domingo, 2 de outubro de 2016

Processos judiciais: palmadas no terror, por Pepe Escobar



Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


"Justiça" pode ser conceito fora de lugar, no que tenha a ver com a Lei "Justiça Contra Patrocinadores do Terrorismo" [ing. Justice Against Sponsors of Terrorism Act (JASTA)]. O presidente Barack Obama dos EUA vetou a lei. E o Capitólio – pela primeira vez em seu governo (hoje em fase terminal de pato manco) – derrubou o veto de Obama. Os efeitos potencialmente cataclísmicos sobre a economia/política exterior dos EUA não podem ser subestimados. 

A Casa de Saud, no início desse ano, partiu com força total contra a lei, ameaçando retirar todos os seus investimentos nos EUA se a [lei] JASTA – movimento docemente populista, para permitir que famílias vítimas do 11/9 processem Riad – fosse aprovada. Os investimentos sauditas nos EUA são da ordem de $750 bilhões – mas a estimativa não inclui a quantidade descomunal de títulos do Tesouro dos EUA que os sauditas possuem, secretamente.

Ninguém no eixo Wall Street-governo em Washington ficou muito impressionado com as ameaças – porque os sauditas teriam poucas, se chegassem a ter alguma, opções decentes para investir tal montanha de dinheiro. Mesmo assim a operação de lobbying do Congresso prosseguiu sem descanso – instrumentalizando grandes corporações norte-americanas que operam na Arábia Saudita que poderiam sofrer algum tipo de retaliação.

No fim, a Casa de Saud só conseguiu um voto no Senado a favor de descartar a lei. Como observou um playercorporativo de New York conectado com os Masters of the Universe, "Se você acha ruim até aí, acima do presidente, que é um porteiro, é cem vezes pior." Esse player integra uma elite que, off the record, por trás de portas fechadas, dizem claramente que "todos nós sabemos que os sauditas nada tiveram a ver com 11/9 e foram envolvidos."

Outro desses discretos players, simpático às relações de Washington com a Casa de Saud, observa que "os sauditas agora estão totalmente isolados em Washington. Foi perigoso para eles levarem o grupo McKinsey [contratado da CIA] para reestruturar a economia do país. E enquanto o vice-príncipe coroado Mohammed bin Salman tenta de tudo para seduzir os EUA com seu plano '2030 New Vision', pelas costas todos conspiram contra ele." 

E lá se vai nossa estratégia para o Oriente Médio 

O que o Capitólio parece não compreender é que a aprovação da [lei] JASTA empurrará os sauditas inapelavelmente na direção da Rússia – e pode ter fim a guerra do preço do petróleo contra Moscou. Algo que pode ser o início dessa tendência já está bem visível depois da reunião da OPEP em Argel. 

Pela primeira vez em oito anos a OPEP decidiu cortar a produção – depois de a Arábia Saudita ter imposto sua política de extraia-até-morrer, a partir de 2014. A OPEP tomou a decisão de começar a produzir cerca de 750 mil barris/dia a menos do que extraiu em agosto. 

Foi a Rússia, com ajuda de Argélia e Qatar quem conseguiu um acordo de último momento, pelo qual Irã e Arábia Saudita acertaram seus respectivos limites de produção. OBig Oil norte-americano, as pequenas empresas norte-americanas de xisto, Rússia e Arábia Saudita, todos adoraram. Riad, por sua vez, parece que, afinal fez as contas na Síria e reconheceu a superioridade militar dos russos. 

Uma consequência direta, em prazo de médio a longo, é que Washington pode descobrir-se com bem poucos aliados no Oriente Médio. Cenário futuro, bastante provável, é Moscou enviar tropas russas/chechenas para a Arábia Saudita, com sistemas S-400 de mísseis de defesa para proteger o reino contra golpes à moda turca, que brotariam ali por ação dos militares sauditas, infiltrados de agentes da CIA. Conclusão disso tudo, seria os EUA perderem toda sua posição estratégica no Oriente Médio.

Há terror. Meto um processo neles. 

A [lei] JASTA pode ter a ver com abrir uma caixa de Pandora de proporções monstro. Considerando a intensidade com que o Império do Caos é visto como estado-terrorista-bandido em miríades de latitudes – basta examinar os registros –, a porta está aberta para que incontáveis nações apareçam com equivalente argumentação jurídica para processar empresas e cidadãos norte-americanos.

Irã e Cuba são duas nações que já tomaram medidas judiciais contra os EUA – embora, claro, não tenham recebido um vintém à guisa de indenização. A [lei] JASTA – que, para lembrar, visa a punir patrocinadores de terrorismo – leva o jogo a nível completamente inédito. Na prática, a [lei] JASTA remove a imunidade soberana de qualquer estado que seja condenado por prática de terrorismo em qualquer lugar, como definido por juízes de cortes norte-americanas. Nada impede que outros países aprovem suas próprias leisJASTA, para também punir patrocinadores de terrorismo.

O Pentágono, por seu lado, está apavorado ante a possibilidade de que a [lei] JASTA venha a possibilitar que a vasta nebulosa militar/de segurança que vive de contraterrorismo, seja posta como alvo de incontáveis ações judiciais. E acrescente-se aí a proverbial "erosão da confiança" entre o Pentágono e os establishments militares do Oriente Médio/Golfo Persa.

O problema-chave com [a lei] JASTA é que Riad nada teve a ver com e não perpetrou o 11/9. Todos os chefões, dos mais variados calibres, da Casa de Saud estavam metidos bem fundo no mercado de ações dos EUA. Se Riad soubesse de alguma coisa daquela magnitude teria tirado do mercado quantia gigante de dinheiro – e a Securities & Exchange Commission saberia do movimento, instantaneamente.

Certo é que qualquer [lei] JASTA nos EUA será piada: os juízes norte-americanos sabem absolutamente coisa alguma de dentro, do entorno ou da periferia do Oriente Médio Expandido; vê-se isso, por exemplo naquela corte nos EUA que concluiu que o Irã xiita trabalha(ria) mancomunado com a al-Qaeda.

Riad já fez saber que, se a [lei] JASTA for aprovada, levará para outro canto todos seus investimentos, as atividades de seu fundo soberano e a montanha de dinheiro que lhe pertence. Para Hong Kong e/ou Cingapura? 

E há ainda sumarentas possibilidades na mesma caixa de Pandora. 

E se uma corte, digamos, no Afeganistão ou no Paquistão decidir que a jihad de Reagan nos anos 1980s contra a URSS no Afeganistão – financiada conjuntamente por EUA e Arábia Saudita –constituiu apoio ao terror? 

E se algum governo no Oriente Médio definir um estado terrorista de Israel, todo o estado, e aceitar processá-lo por seus crimes de guerra na Palestina? 

E quanto às elites líbias tradicionais, ligadas ao coronel Gaddafi, que vivem hoje nos EUA? E se decidirem processar França (no reinado do rei Sarkô 1º) e Grã-Bretanha (sob David "das Arábias" Cameron) por apoiarem o terror praticado, dentre outros assemelhados, pelo Grupo Islâmico Líbio de Combate [Libyan Islamic Fighting Group, LIFG]? 

E quanto aos líderes tribais paquistaneses? E se decidirem processar o Pentágono por estragos causados por drones, em ataques unilaterais, ilegais, carregados de danos colaterais? 

E quanto aos refugiados sírios nos EUA? E se decidirem processar EUA, Casa Branca, Pentágono, CIA, Departamento de Estado, Turquia, Qatar e Arábia Saudita, por financiarem e armarem grupos jihadistas salafistas, para que destruíssem a nação deles?*****

Nenhum comentário: