segunda-feira, 16 de julho de 2018

A Cruzada Geopolítica de Trump

14/7/2018, Rostislav Ishchenko, uckraina.ru, in Stalkerzone [trad. ru.-ing. Ollie Richardson e Angelina Siard, in The Vineyard of the Sakerversão aqui retraduzida]


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Apesar de não concordar com inúmeros pontos trazidos no 
artigo, o Blog o publica para que o leitor faça seu julgamento.




Se se aborda essa questão com sensibilidade, sem excesso de emoções, logo se vê claramente que o "imprevisível Trump" é, na verdade, mais previsível que o "previsível Obama".


Ouvimos incontáveis vezes que Trump seria o empresário que não entende de política e age com ousadia e firmeza, mas atira para todos os lados, sem sistema, e estaria destruindo a ordem ocidental existente sem nada oferecer em troca. Será mesmo?



Comecemos pelo fato de Trump ter divulgado ativamente seu conceito de neoisolacionismo desde meados dos anos 1980s (começou de fato ainda antes do colapso da URSS). O principal ingrediente do conceito é a crítica a que submete o sistema militar-político e financeiro-econômico criado pelos EUA e aliados ocidentais, que naquele momento (nos anos 1980s) ainda não era global, mas, logo adiante, depois do colapso da URSS, passou a ser precisamente isso, global. 



Já então, Trump apontava, com bastante precisão, os defeitos desse sistema que inevitavelmente o levaria à crise do próprio sistema, crise que implicaria o colapso da soberania do estado norte-americano.



Ele, especialmente, diferente de muitos "economistas" autopromovidos a celebridades e que ainda creem que a máquina de imprimir dinheiro do Federal Reserve System seria meio confiável para resolver todos os problemas, já dizia naquela época que o buraco crescente entre despesas e entradas no orçamento dos EUA mais cedo ou mais tarde levaria os EUA à bancarrota. E que quanto mais for adiado, mais horrendo será o colapso do sistema. 



Porém, dado que a maior fatia das despesas financiava uma política externa ativa e agressiva, mas que nem promovia melhor segurança para os EUA nem resolvia os problemas econômicos do país, Trump [o empresário] sugeria que se substituísse a política de globalismo, por uma política de isolacionismo.



Talvez, se a URSS não se tivesse desintegrado, os argumentos de Trump pudessem ter sido ouvidos naquele momento. Mas o acesso que começou a se abrir até os descomunais massivos recursos do campo socialista repentinamente evaporado, removeu temporariamente a urgência do problema e permitiu ao ocidente estender a agonia do sistema por mais ou menos 30 anos. Ao longo de todos esses anos, Trump aperfeiçoou seus argumentos e o sistema de suas ideias, sem jamais, nem por um minuto, ter duvidado de que eram absolutamente corretos.



O triunfo de Trump demorou a chegar. Ele, pessoalmente, já não é jovem, e os EUA não estão em sua melhor forma. Especialmente porque suas mãos, mesmo depois de eleito presidente, já vinham sendo amarradas há muito tempo pela contrarreação dos Democratas, os quais, por quase um ano, tentaram aplicadamente conseguir o impeachment de Trump. E o presidente não contou sequer com apoio firme dentro do próprio partido (tampouco, sequer, dentro do próprio governo).



Trump teve de esperar um ano e meio para livrar-se das algemas na política exterior e doméstica. Parece que, durante esse ano e meio, Trump conseguiu formar, se não consenso pleno e declarado, pelo menos um consenso nacional parcial em torno do modelo proposto por ele, de uma nova política internacional concebida para restaurar o poder perdido dos norte-americanos. Seja como for, conseguiu calar os Democratas, as 'investigações' contra ele parece que pararam, e a "imprensa livre", que não parou um dia de jogar lixo sobre o presidente e sua presidência, perde hoje a confiança e o apoio dos eleitores nos EUA. E Trump afinal vê aumentar seus níveis de aprovação. 



Trump conseguiu fazer substituições cruciais na própria equipe, e em posições chaves conectadas à política exterior (o secretário de Estado e o Conselheiro de Segurança Nacional).



Independente de o quanto os novos sejam vistos como linhas-duras, ambos seguem a política que Trump lhes manda seguir, não cada um a própria; e trabalham efetivamente. Em qualquer caso, a visita do Conselheiro de Segurança Nacional John Bolton a Moscou foi afinal muito diferente, favoravelmente, ao que faziam os diplomatas dos EUA no primeiro período do governo Trump. 



Bolton trabalhou sem excessivo barulho, não se pôs a fazer 'declarações', conduziu as negociações com calma, não escondeu que as posições de russos e norte-americanos eram quase diametralmente opostas, mas enfatizou a intenção de alcançar um acordo, e conseguiu que Moscou aceitasse uma reunião em literalmente duas semanas (caso raríssimo na prática real dessas relações), quando se sabe que reuniões entre chefes de Estado exigem preparação longa e sistematicamente ritualística.



Significa dizer que uma equipe (não um bando de funcionários) apareceu em volta de Trump e afinal começaram a trabalhar. Assim sendo, o que a equipe e Trump desejam alcançar?



Viu-se desde muito antes da reunião de cúpula da OTAN em Bruxelas. Sem esconder a existência de contradições profundas com Moscou, e reforçando a intenção de manter uma linha firme de negociação, Trump repetiu claramente aos seus aliados que eles (1) não cumprem a obrigação de gastar pelo menos 2% dos respectivos orçamentos para manter a OTAN (e para a defesa em geral); e que (2) o dinheiro que eles todos conseguem economizar, eles todos gastam para comprar recursos energéticos que a Rússia vende a eles. Declarou inaceitável esse 'arranjo'. E informou que está decidido a modificar o arranjo.



Se consideramos objetivamente essas questões, vê-se que a situação é realmente absurda e realmente inaceitável para os EUA. Enquanto Washington – raspa o fundo do tacho e busca o último alento, inflando a bolha da dívida nacional acima de qualquer limite razoável – e gasta seu precioso dinheiro na disputa com a Rússia em todo o planeta, seus aliados dão outro uso ao próprio dinheiro (atropelando a obrigação de financiar programas militares que interessam aos EUA). Como se não bastasse, ainda usam o próprio dinheiro para comprar energia, a preço barato, da Rússia. Infligem simultaneamente três danos aos EUA:



1.      A dívida interna e o deficit no orçamento dos EUA crescem;


2.     Dinheiro norte-americano é gasto pelos europeus para fortalecer a Rússia – opositor geopolítico dos EUA; e



3. A economia europeia recebe preço exclusivo por recursos energéticos, o que aumenta a competitividades dos produtores europeus, na relação com os norte-americanos.


De fato, os muitos anos dessa posição dos europeus levaram à situação em que os EUA, mergulhando numa dívida incapacitante, financiaram os próprios concorrentes geopolítico (a Rússia) e econômico (a União Europeia). Os neoconservadores de Obama e Clinton aceitaram sofrer essa situação por razões ideológicas. Mas Trump – rigorosamente marxista, nessa conclusão – decidiu que a prática é critério de verdade e que financiar regimes ideologicamente aparentados, só para 'fazer bonito' leva inevitavelmente ao fracasso da economia do doador, não importa se o doador é a URSS que financia "marxistas" africanos nos anos 1960s-1980s ou os EUA que financiam "democratas" europeus nos anos 1990s e nas duas primeiras décadas do século 21.


A União Europeia não acreditou imediatamente que o presidente dos EUA pudesse ameaçá-los seriamente com o fim da cooperação no quadro da OTAN, no caso de a Europa recusar-se a assumir sua parte da carga. Mas depois que Trump realmente dispersou o "G7" – quando disse que seria mais fácil conversar com eles se a Rússia participasse da conversa, e também depois que falou de cancelar tarifas proibitivas sobre grande número de produtos europeus, se a União Europeia abandonasse a cooperação energética com a Rússia (demanda consideravelmente mais ampla do que apenas bloquear a construção do gasoduto "Ramo Norte 2") –, a União Europeia foi obrigada a acreditar. E ter de pagar pela própria segurança soou como um eco.



Na recente cúpula da OTAN, Trump repetiu e aprofundou as exigências. Agora diz que os países da União Europeia têm de gastar no mínimo 4% dos respectivos PIBs, para a própria defesa. Os europeus concordaram, relutantes, com gastar apenas 2%, e a questão ainda não está resolvida. Imaginaram que Trump se daria por satisfeito com 2%. Não foi o que aconteceu.



Depois da cúpula, Trump foi para Londres e já chegou dizendo que Boris Johnson, que renunciara na véspera, poderia substituir com sucesso a primeira-ministra May. Pode ser apenas o espetáculo de sempre. Mas se se pensa melhor, Johnson criticara May, dizendo que a versão dela para o Brexit, à qual ela se refere como "restrita", não é suficientemente restrita, e sugeriu que a Grã-Bretanha agisse com a Europa, como Trump está agindo.



Só para lembrar, há três décadas e meia Trump defendeu o conceito de "ressetar"  os EUA com a ajuda de uma estratégia de neoisolacionismo. Mas Washington não pode simplesmente abandonar todas as estruturas globais e isolar-se na própria concha. Se o mercado global permanece, e os EUA param de participar das estruturas que o regulam, nesse caso Trump e os EUA perdem em todas as frentes. Os EUA precisam de que o isolacionismo deles torne-se, não um protesto solitário contra o globalismo, mas uma consequência do desmantelamento das estruturas globais – com todos obrigados a se tornarem isolacionistas, porque o mundo estaria em transição, de uma economia de mercados abertos, para uma economia de protecionismo.



Por isso é necessário para os EUA que a Grã-Bretanha separe-se da União Europeia nos termos da opção mais estrita (sem compensação e sem que se preserve laço algum). 



Para Washington é absolutamente necessário que a União Europeia comece a esfacelar-se. Os EU já falaram da inutilidade da ONU, e praticamente já iniciaram a destruição da Organização Mundial do Comércio (quando, em flagrante desrespeito às normas da organização, desencadearam uma guerra comercial contra a União Europeia e a China. A preservação da União Europeia e da OTAN só interessa a Trump se as duas estruturas renderem-se incondicionalmente ao ultimatum de Washington. 



Nesse caso então, a Europa perderá o que resta da própria soberania, perderá a própria economia e entrará em rápida degradação, convertendo-se numa grande Grécia – sem economia própria, mas carregada de dívidas. Mas essa Europa degradada e miserabilizada é a única que interessa aos EUA como aliada. E se essa Europa não 'se realizar', nesse caso... no amor e na guerra vale tudo.



Tendo tudo isso em mente, é fácil compreender o que Donald Trump desejará obter da reunião com Vladimir Putin.



Primeiro, os EUA precisam de efeito puramente informacional. Dentro do país é importante pra Trump mostrar que é capaz de construir relações com parceiro da importância da Rússia. Fora de lá, Trump tem de mostrar aos europeus que não são os únicos que podem flertar com o Kremlin pelas costas de Washington, e que ele, Trump, sabe sentar e negociar um acordo com Putin, depois de ter resolvido todas as contradições entre os dois grandes, à custa de outros países.



Segundo, Trump precisa avaliar com precisão qual a força da posição do presidente da Rússia nas negociações e se é ou não é possível demovê-lo, de algum jeito, da posição em que estiver. Não se trata só de dar um susto na União Europeia. Caso Putin manifeste qualquer interesse na possível total destruição da Europa, nesse caso Trump firmará, com todo o prazer, um acordo para a interação com os russos nessa importante questão. Afinal de contas, a União Europeia é parceiro não confiável, e os EUA não são os únicos irritados pela ambição dos europeus (ao mesmo tempo em que são incapazes de empreender qualquer ação que exija um mínimo de organização). E a Rússia é economia poderosa, em ascensão. Numa das variantes do futuro previsto, Moscou pode, sim, concordar com a destruição do mundo globalizado – no qual (inclusive via esforços da Europa) não lhe foi permitido ocupar a posição que lhe cabe por direito. A destruição do mundo globalizado cederia lugar a um mundo atomizado, no qual a Rússia saberia usar suas oportunidades e recursos, para figurar entre os líderes.



Trump tentará convencer o presidente russo de que o que Putin chama de "mundo multipolar" corresponde exatamente ao que Trump chama de "mundo atomizado", de autarquias em conflito. Contudo, caso a Europa pule fora do esquema de uma grande Eurásia, Rússia e China – se forem só elas duas – não conseguirão, em curto espaço de tempo, criar um espaço econômico estável, e faltarão, não só as tecnologias europeias (que sem dúvida faltarão), mas também um mercado europeu de meio bilhão.



Assim, se Trump conseguir persuadir Putin a apoiar a sua rota contra-Europa, praticamente estariam resolvidos quase todos os problemas norte-americanos (para começar, sumiria o risco de ter de preservar a economia global, em situação de isolamento dos EUA; e o mercado norte-americano permaneceria como único mercado solvente capaz de absorver as mercadorias chinesas, o que tiraria da China qualquer capacidade para resistir contra os EUA).



E, depois de resolvidos os problemas de União Europeia e China, seria afinal possível começar a constituir o novo globalismo norte-americano. Outra vez, sobre pilares anti-Rússia.



Terceiro, Trump tentará algum acordo para implementar coisas práticas. Dado que os EUA têm de se extrair de pontos críticos (na Ucrânia, na Síria, no Afeganistão, no Iraque), ele tentará "vendê-los" à Rússia, antes de acabar obrigado a simplesmente fugir daqueles pontos.



Quarto e último, Trump realmente precisa estabelecer relacionamento pessoalmente cordial e confidencial com Putin para poder fazer avançar mais efetivamente os interesses norte-americanos na arena internacional. Sempre chega um momento numa situação de crise, em que, mesmo sem ajudar ativamente, só o silêncio tolerante e benevolente da Rússia já é uma dádiva.



Trump já nem esconde que testará Putin, e depois da reunião não fará segredo dos tópicos discutidos. Trump quer partir e deixar seus parceiros europeus na mais total ignorância, sem saber até que ponto terão avançado os presidentes das duas superpotências, nas discussões sobre... a Europa. E se terão chegado a algum acordo informal sobre algo, e, se chegaram, ficarão sem saber se os acordos serão formalizados no plano entre estados, ou se tudo fica no plano dos compromissos pessoais entre dois políticos. A Europa jamais descobrirá; vai pensar, correr, desesperar-se, e acabará tendo de jogar-se nos braços de alguém, seja dos EUA seja da Rússia.



Trump conta com que se atirem em seus braços. Mas mesmo que a União Europeia prefira a Rússia, os EUA têm esperança de que a massa dos problemas europeus, a ausência de unidade na UE, a posição especial dos limítrofes Polônia-Bálticos, e a necessidade de varrer para longe as horrendas consequências da crise na Ucrânia não permitirão que se realize todo o potencial dessa união. Nesse caso, Trump pode ter esperança de assistir ao colapso final da União Europeia (a desgraça agradará aos interesses dos EUA e, ao mesmo tempo, Trump não aparecerá como culpado).



Bem antes, quando a campanha eleitoral de Trump entrou na reta final para a vitória, eu e vários outros analistas escrevemos que Trump, o "pragmático", poderia vir a se revelar parceiro muito mais difícil para a Rússia que Clinton, a "doida". Trump sabe o que quer, insiste obsessivamente e obviamente não engolirá sem luta a inevitabilidade da derrota à qual a estratégia de Obama-Clinton levou os EUA. 



Para Putin, há o risco de enfraquecer gravemente a própria posição, mas pelo menos transfere o grande jogo, da área de derrota garantida, para a esfera do não sabido não calculado, onde respostas a movimentos "errados" não esperados têm de ser procuradas longe do tabuleiro em tempo real, sem compreender que esquema o oponente tenta construir e onde se erra muito.



Seja como for, é muito mais interessante com um Trump vivo e dado a correr riscos reais, do que com Obama e Clinton – "corretos" até a mais absoluta esterilidade, direitistas linha-dura que viram que estavam perdendo tudo, mas não ousaram virar a mesa e mudar o cenário e, em vez disso, puseram-se a chantagear o mundo num tabuleiro de xadrez viciado, sinal claro de que podem iniciar a 3ª guerra mundial quando se veem encurralados.



Trump é muito mais interessante – é jogador cerebral, não um desses intelectuais obtusos perversos. Acho que Putin não terá um minuto de tédio com Trump em Helsinki.*******

Um comentário:

L3G10N4R10 disse...

"Nos" aqui em "brazil", sobremaneira os menos "Lobotomizados" pela Porca e Famigerada ImprensTITUTA PIG/GAFE, temos uma "Premissa" á qual damos absoluto status de "Verdade Absoluta":...
- "O que é BOM para a R3d3 Glolpe; é PÉSSIMO para o Brasil".
Guardada as devidas proporções, principalmente ás de "Profundidade de Análises Geopolíticas" do Autor do Artigo, e da "Relevância entre os Casos", arrisco-me/atrevo-me a considerar, que Talvez, o Sr. Putin, conhecedor da INCONSTÂNCIA "Perpétua" desde Washington (nem digo do Sr. Trump, especificamente), apenas Talvez, possa "guardar" uma certa "paridade" com "Aquela nossa velha Premissa/Verdade Absoluta": ...
- "O que é BOM para os "3U4", se não for Péssimo para Todo o Mundo, o Será seguramente á RUSSIA... É o que Eu penso!!!