13/7/2018, F. William Engdahl, New Strategic Outlook
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Com fanfarras, no final de junho, os 19 ministros das finanças da zona do euro na UE anunciaram o fim da crise da dívida grega, que se arrasta por oito anos e levou toda a estrutura do euro à convulsão mais profunda que o sistema conheceu até hoje. Infelizmente, é nada. Só profunda, completa encenação. Os ministros da União Europeia recusaram-se a cancelar a dívida do estado grego. Em vez disso, encenaram uma capitalização destrutiva dos juros da dívida existente, semelhante ao que Washington fez à América Latina nos anos 1980s. É perfeitamente justificável que todos nos perguntemos o que está realmente acontecendo.
Pelo esquema recém inventado, estendeu-se o vencimento dos empréstimos por dez anos. Afastado o risco de a dívida ser cancelada, os ministros da Eurozona concordaram com prorrogar por dez anos o cumprimento da maior parte das prestações ainda a serem pagas dos empréstimos existentes, sobre uma dívida pública que continua equivalente a 180% do PIB, ou 340 bilhões de euros, apesar de cortes e reformas. A União Europeia emprestou mais 15 bilhões de euros (17,5 bilhões de EUA-dólares) como dívida nova, para 'facilitar' os pagamentos agora devidos.
Como parte do acordo, o FMI e o governo-amigo-da-UE de Alexis Tsipras entenderam-se em torno de ainda mais 'austeridade' [é ARROCHO. "Austeridade" é racionalizar gastos para preservar o realmente indispensável, sem nenhum desperdício; "austeridade" não é cortar comida da mesa dos pobres, para pagar banqueiros: isso é ARROCHO (NTs)]. Mais 'austeridade' no caso da Grécia significa mais impostos sobre os mais pobres e mais cortes nas aposentadorias até o final do ano.
A Grécia já tem hoje o índice oficial de desemprego mais alto de toda a União Europeia, depois de oito anos de 'austeridade' ordenada pelo FMI e UE. Desde o início da crise, por efeito das exigências da mais violenta 'austeridade' [é violento ARROCHO] à moda Brüning,[1]impostas ao país pela Alemanha e pela União Europeia, a economia grega encolheu até agora 25%. O desemprego total chega a 20% e o desemprego entre os jovens já passa de 40%. 70% das aposentadorias e programas de bem-estar já foram cortados.
O programa anterior de "resgate" da Grécia, de 86 bilhões de euros, acertado em 2015, levou o total de empréstimos contraídos por Atenas a 273,7 bilhões de euros desde 2010. Hoje, já passa de 300 bilhões de euros.
Dia a dia mais pobre e mais afundada em dívidas
Por imposição da União Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI – a adequadamente chamada "Troika" –, a Grécia aprovou leis contra os sindicatos, suspendeu os contratos coletivos de trabalho, praticamente pôs fim à possibilidade de qualquer tipo de greve nas indústrias e legalizou as demissões em massa. A queda vertiginosa nos salários, determinada de fora do país, é complementada pela venda das joias da coroa econômica grega – num vasto programa de privatizações, do fornecimento de energia elétrica a infraestrutura (aeroportos, portos, serviços públicos como hospitais, escolas e transporte público).
Mas o dinheiro não será investido na muito necessária infraestrutura, para criar empregos que aumentem a base produtiva: será usado para pagar empréstimos antigos feitos ao país pelo Banco Central Europeu e o FMI. Um dos itens dos contratos de empréstimos obriga o governo grego a obter permamentemente entradas mais altas que despesas – com o que alcança(ria) "superávit primário no orçamento" de 3,5% do PIB em 2022 e 2% anualmente até 2060.
A Grécia, sua economia e seu povo foram condenados à pena de servidão perpétua, colhidos na armadilha da dívida impagável: nem a Alemanha consegue alcançar os números impostos aos gregos.
Em outubro de 2009, a dívida dos gregos chegava a 129% do PIB. Naquele ponto o partido PASOK amigo de Washington, do primeiro-ministro George Papandreou, destronou o governo conservador de Karamanlis e "revelou" a existência de uma dívida escondida de cerca de 5,4 bilhões de euros, adiada por swaps não convencionais do banco Goldman Sachs, além de várias medidas ilegais tomadas para exagerar o déficit do estado grego, de modo a provocar uma crise e forçar o 'resgate' dos corruptos bancos gregos e respectivos credores franceses, alemães e holandeses, com dinheiro grego – quer dizer, dos contribuintes. – Assim os grandes bancos insolventes foram salvos da falência.
Naquele momento, o Banco Central Europeu comandado pelo francês Jean-Claude Trichet recusou-se a acalmar o assunto – o que poderia ter tentado, se comprasse a dívida do governo grego, para pôr fim à especulação que fazia subir os juros dos papéis em euro do estado grego a impagáveis 40%. O governo grego foi declarado culpado pela crise; e União Europeia, Banco Central Europeu e FMI, a Troika, apossaram-se da economia grega.
Como Eric Toussaint do Comitê para a Abolição da Dívida Ilegítima[2] apontou num detalhado estudo da crise grega:
"Papandreou dramatizou a dívida pública e o déficit, para justificar uma intervenção externa, com a qual se internalizou capital suficiente para resolver a situação em que estavam os bancos. O governo Papandreou falsificou os números da dívida da Grécia – não para fazê-la parecer menor, como reza a narrativa dominante, mas, sim, para aumentá-la. Queria evitar perdas pesadas dos bancos estrangeiros (principalmente franceses e alemães) e proteger os acionistas privados e principais executivos dos bancos gregos" (9/1/2017, "Banks are responsible for the crisis in Greece" [Bancos são responsáveis pela crise na Grécia], Eric Toussaint, CADTM).
Jogos de culpas
Para aliviar a culpa dos bancos gregos e estrangeiros, e exibir como culpado o governo grego, Christine Lagarde, também francesa e do FMI, mentiu deliberadamente que o estado grego teria dado aos gregos o benefícios de um generoso sistema de proteção social, apesar do fato, disse ela, de os cidadãos nem pagarem impostos. Deixou de explicar que os impostos extraídos de assalariados e aposentados na Grécia são retidos na fonte.
O governo Papandreou no final de 2009 revelou a existência de "acordos do banco Goldman Sachs, de swaps de moeda, fora do mercado", com o governo grego anterior, instrumento que teria permitido esconder o tamanho do déficit público, para que o país pudesse integrar-se à Eurozona em 2002. Estava instalada a crise grega.
Fundos internacionais de hedge e banqueiros estrangeiros, além do Banco Central Europeu, fizeram o resto. Estima-se que pelo menos 77% do dinheiro de resgate foi diretamente ou indiretamente para o setor financeiro europeu, bancos que já receberam 670 bilhões de euros de apoio direto do estado no início da crise. Em outras palavras: cerca de 231 bilhões de euros absolutamente não trouxeram qualquer benefício à sociedade grega; só beneficiaram o setor financeiro internacional. Cidadãos desinformados na União Europeia ouviram que o dinheiro seria para "resolver a crise grega". Mentira. Todo o dinheiro foi usado para salvar bancos internacionais.
Apesar dos 300 bilhões de euros de "ajuda" posterior para sobreviver à crise grega, a dívida hoje já alcança assustadores 180% do PIB, muito mais do que no início. Os únicos que ganharam foram o Tesouro alemão, que conseguiu quase 3 bilhões de euros de seus papéis gregos, e os grandes bancos credores, especialmente na França, Alemanha e Bélgica, e os fundos hedge de especulação.
Quanto a 2016, um total de 47 bilhões de euros foram canalizados da União Europeia, FMI e Banco Central Europeu, via um fundo do governo grego, para recapitalizar os quatro maiores bancos gregos, sob o argumento de que salvar os bancos privados, em vez de nacionalizá-los e limpá-los, seria essencial para a economia. O que realmente aconteceu foi que um grupo de fundos hedge internacionais como o de Paulson e outros investidores estrangeiros conseguiram comprar 74% das ações com voto desses bancos recapitalizados por meros 5,1 bilhões de euros. Os investidores gregos foram proibidos de investir.
Sem resgate
Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, e hoje crítico das políticas do governo Tsipras, escreveu:
"Mas não foi resgate. A Grécia jamais foi resgatada. Nem o foram os demais suínos [ing. pigs] da Europa – como foram chamados em conjunto os países PIIGS, a saber, Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha [ing. Spain]. O resgate da Grécia, depois da Irlanda, depois de Portugal, depois da Espanha foram pacotes para resgatar, em primeiro lugar, alguns bancos franceses e alemães."
Para Eric Toussaint, do CADTM, que teve acesso a documentos confidenciais do FMI sobre o "resgate" grego, escreveu:
"Os documentos provaram que a decisão do FMI dia 9/5/2010, de emprestar 30 bilhões de euros à Grécia (32 vezes a soma normalmente disponível para o país) teve, como disseram claramente vários diretores executivos, o objetivo principal de resolver as dificuldades de bancos franceses e alemães."
Acrescentou que o dinheiro do FMI foi usado para pagar bancos franceses, alemães e holandeses que, em conjunto, no momento em que foi tomada aquela decisão, detinham mais de 70% da dívida grega.
Arrochar salários dos gregos, cortar financiamento público para educação e saúde, privatizar serviços públicos essenciais e reduzir pensões e aposentadorias dos mais pobres jamais dará qualquer 'dinamismo' à economia grega. Mas, afinal, a 'austeridade' [ARROCHO!] não foi concebida para essa finalidade. O real objetivo do projeto de 'austeridade' [é ARROCHO], como hoje já se vê cada dia mais claramente, sempre foi destruir a Grécia como estado-nação soberana – objetivo central das potências sem cara que agem por trás da União Europeia em Bruxelas.
Como a Alemanha aprendeu na crise de 1931, no governo do chanceler Heinrich Brüning, o arrocho só faz piorar as condições, faz crescer o desemprego e a miséria.
O mais recente movimento na tragédia da dívida grega, ou, dito mais claramente, o estupro do povo e do patrimônio público dos gregos, nada traz de bom para Grécia. Mas mantém intacto, por mais algum tempo, o sistema da servidão por dívida ilegítima.*******
[1] Heinrich Brüning (1885-1970), político conservador, chanceler e ministro de Relações Exteriores da Alemanha de Weimar, de 1930 a 1932, até pouco antes de Hitler chegar ao poder. Incapaz de resolver os problemas econômicos da Alemanha, acelerou o processo rumo à ditadura que viria, passando a ignorar o Parlamento e governando por decretos. Em 1934, Brüning deixou a Alemanha e mudou-se para os EUA, onde deu aulas de ciência política na Universidade de Harvard, de 1937 a 1952 [NTs, com informações de Enciclopaedia Britannica].
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