segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Hillary Clinton preocupa mais a China, que Donald Trump, por Pepe Escobar

15/10/2016, Pepe Escobar, South China Morning Post



"Não tenho cavalo, nessa corrida imunda.
A única diferença que importa é guerra e paz. E Hillary fará guerra."
Pepe Escobar, 14/10/2016, 
Facebook













Quer dizer que você pensou que Donald Trump seria a maior ameaça à paz mundial? E que Barack Obama é o inventor do "pivô para a Ásia"?

Quem inventou o "pivô para a Ásia" foi Hillary Clinton, enfatizando a necessidade de uma "virada estratégica" para os EUA. Foi inventado em outubro de 2011, em artigo intitulado "America’s Pacific Century". O tom era marcial: "Nossos militares são de longe os mais fortes, e nossa economia é de longe a maior." O jornal The South China Sea noticiou corretamente: "Metade da tonelagem do comércio mundial flui por essas águas." Observadores bem informados não precisaram de manual, para ler nas entrelinhas de Clinton um alerta contra o perigo da "linha dos nove traços" da China.

Mapa do Mar do Sul da China, num centro nacional de formação para a Defesa na cidade de Nanjing, província de Jiangsu, no leste da China. Foto: AFP

O ensaio de Clinton apareceu antes do discurso de Obama, em novembro de 2011, ao Parlamento Australiano, no qual ele anunciou oficialmente o pivô. O tema chave foi EUA como "nação do [oceano] Pacífico". O tom, era sobretudo de combate. Só depois de dez longos parágrafos fortemente confrontacionais, chegava-se a um fraco "esforço para construir relacionamento cooperativo com a China".

Quem Pequim preferiria, como presidente dos EUA: Clinton ou Trump?

Como candidata presidencial em 2008, o tom de Clinton era muitíssimo mais composto. Ela admitia que o déficit no orçamento dos EUA era em grande parte sustentado pelos chineses, que compravam títulos do Tesouro dos EUA. Naquele momento, ela parecia alinhar-se à noção muito disseminada no governo em Washington, de que a raiz da hegemonia global dos EUA é econômica.

Cinco anos depois, Clinton mudou substancialmente o próprio modo de pensar, para escrever o artigo sobre o tal "pivô para a Ásia". A fonte foi ninguém menos que o autor intelectual/conceitual do "pivô": Kurt Campbell, então secretário-assistente de Estado dos EUA para a Ásia.

Campbell é exemplar do que se vira na porta giratória privado/público – bolsista do programa Marshall em Oxford, para alunos norte-americanos; do serviço ativo da Marinha; um emprego no Pentágono no governo de Bill Clinton, e do Departamento de Estado no primeiro mandato de Obama, subordinado de Hillary. Precisou de dois anos inteiros para "vencer" a batalha burocrática/intelectual dentro de Foggy Bottom que resultou no ensaio de Hillary Clinton e no discurso de Obama.

O conselho do ex-auxiliar de Clinton para o novo presidente foi "Não ignore a coerção econômica da China".

Desde o primeiro momento o foco do pivô foi, claro, a China – tentativa para alcançar um delicado equilíbrio entre parceiros econômicos/rivais estratégicos. Obama pode ter gingado progressivamente na direção de "rival". Mas, já em meados de 2010, a decisão foi realmente de Clinton. Numa conferência em Hanoi, ela anunciou que os EUA tinham um "interesse nacional" em ver "respeitada a lei internacional no Mar do Sul da China".

Esse foi o momento crucial, quando o confronto crescente entre EUA e China no Mar do Sul da China realmente começou – dali em diante estava criado o quadro para todo o subsequente movimento de "pivô", já formatado como gambito de provocação, super militarizado, com alto risco de escapar completamente ao controle.

Kurt Campbell é hoje principal executivo de um grupo de consultoria que tem centro na Ásia. Também é associado do Centre for a New American Security (CNAS), think-tank em Washington. Foi esse CNAS que apareceu com o mapa do caminho geopolítico a ser adotado por uma agora provável presidente dos EUA. Signatários chaves são o próprio Campbell; o padrinho dos neoconservadores, Robert Kagan; e Michele Flournoy, antes do Pentágono e cofundadora do CNAS.

Clinton tem queixo 'mais forte'. Queixo mais forte significa que ela vencerá, prevê um especialista em ler rostos, em Hong Kong.

"Estender o poder dos EUA: Estratégias para expandir o engajamento dos EUA numa Ordem Mundial Competitiva", título do relatório, que faz serviço de caixeiro viajante, para vender, como se poderia prever, o Excepcionalismo. Fala da "liberdade de navegação" no Mar do Sul da China – expressão código para pôr a Marinha dos EUA para sempre no controle absoluto das rotas marítimas que são parte da cadeia de suprimento da China. Exige uma zona de exclusão aérea na Síria – que poria a Força Aérea dos EUA cara a cara com a Força Aérea da Rússia. E puxa escandalosamente a brasa para a sardinha da Parceria Trans-Pacífico – o braço à moda OTAN comercial do pivô, que exclui a China.

Clinton, que passou a ser a efetiva propagandista defensora do pivô, sempre apoiou, claro, a PTP, desde o início. Mas durante a campanha presidencial, o assunto foi 'deixado de lado'. Se tivesse sido eleita, não há dúvidas de que a PTP seria promovida até os limites do Juízo Final, sem peias.

O mapa do caminho do CNAS de Clinton reapareceu sub-repticiamente no primeiro debate presidencial, quando ela alinhou nada menos que três das cinco "ameaças" existenciais do Pentágono, num só fôlego.

Clinton e Trump cara a cara (vídeo)

Enquanto discutia os ciberataques contra os EUA, Clinton deu jeito de avançar, num só passo, do ciberespaço para a Dominação de Pleno Espectro – a doutrina oficial do Pentágono desde 2002.

"Seja Rússia, China, Irã, quem for, os EUA têm muito maior capacidade. E não vamos esperar sentados e inertes, nem permitir que atores estatais partam para roubar nossa informação, informação sobre nosso setor privado ou informação sobre nosso setor público" – disse ela.

O recado era claro: o Pentágono está perto, espiando – em todos os domínios – essas três "ameaças existenciais" que acontece de serem, também, as potências chaves mais ativas na integração da Eurásia: Rússia, China e Irã.

A "Doutrina da Dominação de Pleno Espectro" também implica predominância nuclear. A garantia de um primeiro ataque nuclear norte-americano – com certeza, por que não?, contra uma daquelas "ameaças" existenciais top do Pentágono – é vetor crucialmente importante dessa doutrina, à qual se subordina o pivô para a Ásia. Não surpreende que Clinton, defensora do pivô, não tenha podido rejeitar a doutrina no primeiro debate.

Aliados de Trump movimentam-se para controlar os danos provocados pelo forte desempenho de Clinton no debate

Mesmo assim, Trump, numa única frase, bem curta, pode ter realmente afastado o risco de uma iminente 3ª Guerra Mundial, se for presidente. Disse ele: "Eu, com certeza, nunca serei o primeiro a atacar".

O relatório do CNAS é, essencialmente, uma versão diluída da Dominação de Pleno Espectro do Pentágono. China, assim como Rússia e Irã, são vistos essencialmente como potências hostis dedicadas à integração eurasiana – obstáculo entre o "Século do Pacífico" dos EUA ou um irreversível, tumultuado declínio. É o sentimento que se vê em Washington, bipartidário, de neoconservadores/neoliberal conservadores. E a pivotagem com primeiro ataque nuclear, de Clinton, é a Grande Esperança Branca deles todos.*****

2 comentários:

Anônimo disse...

A Rainha da Guerra vai ganhar. Trump não terá chances. Até os chineses afirmam.

Fernando Trindade disse...

Apenas para agradecer ao Alok por disponibilizar excelentes artigos que jamais leríamos na grande mídia corporativa.