sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Rússia e Síria: a sorte está lançada

 3/9/2015, Israel Shamir,* Unzreview


São muitos os rumores (até agora negados pelo Kremlin e pelo presidente da Russia Vladimir Putin) de que os russos intervirão de maneira mais contundente na Síria. Entretanto, experientes analistas tem se mostrado incrédulos quanto a esta possibilidade. Alertamos aos leitores que até o momento não há qualquer evidência de que isto venha a acontecer (aqui três análises do The Saker contestando esta possibilidade: 1, 2 e 3). Ao contrário, as evidências até aqui apresentadas são frágeis. De qualquer forma, trazemos ao leitor mais um artigo que sustenta esta controversa tese. (nota do Blog)





Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu





Apesar de dúvidas e negativas, a Rússia está a caminho de embarcar numa ambiciosa expansão de sua presença na Síria, que muito provavelmente inverterá o jogo naquele país devastado pela guerra. A pequena e antiquada base naval russa, usada para reparos, em Tartus, será ampliada; e Jableh, perto de Latakia (antiga Laodicea) será convertida em Base da Força Aérea russa e base naval russa no leste do Mediterrâneo, do outro lado do estreito de Bósforo. As massas jihadistas que estão acossando Damasco serão reduzidas à obediência e à ordem, e o governo do presidente Assad será salvo do sítio e do perigo. A guerra contra o Da’esh (ISIS) dará cobertura a essa operação. Essa é a primeira notícia sobre esse importante desenvolvimento, baseada em fontes russas confidenciais e até aqui sempre confiáveis, em Moscou.

O respeitado jornalista francês de investigação e dissidente Thierry Meyssan que trabalha em Damasco, já registrou a presença na cidade de muitos conselheiros e assessores russos. Os russos começaram a partilhar imagens de satélites em tempo real com seus aliados sírios – Meyssan também noticiou. Um website israelense de notícias disse que "a Rússia já começou sua intervenção militar na Síria" e previu que "nas semanas próximas devem chegar à Síria milhares de militares russos." Os russos imediatamente desmentiram.

Há poucos dias, o presidente Bashar al Assad já sinalizara nessa direção, ao manifestar total confiança no apoio dos russos a Damasco. Primeiro, há poucas semanas, pousaram em Damasco seis jatos de combate MiG-31, como noticiou o jornal oficial RG. Michael Weiss, do blog Daily Beast, de extrema direita, apresentou quadro apavorante de uma penetração russa na Síria. O jornal Al-Quds Al-Arabi falou de Jableh como uma locação de segunda base.


Agora já podemos confirmar que, conforme ouvimos de fonte segura, apesar dos desmentidos, a Rússia jogou seus dados e tomou a decisão importantíssima de entrar na guerra da Síria. Essa decisão ainda pode salvar a Síria do total colapso e, além disso, pode também salvar a Europa de ser afogada em ondas de refugiados. A força aérea russa combaterá, ostensivamente, contra o Da’esh (ISIS), mas provavelmente (como Michael Weiss sugeriu) também bombardeará não só o Da’esh, mas também a oposição financiada pelos EUA (al-Nusra, ex al-Qaeda) e outros extremistas islamistas não Da’esh, pela simples razão de que é impossível distingui-los dos 'verdadeiros' Da’esh.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov propôs-se a organizar uma nova coalizão contra o Da’esh que incluiria o exército de Assad, sauditas e algumas das forças da oposição. O enviado dos EUA que visitava a Rússia disse que não há chance alguma de os sauditas ou outros estados do Golfo algum dia aceitarem unir forças com Bashar Assad. 

A Rússia ainda mantém seus planos para construir essa coalizão. Porém, dado que os EUA rejeitaram a ideia, parece que o presidente Putin decidiu agir.

A Rússia está preocupada com alguns sucessos do Da’esh, cujos terroristas lutam e deslocam grupos cristãos na Síria – e a Rússia vê-se como protetora tradicional desses grupos. A Rússia também quer evitar que os Da’esh iniciem operações em áreas muçulmanas da Rússia, no Cáucaso e no Rio Volga. E a coalizão antiterror comandada pelos EUA não deu nem para a saída.

EUA e Turquia combatem ostensivamente contra o Da’esh, mas têm seus próprios interesses, absolutamente diferentes dos interesses de sírios, europeus e russos. A Turquia combate os curdos – que são poderosos inimigos dos terroristas Da’esh. Os EUA usam a guerra contra o Da’esh como cortina de fumaça para atacar o governo legítimo do presidente Bashar Assad que foi recentemente reeleito por vasta maioria dos sírios. 

Fato é que o Da’esh não dá sinais de estar sofrendo muito com os ataques aéreos dos EUA – ao contrário do Exército Árabe Sírio. 

O mais grave de tudo é que os EUA enviaram para a Síria centenas de terroristas treinados, depois de rearmá-los na Jordânia e em outros pontos. Recentemente, David Petraeus propôs que os EUA armassem a Frente al-Nusra da al-Qaeda, para que combatesse contra o Da’esh. Essa ideia é risível, idiota, o que não significa que os EUA a tenham descartado.

Os EUA e aliados desgraçaram a Síria. Os EUA estão longe, e podem gozar o espetáculo. A Europa perde tudo e, porque está próxima, ainda tem de enfrentar a invasão de um mar de refugiados. Turquia é perdedora direta, porque é alvo de refugiados e de terroristas; o presidente Erdogan vai rapidamente perdendo em popularidade e em legitimidade; os padrões de vida da população estão em declínio – e todas essas são consequências das políticas ensandecidas de Erdogan, contra a Síria.

Agora a Rússia de Putin está assumindo a difícil tarefa de salvar toda essa situação. Se Erdogan, Obama, Kerry e os sauditas algum dia pensaram que Putin abandonaria Assad, agora terão um duro despertar dessas suas ilusões tolas. 

A posição russa é sofisticada e cheia de nuances. A Rússia não combaterá por Assad, assim como não combateu por Yanukovych na Ucrânia. A Rússia entende que cabe aos sírios decidirem pelo voto quem querem ter como presidente. Seja Assad seja outro presidente – é assunto interno da Síria. Mas por outro lado, Obama e aliados combatem, sim, contra Assad, sob o pretexto de que ele teria "perdido a legitimidade".

Não há dúvida alguma de que Assad é problema grave para os EUA. Bem ao contrário, a Rússia não tem problema algum com o presidente Assad. Para os russos, enquanto os sírios votarem em Assad, Assad deve governar. Se alguns membros da oposição aceitarem participar do governo, melhor ainda.

A Rússia não tem planos para combater contra a oposição armada per se, desde que essa oposição se disponha a participar de negociações pacíficas e não se ponha a exigir o impossível (por exemplo, que "Assad tem de sair" à moda hilária). 

Na vida real ninguém consegue distinguir grupos legítimos, grupos ilegítimos e os terroristas do Da’esh. Todos provavelmente se sentirão atacados quando os russos começarem o serviço, para valer. Melhor farão se, o quanto antes, começarem a construir negociações com o governo, com vistas a alguma espécie de acordo. A alternativa (destruição da Síria, milhões de refugiados, extinção do cristianismo no Oriente Médio e ataque de jihadis diretamente contra a Rússia) é horrível demais para ser cogitada.

A guerra na Síria está longe de ser operação segura para a Rússia. Essa é a razão pela qual Putin tem-se esforçado, desde 2011, para adiar o envolvimento direto. O adversário é bem armado, tem algum apoio em solo, e conta com o dinheiro e o fanatismo dos guerreiros das petromonarquias do Golfo, todos dispostos a lançar uma onda de ataques terroristas em território russo. 

A posição dos EUA é ambígua: Obama e equipe não reagem contra o crescente envolvimento dos russos. Para Thierry Meyssan, Obama e Putin já teriam firmado algum acordo sobre a necessidade de derrotar os terroristas do Da’esh. Para Meyssan alguns funcionários e generais norte-americanos (Petraeus, Allen) gostariam de minar qualquer acordo desse tipo; e o mesmo se pode dizer dos Republicanos e dos Neoconservadores dentro e fora do governo Obama.

Alguns funcionários russos manifestaram preocupações. Talvez o silêncio de Obama seja uma espécie de armadilha, para atrair Putin para a Guerra na Síria. Não esqueçamos que os EUA empurraram Saddam Hussein para invadir o Kuwait. Aviões russos e norte-americanos sobre a Síria poderiam ter encontros hostis. Outros dizem que a Rússia deveria, antes, envolver-se na Ucrânia, não na Síria. Ou não? Mas a decisão do presidente Putin, de entrar na guerra pela Síria, faz sentido.

Guerra longe de casa implica desafios logísticos, como os EUA aprenderam no Vietnã e no Afeganistão, mas muito mais perigoso seria esperar que a guerra respingue para dentro do próprio território russo. Em teatro distante, exército, marinha e força aérea russa conseguirão mostrar a que vieram.

Se os russos forem bem-sucedidos, a Síria reconquistará a paz, refugiados poderão voltar para casa, e a Rússia permanecerá para sempre no leste do Mediterrâneo. O sucesso dos russos esfriará o ânimo belicoso doentio de tantos em Washington, Kiev, Bruxelas. Claro que, se os russos falharem na Síria, a OTAN se convencerá de que a Rússia está madura para ser colhida e poderá atrever-se a tentar levar adiante a guerra.

Pode-se comparar com as campanhas militares dos anos 1930s. Os russos, comandados pelo brilhante marechal Zhukov derrotou os japoneses em Khalkhyn Gol em 1939, e os japoneses assinaram o pacto de Neutralidade com os russos e não atacaram a Rússia durante a guerra soviéticos/Alemanha. Mas o Exército Vermelho deu-se mal contra o marechal Mannerheim na Finlândia em 1940, e isso encorajou Hitler a iniciar a guerra.

Dessa vez, a Rússia agirá dentro dos parâmetros da lei internacional, diferente do a aventura de Saddam Hussein no Kuwait. Enquanto os EUA e a Turquia bombardearam e supliciaram a Síria sem qualquer atenção ao legítimo governo daquele estado, a Rússia lá estará com a permissão e por convite das autoridades sírias, como aliada. Há um Tratado de Defesa Mútua entre Rússia e Síria. O governo sírio ofereceu aos russos instalações, aeroportos e portos para os objetivos da defesa.

As Igrejas Cristão do Oriente Médio recebem a Rússia como bem-vinda e pedem ajuda contra o massacre pelos jihadistas. A antiga Igreja Ortodoxa a Antióquia e a Igreja Ortodoxa de Jerusalém também receberam com alívio o envolvimento dos russos. O clérigo palestino de mais alto escalão e muito ativo politicamente, o arcebispo Theodosius Atallah Hanna disse que conta com que os russos consigam devolver a paz à Síria e os refugiados de volta às suas casas.

Quanto aos europeus, é a chance de buscarem absolvição pelo crime de apoiar cegamente as políticas dos EUA e de não acolher com respeito os refugiados que lotam suas estações de trens e hospedarias.

Se der certo, essa iniciativa de Putin na Síria contará como uma das maiores realizações do presidente da Rússia. Putin está jogando com as cartas bem fechadas junto ao peito. Essa é a primeira notícia confirmada, sobre esse assunto, que brota do círculo mais interno do governo da Rússia. *****

* Israel Shamir escreve de Moscou. Recebe e-mails em adam@israelshamir.net

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