados, inclusive drones e mísseis cruzadores. Sistema eletrônico de última geração, o Richag-AB faz uso de desenvolvimentos recentes e só entrou em operação em 2016. Desabilita não apenas equipamentos de navegação de aviões, mas também dedrones e mísseis cruzadores.
(...)
A ex-diretora de guerra eletrônica do exército dos EUA Laurie Buckhout acrescenta que os EUA não têm capacidades para guerra eletrônica tão extensivas quanto as da Rússia. "Temos muito boa rádio-inteligência, podemos ouvir tudo. Mas não temos um décimo da capacidade que têm os russos para desabilitar equipamento" – disse ela.
Onde e por que generais norte-americanos põem-se a autocriticar-se tanto e a tanto elogiar sistemas russos? Pode ter a ver, por exemplo, com tentar arrancar dinheiro extra para o orçamento militar. Por falar de orçamento, houve audiências no Senado, na 5ª-feira passada, sobre o tema.*******
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