domingo, 27 de setembro de 2015

Putin e Xi: Quebrando tuuuuuudo em New York

25/9/2015, Pepe Escobar, Asia Times
 


 
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


O papa Francisco pode ser o rock star. Mas mais uma vez o verdadeiro coração da ação só tem a ver, tudo, com Rússia e China — as tais principais "ameaças" ao Excepcionalistão, segundo o Pentágono.

Onde se mete o Anjo da História, de Benjamin, quando se precisa dele? Com certeza, está agora com os olhos postos na terra dos livres e lar dos valentes. Francisco pode ter posto a casa abaixo em DC, mas é Xi quem realmente está quebrando tuuuuuudo na Costa Oeste, enquanto Putin prepara-se para ser coroado novo Rei de New York. Quem imaginaria que o Novo Grande Jogo na Eurásia pudesse ser assim tão divertido?

E entra Frank Underwood

Já antes de Putin falar do negócio geopolítico de nova ordem mundial a sério na ONU, Xi Jinping da China falou do negócio do Vale do Silício com, ora... Com toda a elite do Vale do Silício. Vê-se na foto deliciosamente descontruída pelo South China Morning Post.





Eis onde está a ação – muito mais do que no que Xi pode ter discutido com Obama: pirataria ciberespacial, espionagem, novas leis de defesa no Japão, meio ambiente. A China precisa de Tecnologia de Informação de ponta para superturbinar não só o mercado interno, mas também nodos chaves da(s) Nova(s) Rotas(s) da Seda.

Até Facebook recebeu autorização para fazer uma reverência ante o Imperador Vermelho. Mark Zuckerberg, de terno e gravata vermelha, conversou com Xi por menos de um minuto, em mandarim, no campus da Microsoft. Ao lado estava ninguém menos que um sorridente Lu Wei – que controla a Grande Firewall da China, a qual bloqueia, dentre outros, a empresa Facebook. Na mesma ocasião, detalhe inestimável, Lu Wei, o senhor da Internet, convidou as massas a "velejar rumo ao futuro com benefício mútuo e ganha-ganha."

Depois de comprar sem nem piscar 300 Boeings para o almoço, a verdadeira grande cartada de Xi na Costa Oeste foi o seu gambito de House of Cards.

Falando da guerra massiva que Pequim está fazendo contra a corrupção, Xi disse: "Punimos tigres e moscas (...) Nada tem a ver com lutas pelo poder. Nesse caso, não há House of Cards.”

Chineses especialistas, de opiniões não enviesadas sobre a China, todos eles interpretam a campanha anticorrupção como uma faxina no Partido Comunista Chinês (PCC), para que o partido possa continuar a comandar ad infinitum. É o partido, estúpido. Assim, obviamente, há um componente "aí vem uma tempestade", porque a resistência de poderosos grupos de interesse é imensa.

Era previsível que House of Cards aparecesse. Muito mais que um afago à Netflix, teve a ver com a China. Segundo GlobalWebIndex, mais de 200 milhões de chineses usam redes virtuais privadas (VPN) para entrar em Netflix e assistir à terceira temporada de House of Cards em streaming video.

Milhões desses residem em Pequim, vida confortável de classe média; e entre esses, muitos dos pesos pesados do Partido – como o presidente da comissão anticorrupção Wang Qishan, grande fã de Frank Underwood. Artigo inestimável, em Global Times, mostra claramente o quanto House of Cards é construído quase diretamente sobre as linhas de A Arte da Guerra, de Sun Tzu.

Além disso, a temporada 2 de House of Cards já viera carregada de China, com ciberguerra, Mar do Sul da China e manipulação da moeda. Telespectadores chineses espertos inevitavelmente compararam a luta real em Washington com a campanha anticorrupção em Pequim, a qual, só até aqui, já demitiu 80 mil funcionários; pelo menos 90 políticos de alto escalão e 30 generais do Exército Popular de Libertação. China Daily não poupou munição – e diz que House of Cards é "espelho" desses funcionários chineses.

Xi sabia exatamente quem era seu público audiente, quando invocou o "soft power" [poder suave] norte-americano – tremendamente popular na China – para enviar uma mensagem.

Xi também sabia que mesmo quando o sistema norte-americano é submetido a evisceração crítica – como em House of Cards –, permanece imbatível a fascinação que o soft-power norte-americano exerce na China. Se não pode derrotá-los, una-se a eles. Por que não instrumentalizar House of Cards, enquanto Pequim vai aplicando sua própria versão de A Arte da Guerra?

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E agora, ao vivo, de New York, Putin O Grande.

Semana passada, em
Asia Times, já vimos como, se existe alguma solução para a tragédia síria, é tudo culpa de Putin. Ao (não) reagir a ela, o governo Obama deixou-se ficar, lá, preso no já proverbial desentendimento/não entendimento/desnorteamento – ou perplexidade.

A Casa Branca foi obrigada a anunciar que a ficha afinal caiu, e Obama, sim, se reunirá com Putin, em reunião que acontecerá durante a Assembleia Geral da ONU.

Imediatamente depois, um alto conselheiro do presidente Bashar al-Assad começou a dizer que EUA e Rússia chegaram a um "acordo tácito" sobre pôr fim às dificuldades na Síria.

Recapitulando rapidamente: foi Putin quem começou tudo isso, quando não admitiu, como pré-requisito a negociações de paz, a exigência de que "Assad tem de sair". Na sequência, Putin superturbinou a presença militar russa em Latakia. Como é praxe, nem o Pentágono nem a Casa Branca perceberam coisa alguma, nem depois de estar tudo feito.

Assim sendo, eis o que Putin resolveu, antes de Obama sequer ter percebido alguma coisa e resolver conversar:

1) Esqueçam completamente qualquer guerra remix do que a OTAN fez na Líbia, só que na Síria.

2) Esqueçam completamente a tal zona aérea de exclusão comandada pelo sultão Erdogan sobre áreas controladas por Damasco.

3) Acabou a velha ordem mundial. A emergente nova ordem mundial deve trabalhar como a Rússia está trabalhando, e a Rússia já está à frente desse processo.

O discurso de Putin na Assembleia Geral da ONU, 2a-feira, será sobre "a luta conjunta contra o terrorismo" (como anunciou a agência TASS). Devem-se esperar ataques de apoplexia, muito mais do que de perplexidade, por todo o eixo Washington/New York.

Domingo passado, na TV russa, o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov, já esclareceu sobre quais os temas centrais do discurso: a ordem mundial unipolar e a imperiosa necessidade de "luta conjunta contra o terrorismo", o qual tem de ser combatido sem ambiguidade ou duplicidade de critérios."

Lavrov falou muito claramente ao se referir a "medidas unilaterais coercivas” – e não só no que tenha a ver só com a Rússia. Palavras de Lavrov:


“Atualmente, vocês sabem, nossos parceiros ocidentais, principalmente, talvez sob influência da mentalidade norte-americana, estão perdendo, em termos gerais, a cultura do diálogo e a cultura de buscar e alcançar soluções diplomáticas. O programa nuclear iraniano foi uma brilhante – de fato, muito brilhante –, exceção. Em praticamente quase todos os demais casos – nos conflitos que continuam a eclodir no Oriente Médio, no Norte da África – só fazem recorrer a medidas de intervenção militar, como fizeram no Iraque e na Líbia, violando decisões do Conselho de Segurança da ONU; ou recorrem a sanções.”

Podem esperar, que Putin falará sobre tudo isso, detalhadamente. Mas o ponto alto, de fazer parar o show, será, previsivelmente, Putin sobre a Síria. Mais uma vez, nas palavras de Lavrov:

“Declaramos que ajudaremos os governantes sírios, como ajudamos governantes iraquianos e governantes de outros países que estão enfrentando a ameaça do terrorismo. E nossa cooperação técnico-militar visa precisamente a esses objetivos. Claro que o fornecimento de armas [pela Rússia] foi feito, está agora em andamento e continuará. As armas que estão sendo fornecidas a exércitos regulares são sempre, inevitavelmente, acompanhadas por nossos especialistas, que ajudam a montar os equipamentos correspondentes, ajudam a treinar o pessoal militar sírio para o uso dessas armas, e absolutamente não há qualquer mistério ou segredo sobre tudo isso.”

Ah, sim, Putin convocará os suspeitos de sempre – da Turquia à gangue do petrodólar do CCG – para ajudar Assad, “sem doutrinação e sem ambiguidade ou duplicidade de critérios”, na luta contra ISIS/ISIL/Daesh. E demonstrará que a crise dos refugiados não foi criada por Assad, mas pelo falso 'califato'. No que tenha a ver com os refugiados do Oriente Médio destruído pelo [acordo] Sykes-Picot, cabe à União Europeia ajudá-los. Nas palavras de Lavrov:

“A Rússia tem cumprido todas as suas obrigações nos termos das convenções internacionais. Todos os que se classifiquem como refugiados são recebidos e os acolhemos na Federação Russa, algumas vezes também em casos que não satisfazem todos os critérios que se aplicam. É o caso dos refugiados que deixam a Ucrânia, que já são mais de 1 milhão [vivendo na Rússia]. Nossos vizinhos europeus que enfrentam hoje o grave problema dos refugiados têm toda a nossa simpatia, e não tenho dúvidas de que também conseguirão resolvê-lo [por sua conta].”

Por fim, mas não menos importante, Putin cuidará de deixar claro que a Rússia nunca mais será enganada e arrastada a avalizar documentos carregados de desonestidades e falsidades, como aconteceu no caso da Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU, que legitimou a 'responsabilidade para proteger' (R2P) em 2011, criando a já legendária zona aérea de exclusão sobre a Líbia, que foi o meio pelo qual a OTAN conseguiu bombardear a Líbia, até converter aquele país, na terra de ninguém que é hoje, dividida entre milícias. Não surpreende que a sinistra e enlouquecida fã da R2P Samantha Power queira expulsar a Rússia do Conselho de Segurança. Quem precisa de Khrushchev a dar sapatadas no púlpito da ONU? A Segunda-feira Negra (de apoplexia) vai ser um arraso. *****

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