terça-feira, 8 de setembro de 2015

Crise dos refugiados - A natureza genocida das intervenções de EUA-OTAN

7/9/2015, Kieran Kelly,* Global Research


O mundo repentinamente se deu conta de que há uma "crise de refugiados". Há mais refugiados hoje que em qualquer outro momento desde o fim da 2ª Guerra Mundial. O número triplicou desde o final de 2001. O problema é tratado como se fosse novo, mas está à vista já há muito tempo. A pressão vem crescendo e se acumulando, até que afinal pôs abaixo as represas da ignorância mais mal-intencionada.






Traduzido Pelo Coletivo Vila Vudu





Morte e desespero migraram para a porta de entrada da Europa. Mas não se trata só de as pessoas abandonarem a terra onde nasceram e onde vivem, trocada por futuro incerto e perigoso de luta desesperada. As forças que criaram essa crise são massivas e de escala histórica. As pessoas estão agora confrontadas com uma mínima fração dos horrores pelos quais estão passando milhões e milhões nos últimos 14 anos. A crise dos refugiados é mero sintoma da realidade muito maior e muito mais brutal. Não se trata de alguma "crise atual" que terá a sobrevida de meia dúzia de pautas 'jornalísticas'; e, o que quer que seja, não será resolvido com "suporte humanitário".

A crise que estamos vivendo é semelhante, em magnitude, à da 2ª Guerra Mundial, porque os eventos que a estão causando são praticamente tão radicais e avassaladores quanto uma Guerra Mundial. Os que deixam a própria casa hoje enfrentam perigo muito maior de morte que os que buscavam asilo há 20 anos, e isso, quando o números de desesperados já alcança as dezenas de milhões.

A crise está sendo causada por um novo holocausto, mas dessa vez todos se recusam a reconhecer. Os fatos da violência em massa e da destruição em massa não estão, porém, ocultos. Todos podemos ver a destruição e a morte que advêm sempre que há intervenção ocidental, mas insistimos em viver em estado de negação e na ignorância mais mal-intencionada, exatamente como os alemães negaram o fato e a natureza óbvia do genocídio que os próprios alemães estavam levando a cabo. Não queremos entender. 

O problema é que, como os alemães dominados pelo nazismo, nossa ignorância mal-intencionada está sendo nutrida e ampliada por um discurso de propaganda que está em nossa imprensa-empresa de notícias e de entretenimento, mas também nas salas de aula e nos salões do poder.

Não compreendemos a natureza genocida das intervenções comandadas pelos EUA, porque não compreendemos a natureza do genocídio. Permitimos que elites sionistas e imperialistas nos ensinassem que o genocídio teria de ser visto sempre pelas lentes da excepcionalidade do holocausto de judeus europeus por outros europeus. Mas o genocídio jamais teve qualquer traço exclusivamente nazista ou antissemita. 

A palavra "genocídio" foi cunhada por um judeu, Raphael Lemkin, e não para que se aplicasse exclusivamente a judeus. Na origem, a palavra designava uma estratégia de lançar violência e destruição deliberadamente contra "nações ou povos", não, como na guerra então tradicional, contra exércitos opositores. Lemkin escreveu muito sobre o genocídio dos povos nativos norte-americanos – trabalho que nunca foi publicado.

A verdade é que estamos assistindo a genocídio sem limites no Oriente Médio, na África e na Ásia Central. Aí está à nossa frente um novo holocausto, e o número de refugiados é só a ponta visível de um iceberg genocidário. 

Os EUA – com bombas, invasões, desestabilizações, subversões, balcanizações, sanções, corrupções, dívidas impagáveis impostas, deslocação, destruição, assassinato, miserabilização usada como arma de guerra, e até o enfurecimento por provocação – comandam "um plano, bem coordenado, de diferentes ações, todas com o objetivo de destruir os fundamentos essenciais da vida de grupos nacionais (...)."Daí surgem dezenas de milhões de refugiados, mas nos recusamos a ver a coordenação de ações que há nisso, bem clara. Fechamos os olhos para todos os sinais claros de ação e de intencionalidade. Fazemos o impossível de nós mesmos, para não ver a coerência nem algum padrão na política exterior dos EUA.

Nos tornamos cegos pela irracionalidade que nos é 'ensinada' pelos 'especialistas' midiáticos, pela retórica político-partidária das disputas pelo poder em DC, e ignoramos o elefante monolítico de uma muito coerente estratégia imperial que ameaça fazer afundar o piso e derrubar, de vez, toda a casa.

Os ocidentais não querem encarar a verdade do que os seus próprios governos ocidentais 'democráticos' estão fazendo – especialmente os governos da OTAN e, acima de todos os demais, o governo dos EUA. 

Os milhões que morreram no Iraque foram vítimas de um genocídio planejado para matar iraquianos em tais números gigantes. Não são vítimas incidentais de algum outro projeto. O mesmo foi verdade para o Vietnã, mas também é verdade na Síria, na Líbia, no Iêmen, na Somália, na República Democrática do Congo e em tantos outros lugares. 

A destruição, a morte, a miséria e o caos não são resultado de 'fracassos' de políticas 'mal elaboradas'. Não há sequer algum tipo de "Plano B", quando os EUA criam estados falhados, quando não conseguem implantar o governo que desejam. Só há Plano A. E a cada dia que passa, mais difícil se torna não ver precisamente esse fato.

As guerras nunca terminam. Já ninguém consegue sequer fingir que seria como é, 'porque sim', sem razão alguma. As guerras já não terminam, porque instabilidade e conflito são meios deliberadamente usados para matar gente, para atacar as pessoas – porque assim se destroem as nações, como uma espécie de 'subproduto'. Isso, precisamente, é o que significa a palavra "genocídio" – e aí está a razão pela qual vivemos dedicados a não-saber e a não-ver essa evidência.

Esse saber destruirá delírios e ilusões confortáveis e revelarão as críticas vergonhosamente e covardemente falseadas dos que não se cansam de repetir que o governo dos EUA "erra" ao não conseguir jamais construir qualquer estabilização. Nada disso.

Os EUA não cogitam de estabilizar coisa alguma, não estabilizam país algum nem jamais cogitaram de estabilizar alguma coisa. Os EUA fazem, da desestabilização, seu meio de vida. Contaminam países inteiros com uma doença de destruição e disfuncionalidade aguda ou crônica, e de morte sem fim.

Esse é um neo-holocausto. Está crescendo, inchando lentamente. Essa é a via lenta e gradual, de cozimento lento, para cometer genocídio. E, como massas zumbificadas de um sátira distópica, nós vamos nos ajustando e reajustando, cada vez que os EUA nos impõem algum "normal" novo. É um holocausto pós-moderno, neocolonial de fome em massa e de morte em massa. Sobe e desce, em intensidade, mas não terminará até que o mundo desperte e ponha fim ao neoprocesso de mortandade massiva.

“Crise”

Há hoje mais refugiados que em qualquer outro momento da história desde a 2ª Guerra Mundial. É preciso repetir e repetir. Depois do 11/9 e do lançamento do que está rotulado como "Guerra Global ao Terror" e "Longa Guerra", os números triplicaram. 

A situação já é a mesma de depois da 2ª Guerra Mundial, mas nos parece mais confortável fingir que ninguém estaria vendo aí uma resposta a fenômeno único e bem claro. Na 2ª Guerra Mundial foi autoevidente que as pessoas fugiam da guerra e do genocídio. Mas, hoje, aparentemente, todos aceitamos que o crescimento dos números de refugiados, que já triplicaram, seria efeito de todo e qualquer tipo de causa, menos as guerra de EUA-OTAN! 

O único fator que somos 'autorizados' a perceber, como elo que costuraria entre elas todas essas crises seria o 'terrorismo islâmico' [que é uma contradição em termos: se for terrorismo não será islâmico; e se for islâmico não será terrorismo, mas é contradição q o 'ocidente' só percebe se pensa em termos autista, da própria fé 'ocidental' (terrorismo cristão tampouco pode existir, pq se for terrorismo não será cristão e se for cristão não será terrorismo) (NTs)]. E ninguém sequer parece estar vendo que nos principais casos, o terrorismo só aparece depois da intervenção ocidental e dos conflitos que ela gera.

Já não é mais racional ou admissível a perversão que manda tratar cada vítima de alguma intervenção por EUA/OTAN como se fosse vítima de conflito por motivos locais, endógenos, só seus. Ah, sim, há fissuras étnicas e religiosas em alguns países; e, sim, há crises econômicas e ambientais que criam instabilidade. 

Mas quando surge a oportunidade, chovem armas nesses pontos difíceis. As armas sempre surgem nesses locais. Essa, sim, é a constante eterna, que jamais está ausente. E muitas outras coisas podem também acontecer, especialmente a desestabilização econômica e a famigerada "promoção da democracia". 

Não há manual único do qual os EUA e seus 'parceiros' aprendam todos os movimentos. Há grandes intervenções diretas, como as invasões do Iraque e do Afeganistão, o bombardeamento da Líbia até a destruição e a 'invenção' do Sudão Sul. Há intervenções por procuração, como o bombardeamento do Iêmen, incursões na República Democrática do Congo e incansável fomento à guerra civil na Síria. 

Somem-se a isso as sempre continuadas intervenções clandestinas – e as clandestinas intervenções econômicas, clandestinas desestabilizações, clandestinas sanções, clandestinos golpes e 'crises' inventadas ou aprofundadas 'da dívida' – e logo se vê um complexo diferenciado de práticas genocidas em tudo equivalente ao genocídio sistemático como Raphael Lemkin o descreveu em 1944.

O ritmo da violência que hoje se vê não se aproxima do bombardeamento durante a Guerra da Coreia, nem tem a escala gigante da violência na 2ª Guerra Mundial. Mas aquela violência, um dia, chegou ao fim; e a violência, hoje, nunca termina. É como se devesse perdurar por toda a eternidade, e a escalada da morte nunca parasse. Não consigo tirar da cabeça a sensação de que, se a Alemanha não estivesse em guerra, as políticas nazistas de genocídio teriam sido aplicada ao ritmo das políticas de genocídio de EUA-OTAN: mais lentamente, mas infindavelmente. 

A destruição e a violência norte-americanas não raras vezes são iguais às dos inimigos dos EUA, mas acho que as pessoas estão começando a dar-se contra de que, em medida muito significativa, os EUA são, em quase todos os casos, criadores e patrocinadores daqueles inimigos. E todos esses inimigos são, muito frequentemente, materialmente dependentes dos EUA, seja diretamente seja com a intermediação de regimes aliados nos norte-americanos.

Cumulativamente, essa também já se converteu em era histórica dos morticínios em massa, que em vários sentidos assemelha-se à "hiperexploração" e à destruição socioeconômica da Disputa pela África [ing. “Scramble for Africa”] e em outros sentidos assemelha-se às políticas de genocídio alemãs na Europa ocupada. No futuro, quando as pessoas se aperceberem do custo humano desse neo-holocausto, ninguém arriscará a própria credibilidade apresentando números conservadores. Ser conservador nesses assuntos nada é além de viciosa imprecisão e viés a favor da mentira. 

Quando se calcular o número de mortos resultantes das intervenções militares, diretas, por procuração, clandestinas e econômicas conduzidas por EUA-OTAN na era pós-11/9, será preciso falar em dezenas de milhões de mortos. É a mesma ordem de grandeza do holocausto de judeus e outros povos, pelos nazistas; e está longe de acabar.

Vê-se uma criança afogada numa praia, e o sofrimento ataca também dentro de casa. É uma tragédia. Mas a obscenidade não está na morte de mais uma criança. A obscenidade está no fato de que as crianças estão sendo assassinadas por estados ocidentais pressupostos democráticos. Para avaliar a extensão da obscenidade é preciso multiplicar, multiplicar, multiplicar as crianças mortas, até que o cadáver de Aylan Kurdi seja um grão de areia num oceano de crianças supliciadas. 

Somos adestrados para não ter o que se chama "simpatia estatística" e essa falta nos rouba a racionalidade. Cada vez que nos puserem diante de estatísticas de dor e sofrimento humano – e de imagens espetacularizadas – temos de combater o automatismo de sofrer por um morto e esquecer todos os demais mortos. 

A chave para compreender o holocausto de judeus não é pôr-se a maldizer o ódio racista e a cruel maquinaria de morte dos nazistas. A chave é justapor na nossa consciência, cada criança morta e a indiferença de seus respectivos carrascos alemães, franceses, ingleses, espanhois, italianos, tantos outros, naquele momento. (...)

Depois do fato, todos se comovem muito. Mas quando houve o holocausto de judeus europeus, praticamente todos os países da Europa mandaram refugiados europeus para a morte certa. E as populações reagiram sem nenhuma solidariedade, manifestaram o mais escandaloso desprezo pelos judeus europeus expulsos de seus países natais – quase exatamente como turistas britânicos, hoje, a desejar pena de morte em massa para "as marés de imundície" que estão estragando o playground de ricos na ilha grega de Kos.

Para evitar a verdade, selecionamos algumas vítimas que merecem ser vítimas. E só a essas reconhecemos plena humanidade. Quando se torna oficialmente correto manifestar compaixão, selecionamos a vítima do dia; e assim também selecionamos o vilão da hora, os quais, então, seriam aberrações diante das quais nos indignamos, como se fossem exceção a alguma norma sistêmica. Pode ser o lobby sionista, ou Netanyahu ou Trump ou os irmãos Kochs ou o complexo industrial-militar. 

Pode ser qualquer coisa e qualquer um, desde que ninguém diga em voz alta que nada está acontecendo hoje que já não esteja acontecendo há muito tempo: a morte de pobres como business as usual

Não dizer e não deixar que se diga isso em voz alta é pensamento covarde. É estúpido. É pensamento de autocomplacência. É pensamento moralmente e intelectualmente falido. 

Não há um cadáver só, uma única criança morta numa praia, diante de uma fotógrafa e de um atendente humanitário. Está em curso um novo holocausto, e diante de todos nós – e é efeito lógico da ação do imperialismo norte-americano.

Em última análise, os refugiados são resultado de anos de conflitos, destruição e sofrimentos. O que mais assusta é que somos incapazes de deter o avanço da besta – porque nos recusamos a ver os fundamentos que determinam a morte de cada morto. 

A matança converteu-se em via de mão única. Áreas perdidas para a vida civil nunca terão paz. Cidades reduzidas a ruínas jamais são reconstruídas. Comunidades destroçadas nunca mais voltarão a estruturar-se. O pior está por vir. O mal não terminará enquanto o império norte-americano não for destruído. Por piedade! Temos de encontrar um modo de fazer isso, sem mais uma guerra mundial.*****

* Kieran Kelly anima o blog On Genocide.

Um comentário:

António Pires disse...

Você tem toda a razão:
Ao mesmo tempo que as aldeias rurais quase só existem nas memórias dos seus derradeiros habitantes, o mundo vai-se transformando numa única e imensa aldeia, onde o meu vizinho tanto é o chinês que come arroz com dois pauzinhos, como o esquimó que se protege do frio no interior da sua habitação de gelo, ou o senhor Ferrão, do segundo esquerdo, que não sabe que as duas da manhã não são horas para ouvir rádio no volume máximo!
O sofrimento, e a morte !..., dos refugiados que, nos últimos dias, têm estado debaixo dos focos mediáticos, toca-nos a todos – não podemos ignorar !, tal como nos alertava Sophia de Mello Andresen.
As reflexões seguintes procuram esclarecer muita gente, enganada e inocente, que não sabe que por trás das declarações tonitruantes dos representantes políticos da alta finança e da indústria das armas de destruição maciça escondem-se as mentiras e maldades abjetas daqueles que provocaram esta tragédia humana dos refugiados. A minha esperança está na bondade das ideias racionais que defendo e quero partilhar com milhões de pessoas, através da internet, na certeza de que o amor, sendo mais forte do que o dinheiro e o armamento pesado de uma minoria insignificante e má, impedirá para sempre a loucura da guerra!
Temos de voltar aos Açores, ao ano de 2003, quando um Cherne recebeu na Base das Lajes três estadistas: Bucho, Bleizer e Asno. Ficou então decidido, pelo americano, que o Iraque devia desaparecer da face da Terra porque, por um lado, os iraquianos eram maus como as cobras e, por outro lado, o seu petróleo era melhor do que o milho!
Depois é o que todos já sabem: não ligaram aos apelos de paz do Sumo Pontífice, fartaram-se de matar a tiro e à bomba pessoas que apenas tinham cometido o “crime” de serem iraquianos, destruíram o estado mau e no seu lugar colocaram os fantoches traidores que governariam o novo país. Como seria de esperar, a anarquia instalou-se imediatamente e hoje os iraquianos humilhados e desesperados matam-se uns aos outros. As tais armas químicas de destruição maciça, essas, nunca foram encontradas – afinal não passavam de um mero pretexto!
O peixe graúdo e os seus três amigos, quais jogadores alcoolizados de taberna, continuaram a divertir-se, ao longo dos anos seguintes, assistindo ao efeito dominó, desencadeado com a destruição do Iraque, da queda em catadupa da Síria, da Líbia, do Egito e de outros países, todos por mera coincidência mal governados por ditadores cujo atraso mental ia ao ponto de apoiarem moralmente o povo oprimido da Palestina!
Os primeiros responsáveis pela hecatombe vêm agora, com lágrimas de crocodilo, pedir a países miseráveis como Portugal, que eles classificam abaixo de lixo, que contribuam com boas casas, alimentação e muito dinheiro, obviamente, no acolhimento condigno dos refugiados vítimas das suas armas e do seu dinheiro sujo!
Como eles é que mandam, Portugal pode vir a ser obrigado a receber dois ou três milhões de migrantes forçados, a instalar numa faixa litoral com 12 km, entre Caminha e a Figueira da Foz. Então, sim, a nossa sociedade será realmente mais rica, pelo menos no que diz respeito à multiculturalidade, acabando de vez com a supremacia do cristianismo, à multietnicidade e à multi-imbecilidade, também!...
Num mundo decente, todos os refugiados teriam direito a usufruir de corredores aéreos que os fariam chegar às terras onde vivem à grande aqueles que os obrigaram a abandonar os seus lares, como o estado de Nova Iorque, onde o dinheiro não falta, ou o estado do Alasca, onde o que não falta é espaço!