8/5/2018, Moon of Alabama [Atualizado, adiante: Resposta de Rouhani]
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Em discurso fortemente beligerante, Trump retirou os EUA do acordo nuclear do Irã. Mentiu muito. Tampouco é surpresa. Os EUA só mantêm acordos se enquanto lhes garantam vantagens de curto prazo – querem saber? Perguntem às populações norte-americanas nativas. Ninguém pode jamais contar com que os EUA cumpram o que dizem.
Trump reimporá sanções contra o Irã, porque:
- o acordo nuclear foi negociado pelo governo Obama; assim sendo, não presta e não pode prestar;
- Israel quer preservar o Irã como coringa;
- malucos de direita nos EUA querem que os EUA ataquem o Irã;
- Make America Great Again, MAGA – Trump precisa do Irã como inimigo dos Estados do Golfo para vender mais armas dos EUA.
Três países europeus, Grã-Bretanha, França e Alemanha foram suficientemente ingênuos, a ponto de pensar que conseguiriam impedir que acontecesse. O trio da União Europeia ofereceu-se aos EUA para acrescentar mais sanções contra o Irã, e por outro pretexto oco, ou falsa razão – mísseis balísticos e engajamento iraniano na Síria. Não gostei quando li o plano pela primeira vez. Era óbvio, desde o início que só contribuiria para desacreditar todos esses países; e que, como plano, falharia.
Felizmente, a Itália e alguns países do leste europeu derrubaram o esforço no nível europeu. Não tinham interesse em sacrificar a própria credibilidade nessa luta. O acordo nuclear foi assinado e tem de ser cumprido integralmente por todos os signatários. Apontaram que Trump não dera qualquer garantia de que algum outro esforço europeu mudaria a posição dele.
Ao longo das últimas semanas aconteceram ainda algumas tentativas da trinca europeia, para influenciar Trump. Tudo em vão:
Na 6ª-feira, Pompeo organizou uma conferência telefônica com seus três contrapartes europeus. Fontes que ouviram o briefing sobre a conferência telefônica me disseram que Pompeo agradeceu à trinca europeia pelos esforços que envidaram desde janeiro para buscar uma fórmula que convencesse Trump a não separar os EUA do acordo nuclear –, mas deixou bem claro que o presidente deseja, sim, andar em outra direção.
...
Depois da declaração de Trump, as potências europeias planejam emitir uma declaração conjunta em que declararão que seus países manter-se-ão fiéis ao acordo do Irã, numa tentativa para impedir que colapse.
As sanções que Trump reintroduzirá não limitam só os negócios dos EUA com o Irã, mas também penalizam outros países. Haverá um tsunami de medidas protecionistas, dado que pelo menos alguns dos outros países reduzirão a própria exposição às regras dos EUA, e podem mesmo introduzir contrassanções:
"Estamos trabalhando em planos para proteger os interesses das empresas europeias" – disse Maja Kocijancic, porta-voz da União Europeia para assuntos de política exterior, a jornalistas em Bruxelas.
O Irã manter-se-á, em grande medida, coerente com o acordo nuclear, se a União Europeia defender efetivamente o acordo e não cancelar negócios já formalizados entre o Irã e empresas europeias. Se a União Europeia não conseguir isso, o acordo nuclear será nulo e vazio. O Irã deixará o acordo. O governo neoliberal de Rouhani que firmou o acordo cairá e voltarão ao poder os conservadores iranianos – que defenderão a soberania do Irã a qualquer preço.
Os EUA parecem crer que o país poderia voltar à mesma posição que Obama conseguiu construir nos anos anteriores à assinatura do acordo nuclear. O Irã estava sob sanções da ONU e todos os países, inclusive China e Rússia, obedeciam cegamente. A economia do Irã estava em ruínas. Os iranianos tinham de negociar alguma saída. Hoje já não é assim, e aquela situação não voltará a existir.
A credibilidade dos EUA foi muito gravemente afetada. O poder suave [orig. soft power] com que os EUA contavam foi-se. E o poder violento [orig.hard power] mostrou-se inadequado no Afeganistão, no Iraque e na Síria.
China e Rússia têm ambas enormes negócios em andamento com o Irã e são agora seus protetores efetivos. Por menos que haja qualquer ideologia comum que una esses países, os três opõem-se a um mundo globalizado regido exclusivamente por regras 'ocidentais'.[1] A trinca europeia tem o poder econômico, a população e os recursos para fazer o que decidam fazer. Nem os EUA nem a Europa podem conviver razoavelmente, na situação que os EUA criaram hoje.
O Irã não apenas tem novos aliados como, além disso, melhorou muito a própria posição no Oriente Médio por causa da estupidez de EUA, de Israel e dos sauditas. As guerras contra o Iraque, a Síria, o Líbano e o Iêmen todas fortaleceram a posição do Irã, ao mesmo tempo em que o país manteve-se longe delas.
A recente eleição no Líbano trouxe excelentes resultados para "o campo da Resistência". Dentro do Líbano, já não há quem possa desafiar o Hizbullah. As próximas eleições no Iraque gerarão, com certeza, mais um governo amigo do Irã. O exército sírio está vencendo a guerra inventada contra os sírios. A posição dos EUA no Afeganistão é absolutamente sem esperança ou saída. A Arábia Saudita meteu-se em luta contra os Emirados Árabes Unidos por causa da guerra contra o Iêmen. O racha entre o Qatar e o Conselho de Cooperação do Golfo permanece sem solução.
Por mais que Israel queira manter o Irã para usá-lo como coringa, e desviar as atenções de sua campanha genocida contra os palestinos, os sionistas não querem guerra maior. O Hizbullah no Líbano tem mísseis em quantidade suficiente para tornar insustentável a vida moderna em Israel. Guerra contra o Irã facilmente acabaria com Telavive em chamas.
Há alguns no governo Trump que quererão atacar o Irã. O governo Bush acalentou planos semelhantes. Mas todos os jogos de guerra de campanha contra o Irã sempre terminaram mal para os EUA e aliados. Os países do Golfo são extremamente vulneráveis. Essa situação não mudou. Os EUA estão hoje em pior posição estratégica do que estavam depois de invadirem o Iraque. Se ainda houver alguém mentalmente são no comando do Pentágono, com certeza convencerá a Casa Branca a não se meter em semelhante desatino.
Os EUA retirarem-se do acordo nuclear é erro descomunal. O secretário da Defesa Mattis manifestou-se contra a saída. Será que Trump cometerá erro ainda maior, mesmo contra o parecer de seus conselheiros militares? Iniciará guerra contra o Irã?*******
[ATUALIZAÇÃO, 8/5/2018, 16h, Pepe Escobar, no Face:
ROUHANI DIZ QUE O IRÃ FICA
Frio, calmo, controlado:
"É guerra psicológica, não permitiremos que Trump vença... Estou feliz por aquele ser desagradável deixar o Barjam." ("Barjam" é a sigla que se usa, no Irã, para o que o ocidente chama de "acordo nuclear" ou JCPOA.)
"Hoje testemunhamos nova experiência histórica. Há 40 anos dizemos e repetimos que o Irã sempre respeita compromissos assumidos, e que os EUA nunca respeitam nem a própria assinatura. Nossos 40 anos de história ensinam que os norte-americanos sempre tiveram comportamento de agressão contra o grande povo do Irã e nossa região (...) desde o golpe [1953] contra o governo legítimo de [Mohammad] Mosaddegh Mosadeq, desde que se intrometeram nos assuntos do governo anterior, no apoio a Saddam [Hussein durante a guerra Irã-Iraque], no ataque que derrubou nosso jato de passageiros por um barco norte-americano, desde tudo que fizeram no Afeganistão, no Iêmen."
"O que os norte-americanos anunciaram hoje foi demonstração clara do que eles têm feito há meses. Desde o acordo nuclear, quando aconteceu de eles fazerem o que se comprometeram a fazer? Apenas deixaram lá uma assinatura e enunciaram algumas frases, mas nada fizeram que beneficiasse o povo iraniano."
"Esse não é acordo entre o Irã e os EUA, para EUA anunciarem que se retiram. É acordo multilateral, endossado pela Resolução n. 2.231 do Conselho de Segurança da ONU. O anúncio oficial feito pelos norte-americanos hoje mostra o pouco que respeitam compromissos internacionais. Já fizeram o mesmo, antes, quando desrespeitaram o acordo de Paris."
"Nosso povo está vendo que o único regime que apoia Trump é o regime sionista ilegítimo, o mesmo regime que assassinou nossos cientistas nucleares"
.
"A partir de agora, trata-se de acordo entre o Irã e cinco países. A partir de agora, o P5+1 perdeu um "1". Vamos esperar e ver como reagem os demais. Se nos parecer que com a cooperação dos cinco outros países podemos manter o que queremos, mesmo contra os esforços de Israel e dos EUA, o [acordo] Barjam pode sobreviver." [FIM DA ATUALIZAÇÃO]
[1] No orig. "[regras] western". Na tradução ["regras ocidentais"], perde-se a conotação com "western", o gênero de filmes que, para alguns, "inventou os EUA" (NTs)]
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