15/8/2017, Matt Bruenig, Jacobin Magazine
Um Estado Social de Bem-estar é mais que apenas uma rede de segurança. É um alicerce sobre o qual as pessoas podem construir a vida.
Rede de segurança. Rede de segurança. Rede de segurança. Aparentemente essa é a única metáfora que circula para descrever o estado de bem-estar, pelo menos no discurso político norte-americano. Cada político liberal, cada think-tank liberal e todos os especialistas liberais parecem jamais se cansar do eufemismo, mesmo que ceda tão rapidamente à metáfora conservadora igualmente chocante da rede de dormir [rede da preguiça] do Bem-estar [ing. welfare hammock].
Apesar da popularidade, a metáfora da rede de segurança sempre me chama atenção, como no mínimo muito confusa; e no máximo como indicativa de más políticas de bem-estar social. A mensagem da rede de segurança é que todos precisamos de amparo quando caímos, o que, claro, é verdade. Mas o papel de um bom estado de bem-estar social é precisamente proteger contra catástrofes, e muitos benefícios do bem-estar não são sequer usados para aquele fim.
Pensões para idosos, descanso remunerado, benefícios extensivos aos filhos, seguro público de saúde, e educação não são itens que se garantam às pessoas no fundo do colapso de uma vida inteira. No formato ideal são serviços universais garantidos para eventos pelos quais, basicamente, todos passamos. As pessoas têm filhos porque querem filho, vão à escola porque querem ir, e intencionalmente vivem até a aposentadoria. Essas são experiências positivas, e só se tornar negativas e motivo de sofrimento por causa do sistema imprestável de bem-estar.
Alguns benefícios, sim, genuinamente e remediam ocorrências que a maioria das pessoas consideraria inerentemente desafortunadas, como ficar incapacitado para trabalhar ou ser demitido. Mas são exceções, não a regra. E no caso de desemprego, tanta gente perde o emprego a cada ano (42% em 2016) que essa experiência é realmente muito mais universal do que muitos supõem.
Além na imprecisão literal, a metáfora da rede de segurança também era no plano retórico. Sugere que o estado normal dos negócios do mundo, para indivíduos e famílias, seria que se mantivessem exclusivamente mediante renda auferida n o mercado, e que os que não possam manter-se desse modo caíram num poço sem fundo. Sugere além do mais que haveria algum estado concebível das coisas no mundo no qual as instituições do estado de bem-estar não seriam necessárias, porque tudo estaria então andando às mil maravilhas.
Tudo isso vale bem pouco, para explicar por que os estados de bem-estar são necessários. Esse modo de pensar identifica os problemas como se fossem tropeços pelo caminho, que os conservadores frequentemente descrevem como fracassos pessoais, quando a história muito melhor do estado de bem-estar localiza o problema nos defeitos inerentes da ordem econômica capitalista.
Sob o capitalismo do 'deixar-fazer' [fr. orig. laissez-faire], só se distribui renda entre os fatores de produção, vale dizer, para o capital e para o trabalho. Se você não possui grande capital ou não tem capacidade e oportunidade para trabalhar, você écompletamente imprestável para o capitalismo e será abandonado, para morrer de fome. Os estados do bem-estar existem não porque algum por acaso ou castigo divino caiu na miséria, mas – e bem diferente disso – porque o capitalismo não tem os meios indispensáveis para prover multidões gigantescas de seres humanos (em qualquer momento em que se investigue, cerca de metade da população do planeta está desempregada) a renda e os serviços de que todas as pessoas necessitam.
Metáfora muito melhor, seja na acuidade seja na retórica, é a metáfora do alicerce. O bem-estar como alicerce fundacional garante um conjunto universal de serviços a partir dos quais as pessoas podem construir a vida. É uma estrutura de apoio permanente, não um arrimo precário e provisório. Claro que o mix de benefícios de bem-estar que cada indivíduo obtenha variará conforme o estágio da vida de cada um esteja, mas o estado de bem-estar como um todo lá estará para todos, todo o tempo, garantindo aos seres humanos a estabilidade necessária mínima para que façam tudo que desejem fazer da própria vida.
Hoje, a metáfora da rede de segurança está tão fundamente enraizada, que tenho certeza de que continuará a garantir a própria potência pode-se dizer, para sempre. O que é muito bom. Frases e palavras sem qualquer precisão não são os maiores problemas do mundo. Mas ainda que a expressão permaneça, temos de insistir em trazer à superfície o significado mais natural: o estado de bem-estar é alicerce fundacional, muito mais que rede de segurança.
O estado de bem-estar não deve existir só para quem careça dele nos momentos de dificuldades extremas: deve existir e estar aí, acessível a todos, todo o tempo.*****
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