sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Hezbollah no Líbano: fim da hegemonia dos EUA, por Elijah J. Magnier


21/11/2018, Elijah J. Magnier, Blog

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga



A política do establishment dos EUA para o Líbano é evidentemente mutante e instável, com um presidente que não tem nenhum conhecimento abrangente sobre o Oriente Médio nem, e sobretudo, sobre o papel do Hezbollah na região. Parece que o presidente Donald Trump está querendo reduzir o apoio militar ao Exército Libanês e impor novas sanções ao Líbano, sem perceber que, assim, estará fortalecendo o Eixo da Resistência e empurrando o país dos cedros para os braços de Rússia e Irã.

Ao tempo em que EUA impõem novas sanções contra o Hezbollah ao longo dos últimos dois meses, os parceiros europeus dos norte-americanos reuniram-se várias vezes, sigilosamente, com líderes do Hezbollah durante as visitas de delegações oficiais dos EUA a Beirute.

Os EUA estão gradualmente perdendo a hegemonia que tiveram no Oriente Médio.

No Iraque, o “Estado Islâmico” (ISIS) cresceu sob o olhar atento e complacente do establishment norte-americano nos primeiros meses da ocupação de Mosul, em junho de 2014. Washington considerava o ISIS um de seus ativos estratégicos, sem nenhum cuidado com a evidência de que essa política sem escrúpulos sempre seria tiro pela culatra, contra os próprios interesses dos EUA no Oriente Médio. 

A política dos EUA afastou a Europa, mas, sobretudo, afastou o povo do Oriente Médio, principalmente aquelas minorias que mais sofreram sob a tirania do ISIS. Essa política cruel dos EUA levou à constituição das Hashd al-Shaa’bi (as Forças de Mobilização Popular). Essa força é hoje membro essencial do “Eixo da Resistência” que rejeita a hegemonia dos EUA e abraça uma ideologia de independência, com objetivos similares aos do Irã e do Hezbollah. 

Essas forças nacionais de modo geral são pouco amistosas com Israel e não aceitam a presença de forças dos EUA na Mesopotâmia.

Além do mais, os novos líderes iraquianos (primeiro-ministro Adel Abdel Mahdi, o presidente do Parlamento Mohamad al-Halbusi e o presidente Barham Salih) foram escolhidos em perfeita sintonia com o desejo do Irã. Se vier a ser necessário escolher entre Teerã e Washington, o Iraque não aprovará sanções contra o povo iraniano, sejam quais forem as consequências. 

E se os EUA forçarem o Iraque a impor sanções contra o Irã, os EUA perderão a Mesopotânia, com vantagem para o Irã e a Rússia. Fato é que, hoje, Moscou trabalha, lado a lado com conselheiros militares de primeiro escalão iraquianos, sírios e iranianos, numa única sala de operações em Bagdá, para detectar imediatamente se os EUA afastam-se ou reduzem o apoio militar que dão ao Iraque, mas também para garantir que o ISIS não volte a ocupar cidade alguma na Mesopotâmia.

Na Síria, os EUA – e respectivos parceiros europeus e árabes – só se interessavam pela mudança de regime, e acabaram por ser identificados exclusivamente com uma política de deliberada destruição do Levante, para derrubar do poder o presidente Bashar Assad. Só o Qatar, pelo que se ouve, teria investido mais de 130 bilhões de dólares nesse projeto fracassado. Hoje, o custo mínimo estimado para reconstruir a Síria está entre 250 e 350 bilhões de dólares. A guerra imposta à Síria resultou na formação de muitos grupos sírios treinados pelo Irã e pelo Hezbollah; e naturalmente esses grupos também partilharam com a Síria a própria experiência de combate. 

Esses grupos, se Assad determinar, formarão forte aliança com o “Eixo da Resistência” que cresceu no Iraque, e que já existia no Líbano há décadas.

Na Palestina, o Hamas uniu-se à campanha para mudança de regime contra a Síria, no início da guerra em 2011. A liderança política declarou-se em oposição a Assad, e muitos combatentes uniram-se à al-Qaeda; outros uniram-se ao ISIS, especialmente no campo palestino de Yarmouk, sul de Damasco. Esses combatentes palestinos partilharam com combatentes sírios e outros combatentes estrangeiros a própria experiência de guerrilha, aprendida do Irã e dos campos de treinamento do Hezbollah. Uns poucos cometeram ataques suicidas contra forças de segurança do Iraque e civis na Mesopotâmia e contra o exército sírio e seus aliados, inclusive contra o Hezbollah, no Levante.

Mas o establishment dos EUA decidiu distanciar-se da causa palestina e abraçou incondicionalmente a política israelense de apartheid contra os palestinos: EUA apoiam Israel cegamente. Já reconheceram Jerusalém como capital de Israel; já suspenderam toda a ajuda financeira a instituições da ONU que apoiam refugiados palestinos (escolas, ambulatórios e hospitais, abrigo), e rejeitaram qualquer possibilidade de reconhecerem aos palestinos o direito de retorno. 

Tudo isso acabou por obrigar vários grupos palestinos, inclusive a Autoridade Palestina, a reconhecer que é inútil insistir em qualquer negociação com Israel e que os EUA de modo algum podem ser considerados parceiros confiáveis. 

Além do mais, a fracassada operação para mudar o regime na Síria e as condições humilhantes exigidas em troca de financiamento dos árabes ao movimento foram, em certo sentido, a gota d’água que acabou por convencer o Hamas a mudar de posição, desistindo do Acordo de Oslo e unindo-se ao Eixo da Resistência.

A batalha de 48 horas contra mais uma agressão de Israel a Gaza, dias 12-13 de novembro, mostrou unidade jamais vista antes entre o Hamas, a Jihad Islâmica e muitos outros grupos palestinos (13 grupos no total uniram-se pela primeira vez em todos os tempos, numa única sala militar de operações); e a proximidade do Irã e do Hezbollah, indica, mais uma vez, o completo fracasso da política dos EUA para o Oriente Médio.

No Líbano, Hezbollah acumulou experiência única e realmente impressionante de combate, durante os últimos cinco anos de guerra contra os grupos extremistas da al-Qaeda e ISIS, tendo combatido em vários fronts ao lado de dois exércitos clássicos– com o Exército Árabe Sírio e com o refinadíssimo Exército Russo. 

Agora os EUA parecem cogitar de aumentar a pressão sobre o Líbano, para agredir mais duramente a economia nacional. São sanções que provavelmente afetarão mais o Líbano que o Hezbollah.

Os EUA incluíram em sua “lista de terroristas” os proprietários de casas de câmbio no Líbano que trocaram euros recebidos do Irã, por dólares. Prenderam um comerciante muito conhecido, que goza da simpatia dos militantes do Hezbollah e famílias para negócios de venda de casas.

Além disso, com a colaboração do ex-primeiro-ministro Haidar Abadi, os EUA conseguiram que Bagdá congelasse mais de 90 milhões de dólares devidos a um construtor libanês que executou contratos em várias cidades do Iraque, mas que os norte-americanos acusam de ser próximo do Hezbollah.

Mais significativo, o Departamento do Tesouro dos EUA está forçando o Banco Central Libanês a fornecer quantidade impressionante de informações e bancos de dados sobre civis – sob o pretexto de que estaria combatendo o terrorismo –, e assim conseguiu congelar as contas de vários xiitas, muitos dos quais nada têm a ver com o Partido de Deus.

Por fim, o governo dos EUA incluiu em sua lista de terroristas o secretário-geral do Hezbollah, o vice-secretário-geral e vários altos líderes. Agora, pois, esses senhores estão impedidos de visitar a Disneylândia e de curtir a agitada vida noturna de Las Vegas.

Os EUA parecem não perceber que ambos, Irã e Rússia, esperam ansiosamente que os norte-americanos ponham fim ao apoio condicional que dão ao Exército Libanês e ao governo do Líbano. Em coordenação com o governo do Líbano, o Irã pode construir muitas das fábricas tão necessárias no Líbano, beneficiando-se da vasta experiência em vários campos, com destaque para o campo da indústria farmacêutica, fabricação de automóveis, utensílios domésticos e indústria militar. 

Paralelamente, a Rússia já opera ativamente para estabelecer conexões com oficiais libaneses, convidados a visitar Moscou, o que aumentará a presença e a influência dos russos no Líbano.

Os EUA nada podem fazer para reduzir o poder militar que o Hezbollah tem hoje. Diz-se que Sayyed Nasrallah já tem meios para disparar contra Israel os seus mísseis de precisão, para mostrar força, mas também, principalmente, para provar o quanto Israel estará mais fraca em qualquer guerra futura. 

Claro que Israel tem uma impressionante máquina de guerra, com grande capacidade de destruição. Mesmo assim, nunca, desde 1949, Israel esteve sob mira de mísseis de precisão, com centenas de quilos de explosivos em cada uma das respectivas ogivas, capazes de cobrir todo o território de Israel e atingir absolutamente qualquer alvo.

Se a Cúpula de Ferro de Israel consegue interceptar 80% dos mísseis do Hezbollah, a ação de 2.000 mísseis (o que restaria de 10.000, se 8.000 fossem interceptados) que, todos, acertassem o alvo com 400-500kg de explosivos é cenário inconcebível para Israel. Significa 1 milhão de quilos de explosivos – no caso de o Hezbollah ser forçado a só disparar 10.000 mísseis, nem um míssil a mais (e Israel diz que o Hezbollah teria 150.000 foguetes e mísseis).

O Hezbollah representa fatia considerável da população do Líbano. Não é organização convencional, mas soube integrar-se com imagem positiva aos “corações e mentes” libaneses – antiga estratégia que o Hezbollah adotou, para se manter integrado com a população e a sociedade na qual vive.

O Hezbollah recorreu à força, dentro do Líbano, uma única vez, dia 7/5/2008, quando o grupo assumiu o controle de Beirute, com apenas uns poucos tiros e muito menos tempo do que Israel precisou para ocupar a mesma cidade em 1982. 

O Hezbollah não precisa recorrer à força militar para controlar o Líbano. E os xiitas libaneses já não estão sós, no Eixo da Resistência. O Eixo da Resistência não hesitará para virar a mesa contra os EUA, se tiver de disputar o controle sobre o Líbano: o que pode, sim, acontecer, se os EUA insistirem em tentar submeter o Líbano à sua hegemonia.*******

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