22.11.2018 - João Batista de Castro Júnior*, DCM
Antes da Lei 11.719/2008, que introduziu alteração no Código de Processo Penal, o réu era citado ordinariamente para ser interrogado por um magistrado acompanhado de um escrivão que digitava todas as frases começando sempre com “que”. Não raro um lapso condenatório do juiz e/ou do digitador escapava: “que, mesmo sendo verdade, insiste em dizer que não é verdade” etc.
Ainda nessa época, todo cuidado era pouco por parte do acusado, pois a recepção judiciária ainda estava presa a intenso formalismo, quase que se assemelhando àquele antigo exemplo encontrável em Gaio (jurista romano que morreu em 180 da era cristã), nas suas famosas Institutas, de um indivíduo “agindo por causa de videiras cortadas”, o qual, ao dizer, perante o juiz, a palavra vites em vez de arbor, terminou por perder a ação, uma vez que a Lei de XII Tábuas falava de árvores cortadas em geral.
A Lei 11.719/2008 surgiu, então, para ser e reafirmar-se ser um marco miliário da teoria do processo penal: o interrogatório é primacialmente meio de defesa do réu e, secundariamente, meio de prova.
Dez anos já se foram, mas ainda tem juiz(íza) preso(a) ao passado, o que, tratando-se das práticas jurídico-judiciárias, não é novidade, pois as roupas continuam inadequadas ao climas dos trópicos, a linguagem insiste em imitar (mal, saliente-se) uma norma padrão própria do modelo gramatical do início do século XX, quando começou a parábola descendente do bacharelismo oco e retórico, os padrões litúrgicos teimam em ser fortemente rococó etc.
No ambiente virtual contemporâneo, esperava-se a adaptação dos magistrados a um novo modelo. Mas o que se viu no interrogatório de Lula hoje, dia 14 de novembro, foi o passadismo mostrando sua força na cena jurídica, ou seja, um acusado sendo tratado como condenado, não como réu que tem em seu favor a presunção de inocência.
Se Moro nunca esteve à altura de um cargo que exige imparcialidade, e isso se tornou mais que evidente ao aflorarem suas dissimuladas ambições políticas nos últimos dias, muito menos parece merecê-lo sua sucessora, a juíza federal substituta Gabriela Hardt, que, na audiência de interrogatório, mostrou toda sua inabilidade para pelo menos posar de imparcial ao vociferar: “senhor ex-presidente, esse é um interrogatório. E se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter um problema”.
Que problema, que problema, Gabriela? Se ao réu é dado até ficar em silêncio sem que isso arranhe sua defesa, como assegura o Código de Processo Penal (art. 186, parágrafo único), como admitir que deva ter um tom para falar e um barema lexical do que possa dizer?
Pelo que se vê, está faltando mais esforço de credibilidade no caráter imparcial dos julgadores de Lula, porque, quando um juiz não é imparcial, mas tem que fingir sê-lo, deve ao menos fazer um melhor esforço teatral de demonstrar que o é.
Costuma-se ensinar em Análise do Discurso que o que se diz nem sempre é tão importante quanto a circunstância que envolve o não dito.
Ao declarar “se o senhor se sente desconfortável, o senhor pode ficar em silêncio”, a magistrada incriminou-se mais do que seguramente tentará fazer com Lula na sentença condenatória que está por vir, pois juiz algum pode induzir um acusado a ficar em silêncio, a não ser que tema que o depoimento constranja não só os acusadores como a mais recente e bizarra criação jurídica do direito brasileiro, nascida em Curitiba, o juiz-acusador.
Convenhamos: na encenação judiciária de baixo estofo que se instalou no caso Lula, morre-se de medo da paixão oratória dele, até no STF, que cometeu a atrocidade de vetar sua entrevista. Goste-se ou não, o ex-presidente humilhou Moro, que, perdido na sua ruminação de desforço vingativo, se deixava alimentar ainda mais pelo desejo de condenar a cada lance eloquente do interrogatório no caso do tríplex.
Agora, a juíza, temerosa de que a eloquência de Lula passasse também por cima dela, logo denunciou sua limitação intelectual: “se ele fugir do assunto e começar com discurso político, doutor, infelizmente, eu estou comandando a audiência e vou ter que cortar”.
O que você sabe, Gabriela, de discurso político? Sabe ao menos o significado dado pela Ciência Política? Não, né, não sabe, pois os manuais recheados de macetes com que se consegue aprovação em concursos da magistratura e do ministério público passam longe desse tipo de incursão.
Portanto, um réu pode falar o que quiser em seu interrogatório, desde que não produza ofensas, pois não se sabe qual é a estratégia de defesa. Portanto, a juiz algum é dado interferir nessa configuração defensiva, a menos que não disfarce seu propósito condenatório.
Mas vou ainda, Gabriela, lhe puxar a orelha com uma última lição sobre sua aberração de incitar o réu a ficar em silêncio. É bem provável que isso nunca chegue a seu conhecimento. Mas, vá lá, não vou me furtar de fazê-lo: quando, em um interrogatório, se induz ILEGALMENTE um réu a ficar em silêncio, quer-se no fundo produzir o que se conhece como argumentum ex silentio, ou seja, uma evidência presuntiva de que a pessoa deixou de mencionar algo embora estivesse em condições de fazê-lo.
Dou-lhe um exemplo clássico, porque conheço bem as limitações intelectuais da formação jurídica: nos seus diários, Marco Polo diz ter visitado a China, mas não cita a Grande Muralha, o que abriu uma enorme controvérsia historiográfica se teria mesmo estado naquela região.
Como sugestão bibliográfica desse instigante tema, indico John Lange, The Argument from Silence, History and Theory”, vol. 5, n.. 3, 1966, e M. G. Duncan, The Curious Silence of the Dog and Paul of Tarsus; Revisiting the Argument from Silence, Informal Logic, vol. 32, n. 1, 2012.
Mas, antes de qualquer coisa, fique advertida da lição dada por Sven Bernecker e Duncan Pritchard: “argumentos pelo silêncio são, invariavelmente, bem fracos; há muitos exemplos onde este tipo de argumentação nos levaria a lugar nenhum” (The Routledge Companion to Epistemology, Routledge, 2012, p. 64-5).
Mas nós sabemos aonde as imputações contra Lula querem chegar, não é mesmo? Afinal, até o presidente eleito, que não detém qualquer poder legal sobre o assunto, mas é chefe de fato do juiz que encarcerou o ex-presidente, já declarou que este irá “apodrecer na cadeia”.
Em arremate: não é segredo como isso terminará e só me darei mesmo em breve ao trabalho de criticar os aspectos técnicos da anunciada futura sentença condenatória porque tenho muitos alunos e alunas interessados em conhecer as vísceras da estupidez jurídica que se abateu sobre o País.
* João Batista de Castro Júnior é juiz federal e professor doutor do Curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia
4 comentários:
A moçoila é da Casa Grande, ou seja, se não condenar o LULA, com provas ou sem provas, não fará jus as ''''''tradições dos militares / juristas / ricos '''''' aqui da republiqueta=condado=estado vassalo= . . . dos U$$$raHell. NUNCA se esqueçam que quem é ou quem vem da """""" SENZALA """""" será sempre agraciado ou com o '''''TRONCO """"" ou ''''' a forca '''' , pois vejam : _____Preso, Filipe dos Santos foi enforcado, a 15 de julho de 1720. Proferiu no cadafalso, esta frase: '''''"Jurei morrer pela liberdade, cumpro a minha palavra"'''''''''. O cadáver do rebelde foi esquartejado..., pois será o fim do LULA diante do ___exércitU$$$A___ de sua alteza a ''''''Casa do Terror=BRANCA / U$$$raHell '''''''''' . Aqui ainda neste PUTEIRO ainda temos que aprender com nossa história .
Essa sujeita ("a juizeca") ofende-nos com sua parcialidade arrogante e sinistra. É a bate do agente dos Usa - o perverso sérgio moro - treinado no Depto de Estado dos Usa para destruir a democracia no Brasil. É claro com a ajuda obsequiosa na mídia criminosa (Globo e CIA); É um espetáculo doloroso para todos os democratas assistir a humilhação e abatimento do MAIOR LÍDER POLÍTICO da ATUALIDADE - LULA. O incansável campeão da luta democrática. O povo brasileiro precisa LEVANTAR e LIBERTAR LULA JÁ.
Em um juri o promotor inquire o reu e este tem o direito de responder sobre o que está sendo perguntado da maneira que quizer. Lula não está sendo ofensiovo, nem deixando de responder sobre qualquer assunto, mas o problema é que a moça não tem competência para diallogar com um presidente tarimbado e experiente. Ela serve para condenar ladrtão de galinha e só!
O juiz limitar ou pressionar o reu a responder o que e como ela quer ouvir é o cúmulo da cara de pau em querem condenar o réu, sem mesmo precisar ouvir nada.
No final a linha de juri é a mesma do Moro, que vem do Atlantic Concil, orgão do governo americano disfarçado de entitade civil, responsável pelo golpes contra governos em todo o mundo.
Excelente esse blog e os comentários. Pena que não são muitos os comentários.
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