quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Europa pressiona EUA sobre a Síria

É tempo de mais ação (séria) e menos palavreado (oco) 

21/9/2015, MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Entreouvido na Vila Vudu:


O embaixador MK Bhadrakumar é 'fã' incondicional de Obama, que, para ele, seria um gênio estratégico. É a posição também de Alfred McCoy, exposta em detalhes em "Maintaining American Supremacy in the Twenty-First Century", 15/9/2015, em TomDispatch (que não traduzimos nem traduziremos, mas que talvez tenha boas informações para especialistas que leem inglês). 

O postado aqui traduzido é um aplicado esforço para reconhecer a clara evidência de que o presidente Bashar Al-Assad sempre teve integral razão, nas incontáveis vezes que disse que estava lutando contra forças terroristas criadas e sustentadas pelo 'ocidente', mas sem expor a TOTAL DESMORALIZAÇÃO da 'política' do governo Obama para a Síria (herdada, sim, da secretária Clinton-Nuland-Powers, mas que Obama não alterou e, sim, manteve e aprofundou). Nesse sentido deve-se interpretar a ideia segundo a qual Obama teria "optado" pela trilha diplomática. 

Em fim de mandato, acossado pelos próprios fracassos em ano pré-eleitoral, verdade é que Obama não está "optando" muito, nem pela diplomacia nem, de fato, por coisa alguma. Está reagindo como pode – e contando com 'interpretadores' solidários. O título do postado dizia "nudges", aproximadamente e juvenilmente, "cutuca". Corrigimos, por nossa conta, para "pressiona", porque é o que é, e não temos nenhum compromisso com a 'isenção' – que é indiferença – dita 'diplomática'.
  
Decidimos traduzir o postado do emb. Bhadrakumar porque, apesar do inescapável viés obamista, em vários sentidos esse é, sim, um postado histórico, que provavelmente marca o início do fim do Império Anglo-Sionista como o ocidente o conheceu desde o final da 2ª Guerra Mundial. A luta continua [NTs].






Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



O que o secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha Philip Hammond e o secretário de Estado dos EUA John Kerry, em visita a Londres, disseram aos jornais e televisões depois de se reunirem no sábado, deixou a impressão de que há uma redução geral nas tensões entre o ocidente e a Rússia. A distensão há de ter algum efeito 'colateral' na busca de solução para o conflito na Síria.

É preciso algum tempo para que a tendência positiva apareça fidedignamente refletida na retórica 'Leste-Oeste', porque dos dois lados há que superar algum orgulho ferido. Mas a tendência é visível nos comentários de Hammond e Kerry. Numa virada interessante no discurso 'Leste-Oeste', a Ucrânia parece ter sido extraída da relação dos pontos do planeta onde há confronto ou conflito entre o Ocidente e a Rússia. Nem Hammond nem Kerry serviram-se do palavreado duramente cenográfico de sempre, para criticar a Rússia.


De fato, os dois evitaram todo e qualquer comentário crítico contra a Rússia. Ninguém repetiu a conversa de sempre de que haveria presença russa em solo no Donbass, nem ninguém citou a Crimeia, nem ninguém ameaçou a Rússia com sanções ocidentais. Bem ao contrário, Kerry deixou bem claro, para que Kiev entendesse, que os acordos de Minsk são o único pôquer que há na cidade, e conclamou todos a se aplicarem para implementar integralmente o acordo. Chegou a elogiar a influência moderadora da Rússia sobre os separatistas no Donbass. O que Kerry fez foi endossar o Formato Normandia, e disse que "a total implementação de Minsk é a via para resolver tensões que existiram entre Rússia e o Ocidente”.


Não há dúvidas de que a distenção nas posições sobre a Ucrânia pode ter efeitos também sobre o conflito na Síria. Quanto a isso, Kerry fez alguns comentários extremamente significantes, deixando ver uma abordagem flexível e pragmática dos EUA, visando à resolução do conflito, mais do que a velha pregação de 'mudança de regime' na Síria, e falou da Rússia (e do Irã) como parceira(os) em prospectiva na busca da solução. Os seguintes comentários de Kerry merecem especial atenção:
"Penso que durante o último ano e meio repetimos que Assad tem de sair. Mas quando, segundo que modalidade, são decisões que devem ser tomadas no contexto do processo e das negociações de Genebra. Durante algum tempo dissemos que não tem de ser no primeiro dia, nem no primeiro mês, ou em qualquer data. Há um processo pelo qual todas as partes têm de se reunir e chegar a um entendimento de como isso pode ser obtido. Não tenho a resposta, nem algum tipo de cronograma específico (...) Claro que, no fim, a decisão cabe ao povo sírio.

Mas temos de chegar às negociações. É o que esperamos, e contamos com que a Rússia e qualquer – o Irã, outros países que tenham influência, ajudarão a chegar lá.

Estamos preparados para negociar (...) E deixamos bem claro que estamos abertos. Deixamos bem claro que não estamos sendo doutrinários sobre data ou hora específicas. Estamos abertos."



É bem evidente que Washington não está em modo confrontacional vis-à-vis a maior presença da Rússia na Síria. Talvez ainda sobrevivam ressentimentos e desconfianças quanto às intenções dos russos (porque o movimento de Putin colheu Wahington de surpresa), e surgiram "graves questões" sobre a "presença de aeronaves com capacidade para combate ar-ar, além de mísseis ar-terra-terra-ar”. Mas, Kerry destacou, as conversações militares com Moscou visam a tratar daquelas "graves questões", e assim sendo,
"tratemos de nos dedicar imediatamente a um esforço para desmontar o conflito, para que não haja potencial de erro, ou de algum acidente de algum tipo que produza maior potencial de conflito”.



Interessante: um dia depois, no domingo, em conferência conjunta de imprensa em Berlin, com Kerry presente, o ministro de Relações Exteriores da Alemanha Frank-Walter Steinmeir disse que "recebo com grande satisfação o fato – e recebemos relatórios aqui na Alemanha – do crescente engajamento militar da Rússia na região”.

Quanto à decisão do Kremlin, de enrolar as mangas e entrar na luta contra o Estado Islâmico, os EUA (e os aliados europeus) com certeza receberão a notícia com entusiasmo. Assim também, Kerry não repetiu a restrição inicial dos EUA, de que o engajamento militar dos russos fortaleceria o regime sírio. Washington já não está vendo a Rússia com algum interesse em explorar o conflito sírio para estabelecer presença estratégica em solo.

Claro, os EUA já não falam de alguma 'condição prévia', de que Assad tenha de deixar o governo; já nem estão marcando prazo limite; e já admitem que, em última análise, nenhuma precondição é possível, porque "no final" o grande árbitro é o povo sírio. De fato, em Berlin, Kerry repetiu o que havia dito na véspera, em Londres:

"Temos dito consistentemente que (...) há um processo de transição. Agora, ele terá de ser definido mediante negociação. Ninguém sabe que resposta haverá (...) Mas muita gente já aceitou que nada acontecerá no primeiro dia, nem na primeira semana; tem de haver algum tempo. Não sei o que é, mas tem de ser negociado (...) Portanto a chave aqui é chegar a essa negociação com realismo quanto ao que é realmente possível."

Não há dúvidas de que é momento de definição. Inobstante a gigantesca pressão de detratores e críticos dentro dos EUA (e fora, em Israel, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos et al.) para que os EUA assumam papel de intervencionismo hiperativo na Síria, o presidente Obama optou pela trilha diplomática.[1]


É resultado que emana da realidade pétrea de que a estratégia dos EUA, durante uma década, para forçar 'mudança de regime' na Síria acabou presa num beco sem saída. Além do mais, o cenário regional mudou fenomenalmente. 

Arábia Saudita e Turquia, os dois países que fizeram tudo que puderam para desestabilizar a Síria, estão agora mergulhados em seus próprios problemas existenciais – e também o Qatar já desistiu de suas ambições regionais construídas em torno da Fraternidade Muçulmana logo depois da "Primavera Árabe". 


Mais outra virada dramática: o Egito já pulou para o barco russo e certamente já vê Assad como importante barreira contra grupos islamistas radicais.

Mas, sobretudo, os aliados europeus dos EUA perderam completamente a fé, apanhados agora na terrível emergência de ter de enfrentar a questão dos refugiados, e já temendo o espectro do Estado Islâmico que se aproxima deles. 

O longo, profundo, melancólico rugido europeu, enquanto vai-se distanciando da agenda de 'mudança de regime' dos EUA para a Síria será, com certeza, audível em Washington. Os restos da tragédia do conflito sírio já chegaram à Europa. 


Por mais que permaneçam seguros e intocados, os EUA não conseguirão lavar as mãos da responsabilidade política e moral pela horrenda tragédia que se desenrola aos olhos do mundo.

Ao mesmo tempo, o próprio conflito sírio também se transformou. Hoje, o Estado Islâmico é o principal beneficiário da agenda de 'mudança de regime' criada e gerida pelos EUA e seus aliados regionais. Os tais "moderados" da oposição síria, viraram macabra piada universal. O que significa que o que se vai delineando é uma confrontação entre forças do governo sírio e o Estado Islâmico. 

Com ataques aéreos contra o EI absolutamente não tendo qualquer efeito importante, Washington terá agora de mostrar capacidade pragmática para utilizar todas as capacidades que encontre em solo.

O que se tem pela frente? Visitas de Kerry durante o fim-de-semana a Londres e Berlim para consultar aliados chaves prepararam o terrenos para discussões intensas entre vários protagonistas – Rússia, Irã, Arábia Saudita, Turquia, em particular –, discussões que, sem sombra de dúvida, acontecerão ao longo da próxima semana em New York, quando os governantes mundiais estarão reunidos para a Assembleia Geral da ONU.

O modo como o ocidente passou rapidamente a acolher a intervenção militar dos russos na Síria assinala claramente que se inicia agora um novo capítulo nesse relacionamento. É bom augúrio, com vistas à solução do conflito na Síria. 

Resumo da história é que a liderança trans-atlântica dos EUA depende agora existencialmente de se construir solução rápida para o conflito na Síria, o qual já ameaça a segurança da Europa. 

Em comentário absolutamente extraordinário, Steinmeir realmente pressionou os envolvidos – EUA incluídos – a "pôr de lado, por hora, interesses nacionais" e a responder com a seriedade que a ocasião exige. (Transcrições, na página oficial (ing.).) *****


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