quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A mais nova arma letal da Rússia

17/9/2015, Pepe Escobar, RT




Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Sergei Glazyev, assessor do presidente Vladimir Putin

Comecemos com um pouco de política russa clássica. O ministro de Finanças Anton Siluanov está traçando a estratégia econômica da Rússia para 2016, inclusive o orçamento do governo. Siluanov – essencialmente liberal, favorável ao investimento estrangeiro – apresentará suas ideias ao Kremlin no final de setembro. 

Até aqui, nada de espetacular. Mas então, há poucos dias, o jornal online Kommersant vazou que o Conselho de Segurança da Rússia solicitou que Sergei Glazyev,[1] assessor da presidência, concebesse estratégia econômica separada, a ser apresentada ao conselho essa semana. Não chega a ser total novidade, porque o Conselho de Segurança da Rússia no passado já várias vezes consultou pequenos grupos de estudos estratégicos, para conhecer a avaliação deles no campo da economia.

O Conselho de Segurança é presidido por Nikolai Patrushev, ex-diretor do Serviço Federal de Inteligência. Patrushev e Siluanov não trabalham exatamente no mesmo comprimento de onda. 

E aqui entram os detalhes para engrossar o caldo do enredo. Glazyev, economista brilhante, é russo empenhadamente nacionalista – e recebeu sanções pessoais aplicadas contra ele pelos EUA.

Pode-se contar com que Glazyev não economizará munição. Ele é declaradamente a favor de as empresas russas serem proibidas de operar em moeda estrangeira (o que faz perfeito sentido); de se imporem taxas à conversão de rublos para moedas estrangeiras (também faz perfeito sentido); de se proibirem empréstimos externos a empresas russas (os feitos em dólares norte-americanos ou euros); e – o tiro de misericórdia –, induzir as empresas russas que tenham empréstimos a pagar ao ocidente, a não pagar.

Como seria de prever, alguns setores da Think-tankelândia piraram totalmente; imediatamente 'declararam' que com absoluta certeza "o setor russo de energia não encontraria muitas fontes de financiamento sem conexões com o ocidente". Tolice. As empresas russas encontrariam financiamento fácil de fontes chinesas, japonesas ou sul-coreanas.

Seja quanta for a atenção que Glazyev obtenha dentro do Kremlin, o episódio inteiro significa que Moscou não tem ilusão alguma quanto ao futuro próximo associado aos excepcionalistas (para o que, basta olhar a relação de candidatos à presidência, de ‘El Trumpissimo’ [aproximadamente "O trunfíssimo" (NTs)], à 'Hillarator’). Como disse recentemente o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergei Ryabkov, "devemos esperar sempre maior pressão das sanções."

Mas uma coisa é absolutamente certa: Moscou não vai recuar para "pacificar" Washington.

Talvez um... neoczarismo?

Pode-se ser tentado a ver os planos de Glazyev como uma volta a uma espécie de czarismo autossuficiente, que cortaria laços com o ocidente. Assumindo que alguma versão próxima disso venha a ser aprovada pelo Kremlin, certo é que pode vir a converter-se em golpe terrível, do qual há risco de a União Europeia não se recuperar.

Imaginem a Rússia não pagando nem um vintém da sua dívida externa de mais de $700 bilhões – sobre os quais as sanções ocidentais acrescentaram custos extra, punitivos, a serem saldados.

O calote seria revide pela dupla manipulação ocidental, dos preços do petróleo e do rublo. A manipulação envolveu jogar no mercado de petróleo mais de 5 milhões de barris/dia a mais, da reserva acumulada por uns poucos suspeitos de sempre, plus manipulação de derivativos na NYMEX, que derrubaram o preço.

Depois, a manipulação derivativa do rublo derrubou a moeda. Quase todas as importações para a Rússia foram virtualmente bloqueadas – e exportações de petróleo e gás continuaram constantes. No longo prazo, assim se criaria significativo superávit na balança de pagamentos para a Rússia: fator muito positivo para o crescimento de longo prazo da indústria doméstica russa.

Vladimir Yakunin, ex-diretor das Ferrovias Russas, desligado no processo de reformulação da empresa, disse recentemente à AP, em termos bem claros, que o objetivo das sanções dos EUA contra a Rússia sempre foi separar economicamente a Rússia, da Europa.

Sanções, combinadas a especulação contra o petróleo e o rublo, empurraram a economia russa para a recessão em 2015. Yakunin, como a maior parte da elite econômica/empresarial, conta com que as dificuldades econômicas da Rússia durarão, no mínimo, até 2017.

Atualmente, os únicos produtos russos dos quais o Ocidente precisa são petróleo e gás natural. Calote da dívida russa não teria qualquer efeito nessa demanda no curto-prazo; e provavelmente tampouco no longo prazo, a menos que contribua para uma nova crise financeira no ocidente, semelhante ao que quase aconteceu em 1998.

Todos recordamos agosto de 1998, quando o calote russo sacudiu todo o sistema financeiro ocidental até o fundo. Se a possibilidade de calote da Rússia é hoje objeto de exame sério pelos mais altos escalões do poder naquele país – dentre os quais, claro, FSBSVRGRU – não há dúvida de que o fantasma da Crise Financeira Mãe de Todas as Crises Financeiras no Ocidente está de volta. E para a União Europeia pode ser fatal.

Não conseguimos saquear em paz e a culpa é sua 

Entra em cena o Irã. O fim das sanções contra o Irã – que se espera que aconteça no início de 2016 – nada tem a ver, na verdade, com o dossiê nuclear. É um "Grande Jogo do Oleogasodutostão" que tem tudo a ver com petróleo e gás natural.

O sonho mais molhado de EUA e UE – continua a ser substituir a Rússia pelo Irã, em termos de gás natural e petróleo importados para a UE. Todos os analistas sérios sabem que pode demorar no mínimo dez anos e exigir mais de $200 bilhões em investimentos, para nem lembrar que a Gazprom resistirá com todas as – formidáveis armas – comerciais – de seu arsenal.

Ao mesmo tempo, as potências financeiras ocidentais no eixo New York-Londres não previram que Moscou não se curvaria, nem previram que Putin não aceitaria as 'ordens' ocidentais para retirar-se da Ucrânia – de modo que o 'ocidente' pudesse saquear à vontade as riquíssimas terras agricultáveis ucranianas. Evidentemente, o ocidente não estuda história: Putin tampouco está retrocedendo, quando impede o 'ocidente' de saquear a Rússia.

Assim, todo o lamentável, terrível episódio Kiev, assim como o gambito para expansão infinita da OTAN, também foram jogadas cujo objetivo era impedir Putin de impedir que o 'ocidente' saqueasse a Ucrânia.

O resultado disso tudo é uma deriva geopolítica de dimensões tectônicas: a reconfiguração de todo o equilíbrio mundial de poder, com Rússia e China aprofundando sua parceria estratégica – baseada numa ameaça externa que as atinge ambas, vinda principalmente dos EUA, com a UE como acessório. A inteligência russa sabe muito bem que a aliança torna invulneráveis Rússia e China – as quais, separadas, cairiam facilmente vítimas do "Dividir e Mandar", marca registrada da destruição.

Quanto ao aspecto anti-OTAN, a Rússia teve muito tempo para se remilitarizar, focada em mísseis de defesa e de ataque – que são chaves para alguma futura grande guerra, não os obsoletos pesadões porta-aviões dos EUA. Os mísseis russos de defesa, como o ultramoderno estado-de-arte sistema S-500 e os Topol M de ataque – cada um dos quais transporta 10 MIRVs – podem facilmente neutralizar qualquer coisa que o Pentágono têm na prateleira.

Depois da Rússia, os "Masters of the Universe" financeiros tentaram atacar a China, por ter-se aliado à Rússia. Os suspeitos financeiros de sempre atacaram o mercado chinês de ações, tentando derrubar o que houvesse, servindo-se de intermediários em Wall Street para manipular os mecanismos de compensação, primeiro inflando os preços das ações preferenciais chinesas padrão "A", para criar um boom gigante, e na sequência invertendo os valores da compensação, para derrubar o mercado.

Não surpreende que Pequim, que entendeu perfeitamente o que se passava, tenha: intervindo massivamente; esteja estudando ativamente todos os movimentos das compensações; e esteja analisando todos os registros dos principais corretores de ações na China.

Batida para prender os suspeitos no banco central 

O Kremlin tem de tomar uma atitude naquele Banco Central da Rússia.

O BC russo manteve os juros altos, obrigando produtores russos de petróleo e gás a financiar suas operações com recursos obtidos de fontes ocidentais, o que empurrava a economia russa para dentro da armadilha da dívida.

Esses empréstimos à Rússia eram parte do mecanismo de controle pelo eixo financeiro New York-London. Se Moscou 'desobedecesse' o ocidente, o ocidente exigiria pagamento imediato, depois de ter derrubado o rublo, tornando impossível qualquer pagamento – como fizeram contra o Irã.

Esse é o mecanismo mediante o qual o 'ocidente – e suas instituições, o FMI, o Banco Mundial, o Banco Internacional de Compensações, a gangue toda – 'governa'. Pequim está-se movimentando, seja para complementar seja para substituir esse cenário por novas instituições internacionais mais democráticas.

Se o Banco Central da Rússia estivesse operando sob fundamentos mais confiáveis, teria emprestado dinheiro a juros mais baixos que o 'ocidente', e teria conectado cada empréstimo a um investimento produtivo. É modus operandi completamente diferente do que fazem os EUA – onde a maior parte do crédito distribuído pelo Banco Central vai para bancos e financeiras para que possam perpetrar seus ataques especulativos.

Michael Hudson, dentre outros, já demonstrou como o Fed só serve aos interesses de seus patrões financistas e não dá nem bola para a infraestrutura industrial dos EUA, que foi progressivamente migrando para as colônias e/ou estados vassalos, e também para a China.

Foi quando os "Masters of the Universe" acharam que aplicar pressão muito hardcore sobre ambas, Rússia e China funcionaria. Não funcionou. Há boas razões para preocupação: os "Masters of the Universe" continuarão a subir a aposta, mais e mais e mais.

O cenário à frente mostra a Rússia aproximando-se cada vez mais do oriente, ao mesmo tempo em que labuta para se descolar da teia institucional do ocidente. 

A fusão da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda codinome "Um Cinturão, Uma Estrada" puxada(s) pela China, com a União Econômica Eurasiana puxada pela Rússia, embora lenta e cheia de obstáculos e despenhadeiros, é irreversível. Interessa aos dois lados investir para desenvolver um empório pan-Eurasiano.

O gás natural iraniano irá principalmente para a parte asiática da Eurásia, não para a União Europeia. E a economia chinesa estará trabalhando para se autotriplicar, no mínimo, nos próximos 15 anos – enquanto os EUA continuam a desindustrializar-se.

Seja o que for que Putin e Obama discutam num possível futuro encontro no final do mês em New York, nada fará diminuir a pressão excepcionalista sobre o urso. Faz sentido, pois, que o urso mantenha engatilhada no arsenal uma arma financeira letal.*****




[1] A Vila Vudu, sempre interessada no que interessa aos BRICS [e que venha a Argentina] acompanha o trabalho e o pensamento de Sergei Glazyev há muito tempo. Ver "Aliança anti-dólar; "Entrevista com SG"; "Plutocracia ocidental", dentre outros artigos traduzidos [NTs].

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