quarta-feira, 8 de junho de 2016

Com a OTAN chegando lá, é hora de os russos incluírem a América Latina em seus jogos militares



Entreouvido na Vila Vudu:


Não se trata de 'recomendar' que os russos façam e aconteçam por aqui. Trata-se, isso sim, de fazer-ver que o mundo vê muito claramente a importância crucial que tem a América Latina nos jogos de guerra do século 21, nos quais se disputa o futuro: (i) ou perdura por mais algum tempo a dominação do já fracassado mundo unipolar sob 'comando' dos EUA -- talvez da Hilária "Vamos, vemos, todo mundo morre por lá" Clinton (Tesconjuro!); ou (ii) avança sobre o planeta o projeto de mundo multipolar sem comando dos EUA e coordenado pelos países BRICS.

O golpe no Brasil, a tentativa persistente de golpe na Venezuela, o avanço da direita na Argentina, dentre outros são, todos eles, eventos da grande disputa estratégica planetária em curso no século 21.
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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Com Washington empenhada na maior expansão militar da história do mundo, sem qualquer atenção às ramificações globais de tamanhas arrogância e audácia, é mais que hora de a Rússia fazer um gesto simbólico no quintal dos EUA. 

No momento em que escrevo, três bombardeiros US B-52 Stratofortress acabam dedecolar de uma base norte-americana no estado de North Dakota, a caminho dos Estados Bálticos, onde participarão num jogo de guerra da OTAN que atende pelo codinome fofinho de "Golpe de Sabre" [ing. Saber Strike]. Esse congresso da gangue toda envolverá 10 mil soldados de 13 países da OTAN, além de vários aspirantes à condição de membro, como Suécia e Finlândia.

Se você pensa que a Rússia sente-se bem com essas danças de guerra anuais, é porque, provavelmente, anda assistindo a excesso de televisão ocidental.

Mas essa infindável provocação às portas da Rússia é apenas uma pequena amostra das aventuras comandadas pelos militares norte-americanos que estão acontecendo por toda a Europa Oriental, e que são diretamente responsáveis por empurrar as relações entre Moscou e Washington aos piores níveis desde, talvez, sempre.

Mês passado, por exemplo, o presidente Putin falou sobre o sistema de mísseis de defesa dos EUA que acaba de ser instalados na Romênia.

"São plataformas de lançamento e estações de radar. Hoje, estão sendo instalados mísseis Iskander em terra, com alcance de 500 quilômetros; em poucos anos, serão mísseis com alcance de 1.000 quilômetros. Já sabemos até a data aproximada de quando esses mísseis serão instalados. Como poderia isso não ser ameaça contra os russos? É clara ameaça contra nossas forças nucleares." Disse Putin a jornalistas, durante visita de dois dias à Grécia.

"Temos capacidade para responder" – disse ele. E acrescentou que Polônia e Romênia, graças às macacadas de Washington, que brinca com o equilíbrio estratégico do mundo,entrarão "na alça/área de mira" dos mortalmente precisos mísseis russos.

Mas há outras razões para estar muito preocupado com os inexplicáveis movimentos de poder da OTAN que dispararam os alarmes na Rússia.

Com a OTAN comandada pelos EUA continuando sua marcha mecanizada rumo ao leste, não seria surpresa que houvesse contatos mais frequentes com militares russos, ainda que passem despercebidos por observadores ocidentais. A CNN até se atreveu a propor a mais asinina das perguntas em manchete, nada menos: "Jatos russos fazem voos rasantes sobre navios e aviões russos. O que podem fazer os EUA?" Ora, para começar, podem parar com essas manobras militares tão próximas de territórios russos. Além do mais, não é preciso ser gênio militar para compreender que esses encontros têm alto potencial de resultar em desastre.

Considerem o que aconteceu em abril, quando o destroier USS Donald Cook entrou no Mar Báltico e avançou até 70 milhas náuticas (130 km; 81 mi) de Kaliningrado, enclave estratégico da Rússia aninhado entre a Lituânia e a Polônia. O grupo naval foi rapidamente visitado por dois jatos russos SU-27s desarmados, que realizaram vários voos a baixa altitude sobre o destroier dos EUA, o que não gerou efeitos piores que vídeos espetaculares. Pois mesmo assim, esse exemplo de "agressão russa" disparou a previsível tempestade de material jornalíxico sobre os EUA, com 'especialistas' batendo no peito, aos berros de que Putin seria "irresponsável". E o secretário de Estado John Kerry subiu o tom, e disse que as manobras aéreas dos russos justificariam "uma derrubada" [ing. "a shoot down"].

Interrompemos a coluna, para uma Notícia Urgente: o destroier Donald Cook não é equipado só com o mais sofisticado sistema de radar da Marinha dos EUA: é armado também até os dentes com mísseis Aegis-3, como parte do Sistema de Mísseis Balísticos de Defesa dos EUA. Dizer que essa embarcação de guerra é ameaça real às instalações militares russas em Kaliningrado ainda é dizer muito pouco.


Jogos militares russos na América Latina? 

Pensando nos que ainda não se deixaram convencer de que a Rússia tem fortes motivos para se preocupar muito com a aproximação frenética da máquina de guerra dos EUA, consideremos os fatos a partir da perspectiva geopolítica. Imaginemos que viramos o tabuleiro de xadrez geopolítico, e foi a Rússia quem plantou uma aliança militar de 28 países bem perto da fronteira dos EUA, por exemplo, na América Latina (e depois de Moscou ter prometido não ampliar o número de membros do bloco militar depois do fim da União Soviética).

Mas por que parar aí? Joguemos os dados mais uma vez e vejamos como Washington reagiria, se a Rússia tivesse despachado três bombardeiros TU-160 Blackjack para a América do Sul, para participar de jogos de guerra com Cuba, Venezuela e Brasil, por exemplo, poucas semanas depois de Moscou ter instalado um sistema de mísseis de defesa – que num clique 'vira' sistema de ataque – na Colômbia, digamos. Uaau! Atrevo-me a dizer que não há no mundo camisa de força capaz de conter as convulsões de fúria que eclodiriam em todas as salas de todos os prédios do governo dos EUA.

Agora, a cobertura desse bolo envenenado: imaginemos que os EUA tivessem de engolir essas provocações russas em seu quintal latino-americano, sem que Washington tivesse, em momento algum, cometido ataque não provocado contra qualquer país durante mais de 30 anos (OK, OK, sei que é difícil imaginar tal coisa, mas, por favor, esforcem-se para acompanhar o argumento). Então? Essa é precisamente a situação que a Rússia está tendo de enfrentar hoje. De fato, contra toda a desinformação e má informação que a mídia-empresa dominante vive de bombear para os cérebros ocidentais todos os dias da semana, 24 horas/dia, durante 30 anos, a verdade é que a Rússia muito tem trabalhado, nessas três décadas, para ajudar os EUA a atravessar seus infernos e águas procelosas.

Não acreditam? Quem foi o primeiro chefe de Estado a telefonar a George W. Bush depois dos ataques terroristas de 11/9 contra New York e Washington? Falava de Londres? De Paris? Acreditem: a chamada vinha de Moscou, e apesar da diferença de fuso horário! De fato, mais precisamente, quem estava ao telefone era Vladimir Putin. Mas, dado que ninguém acredita em conversa, o líder russo cuidou de apoiar suas palavras em ações, ações muito dignas e honrosas.

Aqui, o que o cineasta Oliver Stone e o historiador Peter Kuznick, em seu livro "The Untold History of the United States," [A história não contada dos EUA] escreveram sobre a generosa contribuição de Putin aos EUA, depois do 11/9: "Dia 24 de setembro, [Putin] anunciou um plano de cinco pontos de apoio à guerra ao terrorismo dos EUA. Não apenas ofereceu-se para partilhar inteligência e abrir o espaço aéreo russo aos EUA (...), mas também concordou e até facilitou o estacionamento de tropas norte-americanas no Oriente Médio."

No parágrafo seguinte, Stone e Kuznick explicaram como os EUA retribuíram com polidez:"Bush retribuiu a generosidade de Putin, com quebrar a promessa que Bush-pai fizera a Gorbachev e expandir a OTAN para ainda mais perto das fronteiras russas; de fato, cercou a Rússia com bases militares dos EUA e da OTAN (...). Essa segunda onda de expansionismo começou no final de 2002 e concluiu com a admissão, na OTAN, da Bulgária, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Lituânia, Latvia e Estônia em março de 2004."

Por mais que sejam EUA e os 28 países membros da OTAN quem concentram homens e armas junto às fronteiras da Rússia, quem fazem incansáveis jogos de guerra e massivo agitar de sabres, a Rússia é que é apresentada como agressora "ressurgente", dedicada a restaurar o fausto e a glória do império.

Assim sendo, o que está empurrando corações e mentes no Leste Europeu a crer que a Rússia seria algum tipo de ameaça existencial aos bons tempos que supõem que estejam vivendo? Nada mais agressivo e daninho que o som oco da propaganda e o tilintar do dinheiro.

O Leste Europeu é pasto para a propaganda 

Como jornalista, assistindo ao inexorável avanço da OTAN sobre a porta de entrada da Rússia, pergunto-me qual o cenário mais perturbador: a incansável campanha de propaganda anti-Rússia comandada pelo 'ocidente', que prepara o terreno para a instalação dos militares, ou a ingenuidade de gente que deposita toda sua fé no monte de bosta colorida fumegante que, noite após noite, as telas de TV despejam sobre eles e elas?


Não é dizer pouco, porque a propaganda sempre foi o lubrificante natural de exércitos em marcha: sem a demoníaca distorção da verdade – que a mídia-empresa existe para fazer e repetir sem parar –, divisões inteiras de exércitos ocidentais logo teriam de parar e retroceder.

Assim, no esforço para doutrinar os públicos audientes na ideia pervertida de que haveria uma "agressão russa", a mídia-empresa ocidental tem em seu arsenal dois eventos históricos que a própria mídia 'de informação' já cuidou de 'desinfetar' para consumo das massas. 

O primeiro é o conflito Russo-Georgiano de 2008, evento de cinco dias que começou dia 7 de agosto, quando forças da Geórgia iniciaram ataque militar, ao raiar do dia, contra Tskhinval, capital da Ossétia do Sul.

Embora você jamais tenha podido sequer suspeitar, considerados os 'relatos jornalísticos' daquele momento que chegaram ao ocidente, o ataque matou no primeiro momento, uma dezena de soldados russos da tropa de segurança e centenas de civis. Mas a mídia-empresa ocidental – que praticamente cobriu o conflito sem sair do gabinete do ex-presidente Mikhail Saakashvili, da Geórgia – desde o primeiro instante apresentou a Rússia como força agressora e a Geórgia como vítima indefesa.

Claro. Constatada a agressão, as forças russas não perderam tempo e, agredidas no primeiro ataque, entraram imediatamente em território da Geórgia e tomaram, é claro, algumas cidades. Que país agiria de outro modo? Seja como for, dia 8 de outubro seguinte, dois meses depois da primeira agressão, os russos já haviam completado a retirada dos seus soldados. De nada serviu, porque desde aquele dia os veículos da mídia-empresa ocidental vivem de apresentar esses eventos como se fossem a prova cabal e perfeita de más intenções dos russos.

Mesmo assim, e por inútil que tenha sido, investigadores independentes trabalhando sob ordens da Comissão Europeia chegaram a conclusão – tarde demais, mas, afinal, quem vive de migalhas não tem muita escolha – de que a Geórgia, não a Rússia, fora responsável pelo início das hostilidades.

"Pela avaliação dessa Missão, foi a Geórgia quem iniciou a guerra, ao atacar Tskhinval (na Ossétia do Sul) com artilharia pesada, na noite de 7-8 de agosto de 2008," como anuncioua diplomata suíça Heidi Tagliavini, que chefiou a investigação.

"Nenhuma das explicações oferecidas pelas autoridades da Geórgia, tentando alguma forma de justificação legal para o ataque pôde ser acolhida como explicação válida."

"Nenhuma".

Depois, veio a "tomada" da Crimeia pelos russos em 2014, no momento em que a Ucrânia era consumida por lutas internas e atacada por hordas de bandidos fascistas, grande parte das quais provocadas e estimuladas por agentes/interesses ocidentais lá mesmo, em Kiev. Mas como é possível que hoje o povo da Crimeia pareça satisfeito com o novo status de cidadãos da Federação Russa? Não faz sentido! E quanto a tanques e soldados e jatos de guerra – o equipamento militar essencial para qualquer "tomada" digna do nome?

Até a revista Forbes, embora contra a vontade, já admitiu que, um ano depois de a Rússia ter "tomado" a Crimeia, "pesquisa após pesquisa mostram que os crimeanos e residentes na Crimeia – sejam ucranianos, russos étnicos ou tártaros – estão praticamente todos de acordo: a vida com a Rússia é melhor que a vida com a Ucrânia".

Talvez, se a mídia ocidental afinal publicasse a verdadeira história, menos pessoas ignorariam tão completamente a real situação que cerca a Crimeia. Para começar, jamais aconteceu qualquer "tomada" da Crimeia por forças russas. Na verdade, dia 16/3/2014, o povo da Crimeia – com os mais diversos passados étnicos – votou quase unanimemente em referendo, a favor da reintegração à Federação Russa.

Assim foi. Sem soldados russos, sem uma gota derramada de sangue tão precioso.

Assim afinal se pode ver claramente que as ações beligerantes da OTAN na fronteira da Rússia são absolutamente sem fundamento e baseadas exclusivamente em boatos e histeria. Mas, claro, nada disso torna menos perigosa a beligerância da OTAN. Infelizmente, parece que o único modo de conseguir que o ocidente desperte e afinal compreenda o quanto é vasta a ignorância que ali reina sobre a Rússia, promovida e disseminada durante os últimos 30 anos, é fazê-los conhecer o temor, o lamento e o ranger de dentes provocados pela visão de exércitos estrangeiros ocupados em jogos de guerra, bem ali, no quintal do próprio ocidente. @Robert_Bridge

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