16/8/2017, Robert Kuttner, The American Prospect (sobre o veículo, aqui)
Você talvez suponha, pelo que tenha lido nos veículos da mídia-empresa nos EUA, que Steve Bannon estaria nas cordas, semidestruído e, porisso, agindo com mais cautela. Ainda há poucos dias, logo depois dos eventos em Charlottesville, ele estava sendo culpado pela insistente indulgência de Trump para com os brancos suprematistas. Aliados de HR McMaster, conselheiro de Segurança Nacional, declararam Bannon responsável por uma campanha de Breitbart News, do qual Bannon foi diretor, para demonizar o chefe da Segurança dos EUA. Na conferência com a imprensa na 3ª-feira, Trump defendeu Bannon, mas foi defesa morna, no máximo.
Pois Bannon parecia estar em excelente estado de espírito quando me telefonou, na 3ª-feira à tarde, para discutir a política de adotar linha mais dura contra a China, e não mediu palavras para expor os esforços que tem empreendido para neutralizar seus rivais no Departamento de Estado, da Defesa e do Tesouro. "Estão mijando nas calças" – disse ele, passando a detalhar o que faria para tirar do caminho alguns de seus oponentes no [Departamento de] Estado e na Defesa.
Desnecessário dizer, recebi com certo assombro um e-mail do assistente de Bannon, no meio da tarde da 3ª-feira, quando choviam raios e trovões outra vez sobre por causa de Charlottesville, dizendo que Bannon queria encontrar-se comigo. Eu acabava de publicar uma coluna sobre o quanto a China beneficia-se da disputa nuclear entre EUA e Coreia do Norte, e lá eu incluíra algumas palavrinhas escolhidas a dedo sobre o patrão de Bannon.
Escrevi lá que "Em Kim, Trump encontrou alguém igual a ele". E que "O risco de dois doidos arrogantes nos levarem para uma guerra nuclear é mais sério hoje do que em qualquer outro momento desde outubro de 1962." Talvez Bannon planejasse gritar comigo?
Disse ao assistente que estou em férias, mas que poderia falar por telefone. Bannon telefonou imediatamente.
Longe de me repreender por comparar Trump a Kim, ele começou com "É uma grande honra poder finalmente falar com o senhor. Há anos acompanho seus escritos, e acho que o senhor e eu estamos no mesmo barco no que tenha a ver com a China. O senhor está absolutamente certo."
"Estamos em plena guerra econômica com a China", disse ele. "Está tudo bem claro nos escritos deles. Já não se acanham de escrever sobre o que estão falando. Só um dos dois países, eles ou nós, será o hegemon dentro de 25 ou 30 anos, e será a China, se nós seguirmos pelo caminho em que estamos. Na Coreia estão fazendo só jogo de cena, para nos confundir."
Bannon disse que consideraria um acordo no qual a China ficasse encarregada de fazer a Coreia do Norte pôr fim ao programa nuclear, com inspeções verificáveis, e os EUA retirariam seus soldados da península, mas esse acordo lhe parecia distante. Dado que não é provável que a China faça muito mais sobre a Coreia do Norte, e que a lógica da garantida destruição mútua seria sua única fonte de contenção, Bannon não via razões para avançar com sanções comerciais muito duras contra a China.
Bem diferente da ameaça de fogo e fúria, de Trump, Bannon disse: "Não há solução militar [contra as ameaças nucleares da RPDC]. Podem esquecer qualquer solução militar. A menos que alguém resolva o lado da equação que mostra que 10 milhões de pessoas as Seul morreriam por armas convencionais nos primeiros 30 minutos, não sei do que pensam que estão falando. Não há solução militar lá. Eles nos pegaram."
Bannon continuou, falando da batalha que enfrenta dentro do governo, para assumir linha mais dura contra o comércio com a China, e para não cair na arapuca do 'pensamento desejante' contra as práticas comerciais da China. Disse que agora teve de assumir posição mais contida, na esperança de que a China, como negociador honesto, ajude a conter Kim.
"Para mim", disse Bannon, "a guerra econômica com a China é tudo. E temos de nos manter maniacamente focados nisso. Se continuarmos perdendo, acho que estamos a cinco anos, dez anos, no máximo, de chegarmos a um ponto a partir do qual nunca mais conseguiremos nos recuperar."
O plano de ataque de Bannon inclui uma denúncia baseada na Seção 301 da Lei Comercial de 1974 contra chineses coagirem empresas norte-americanas que tenham negócios lá a transferir tecnologia; e dar andamento às denúncias contra dumping nos mercados de aço e alumínio. "Vamos jogar a mesa para cima desses caras. Chegamos à conclusão de que estamos numa guerra econômica. Até agora, eles estão-nos dando uma surra."
Mas e quanto aos inimigos internos que Bannon enfrenta no Departamento de Estado e na Defesa, e que supõem que os EUA podem contar com a ajuda de Pequim na luta na Península Coreana, e no Tesouro e no Conselho Econômico Nacional que não querem tocar no sistema de comércio?
"Oh, eles estão mijando nas calças", disse ele, explicando que a denúncia baseada na Seção 301, que foi suspensa quando eclodiu a guerra de ameaças com a Coreia do Norte, está parada só temporariamente, e em três semanas será revivida. Quanto a outros departamentos do gabinete, Bannon tem grandes planos para marginalizar a influência deles.
"Estou trocando o pessoal na Defesa Leste-asiática. Estou pondo falcões naquele posto. Estou tirando Susan Thornton [chefe interina de Assuntos do Pacífico e do Leste da Ásia] do Estado."
Mas Bannon pode realmente vencer essa luta interna?
"É luta que luto todos os dias por aqui", disse ele. "Continuamos lutando. Há o lobby do Tesouro e do [presidente do Conselho Econômico Nacional] Gary Cohn e Goldman Sachs."
"Temos de fazer isso. A posição padrão do presidente é fazer isso, mas o aparelho está enlouquecendo. Não me entenda mal. É sempre assim, todos os dias."
Bannon explicou que sua estratégia é combater contra os pombos do comércio dentro do governo, ao mesmo tempo em que constrói uma coalizão externa de comércio com os falcões, que inclui direita e esquerda. Daí o telefonema de Bannon, para falar comigo.
Há algumas coisas muito surpreendentes nessa conversa, até aí. Primeiro, na medida em que muitos dos adversários da estratégia comercial de Bannon para a China são outros funcionários do governo Trump, não entendo muito bem como poderia ajudá-lo a ação de recorrer à esquerda. No mínimo, Bannon está dando munição aos próprios adversários para que o pintem como desleal, não confiável.
Mais estranho é o fato de Bannon telefonar a um escritor e editor de publicação progressista (as manchetes de nossas primeiras duas edições depois da eleição de Trump foram "Resistir contra Trump" e "Conter Trump") e pressupor que uma possível convergência de ideias sobre o comércio com a China poderia, sabe-se lá como, remendar a profunda fratura moral e política do nacionalismo branco.
A questão de se o telefonema era sigiloso ou não, absolutamente não surgiu– o que também muito me intrigou no contato com Steve Bannon, de quem não se pode dizer que seja um Bambi no relacionamento com a imprensa. Bannon é provavelmente quem mais completamente conhece a mídia nos EUA.
Perguntei a Bannon sobre a conexão entre seu programa de nacionalismo econômico e o feio nacionalismo branco que se viu na violência racista em Charlottesville e na relutância de Trump a condená-lo. Bannon, afinal de contas, foi o arquiteto da estratégia de usar [a rede] Breitbart para incendiar o nacionalismo branco e depois confiar na direita radical como base de Trump.
Disse que a extrema direita é irrelevante e não comentou o papel que ele próprio teve em cultivá-la: "Esse negócio de etnonacionalismo, coisa de perdedores. São elemento periférico. Acho que a mídia os promove demais e conseguimos ajudar a acabar com eles, você sabe, acabar ainda mais com eles."
"Aqueles caras são um grupo de palhaços" – completou.
Da boca de Bannon, para o ouvido de Trump.
"Os Democratas", disse ele, "quanto mais falarem de política de identidades, mais depressa acabo com eles. Quero que falem de racismo todos os dias. Se a esquerda está focada em raças e identidade, e entramos com nacionalismo econômico, podemos esmagar os Democratas."
Nunca antes eu falara com Bannon. Saí da conversa com uma sensação profunda de o quanto é esperto e atilado, e de o quanto é temerário. As águas estão subindo em volta dele, mas ele prossegue com seu negócio de luta interna, tentando cultivar improváveis aliados do lado de fora, para promover sua estratégia para a China. Façam o que fizerem os seus inimigos.
Ou as notícias de que o emprego de Bannon estaria ameaçado são grosseiramente exageradas e vazadas por inimigos dele, ou ele decidiu não alterar sua rotina e seguir lutando. Dada a impulsividade de Trump, nem Trump nem Bannon têm realmente qualquer ideia, de um dia para o outro, sobre se Bannon fica ou sai. Ele já sobreviveu a ameaças anteriores. Assim sendo, que se danem os torpedos.
A conversa acabou com Bannon convidando-me a visitá-lo na Casa Branca depois do Dia do Trabalho, para continuarmos a discussão sobre China e comércio. Veremos se ele ainda estará lá [Como se viu hoje... parece que não estará (NTs)].*****
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