30/6/2018, F. William Engdahl, Global Research, Canadá
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
A única novidade na guerra econômica promovida pelo governo Trump, assalto calculado contra amigos e inimigos, de Rússia à China, ao Irã, à Venezuela e à União Europeia , a chamada 'guerra das tarifas', é que, dessa vez, há um presidente que se serve de tuítos como arma de guerra, para desequilibrar o planeta. Desde pelo menos o final dos anos 1970s, Washington serve-se rotineiramente de táticas similares de chantagem econômica e desestabilização, para forçar o que já se converteu em dominação global, não de bens produzidos pelos EUA, mas do dólar como moeda mundial de reserva.
Já por quase cinco décadas, desde 15/8/1971, Washington e Wall Street servem-se de sua posição dominante para forçar dólares papel-moeda inflados pelo mundo, provocar bolhas financeiras e, subsequentemente, empurrar a dívida para níveis impossíveis, até o colapso.
O ponto mais essencial a compreender sobre as ditas "guerras comerciais" de Trump é que nada têm a ver com comércio ou com corrigir o comércio ou algum desequilíbrio nas moedas com os parceiros de exportações dos EUA. Esse mundo foi descartado em 1971 por Nixon e conselheiros.
A economia dos EUA desde 1971 foi convertida em fonte de ganho financeiro que, de fato, converteu os EUA, de nação produtora de bens industriais, em nação cujo objetivo de todos os investimentos é fazer dinheiro gerar mais dinheiro. Empresas como General Motors, que no final dos anos 1960s era a maior fabricante de carros e caminhões do planeta, coração da economia norte-americana, foram atraídas para a especulação, usando seu braço financeiro (GMAC autofinanciadora de veículos) para apostar no cassino financeiro mundial, apostas que deram péssimo resultado quando a bolha imobiliária explodiu nos EUA em março de 2007, e a GM foi estatizada, e os mega bancos de Wall Street foram 'resgatados' com dinheiro dos contribuintes e do Fed.
O processo, que descrevi em detalhe em meu livro Gods of Money, estendeu-se por décadas. À altura do ano 2000, os bancos e fundos de investimento de Wall Street dominavam completamente toda a economia dos EUA. Os empregos em fábricas haviam sido 'exportados', "deslocalizados", não por chineses ou alemães ou outros "exploradores gananciosos" como se dizia, mas por pressão dos mesmos bancos de Wall Street que, desde os anos 1980, levaram as empresas a se focar exclusivamente no valor das ações, não na solidez dos próprios produtos. Cabeças corporativas rolavam, se os bancos de Wall Street não aprovassem os números do retorno financeiro. Isso resultou em EUA que são, primariamente, uma economia de serviços, uma economia de consumidores afogados em dívidas, não mais uma economia industrial líder no mundo. Os ditos 1% mais ricos, os oligarcas dos EUA, exigem hoje tributo equivalente do resto do mundo, para sustentar o insustentável. A guerra comercial e econômica de Trump nada é além de golpe desesperado para tentar reproduzir, meio século depois, o que funcionou nos anos 1970s.
A ‘Segunda Revolução Norte-americana’
A transformação que destruiu a antes grande economia industrial norte-americana teve raízes nas transformações dos anos 1970s. A dominância pós-1930s da economia keynesiana, que entendia que deficit nas contas do estado poderia mitigar os efeitos negativos de recessões ou depressões, deu lugar ao que John D. Rockefeller III em livro intitulado The Second American Revolution, argumentou que seria um regime de desregulação, privatização de empresas estatais, como usinas de eletricidade, sistemas de água e rodovias.
Ao mesmo tempo, os ideólogos do livre mercado do Monte Pélèrin reunidos em torno do economista da Universidade de Chicago Milton Friedman, foram promovidos por Wall Street e pelo establishment financeiro dos EUA que cercava Rockefeller. Friedman tornou-se o guru da economia de livre mercado, operando como conselheiro de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher durante os anos 1980s. Seu dogma do livre mercado foi posto nas trincheiras do FMI e usado para pregar a favor da terapia de choque econômico e desregulação por toda a América Latina e nas economias comunistas do que fora a União Soviética e na Europa Oriental.
O evento chave, no que tenha a ver com a atual guerra econômica e de tarifas de Washington, está associado à decisão, tomada dia 15/8/1971, pelo presidente Nixon, de unilateralmente separar o EUA-dólar, de qualquer correspondente lastro em ouro.
O jogo de guerra comercial de Nixon
A decisão tomada pelo presidente Nixon em agosto de 1971, de separar o EUA-dólar e qualquer possibilidade de ser convertido em ouro dos EUA, foi apenas uma parte, embora crucialmente decisiva, do que se tornou transformação muito maior, que criou a gigantesca dívida global que hoje já está estimada em 233 trilhões de EUA-dólares. Grande parte dessa dívida é denominada em EUA-dólares e pertence a bancos centrais da China ou Japão ou de estados da União Europeia (UE).
Bem antes do verão de 1971, o governo dos EUA já dera luz verde ao Congresso para aprovar restrições comerciais punitivas de facto contra os maiores parceiros comerciais dos EUA, Japão e os aliados europeus da Comunidade Econômica Europeia (CEE), mais especialmente contra Alemanha e França. Ao final da década de 1960, as economias do Japão e da CCE haviam conseguido, de modo significativo, emergir da destruição da guerra, com economia reconstruída pelo molde do que era então o estado-da-arte da tecnologia industrial. As fábricas de aço e de carros, por sua vez, haviam sido produtos de investimentos do tempo de guerra e do imediato pós-guerra. Exportações alemãs e francesas tinham demanda em todo mundo, não só nos EUA.
Efeito disso foi que aquelas economias começaram a acumular quantidades relativamente enormes de dólares nos respectivos bancos centrais; em 1971, cerca de $61 bilhões em dívidas denominadas em dólares estavam no exterior. Nos termos do tratado de 1944, era obrigação dos EUA pagar em ouro, a qualquer momento que os bancos centrais exigissem do Federal Reserve, o correspondente àqueles dólares. O estoque oficial do Federal Reserve caíra, de $25 bilhões, para apenas $12 bilhões, no início de 1971, e a tendência já ganhava ritmo de bola de neve, com outros bancos centrais já preocupados com o valor dos próprios dólares inflacionados. Washington e Wall Street começavam a ver a cláusula do lastro ouro, de Bretton Woods, como uma pedra atada ao pescoço dos EUA, que poderia dar cabo do poder global dos EUA.
Ouro e dólares
O fim do lastro ouro foi precedido por muita chantagem, com Washington usando uma nova lei do Congresso para impor quotas, de início só para têxtis e calçados da Europa e de outras origens. Havia ameaça de estender as quotas também para carros e outros produtos europeus.
Em 1970, a política comercial dos EUA era de fato semelhante à do governo Trump, quase um século depois. Em maio de 1970, o Secretário do Tesouro dos EUA David Kennedy ameaçou que, se os parceiros comerciais dos EUA não tomassem medidas na direção de permitir que os EUA aumentassem suas exportações, o Congresso agiria para limitar as importações para os EUA. "Os países que têm superavit têm responsabilidade especial para agir na direção de eliminá-lo. Ou não?" – perguntava Kennedy, sabendo muito bem que uma das maiores razões para o desequilíbrio nas balanças comerciais era o fato de as empresas norte-americanas estarem comprando empresas europeias e asiáticas, forçando um superavit na balança de pagamentos naqueles países, e as exportações norte-americanas já não eram competitivas contra os produtos europeus e japoneses.
Washington usou uma política que os europeus chamaram de "descaso benigno" [orig. "benign neglect"], para deixar que o capital privado fluísse livremente para, principalmente, a Alemanha – e assim os EUA desmontaram as relações monetárias dentro da Comunidade Econômica Europeia. Os excedentes de dólares na Alemanha subiram muito. Em vez de desvalorizar o dólar enormemente inflado, movimento que poderia ter acelerado as exportações nos EUA e aliviado a crise, Washington exigiu que os países da Comunidade Econômica Europeia, principalmente a Alemanha, revalorizassem para cima as respectivas moedas, o que tornou não competitivas as respectivas exportações, num momento vulnerável. No caso do Japão, Washington exigiu que revalorizasse o yen em cerca de 20%, ou o país teria de encarar tarifas para limitar algumas categorias de exportações japonesas para os EUA.
O secretário de comércio de Nixon, Maurice Stans, adotou linha muito agressiva contra a Europa. Declarou que "em vários sentidos, nos convertemos em Tio Sucker do resto do mundo".
Nas palavras do economista Michael Hudson, "Os EUA jogaram a luva: ou Europa e Ásia submetiam-se, ou sofreriam retaliações. A máxima tática aplicada aos 'rebeldes' nesse caso é 'Não ataque o líder, se não estiver preparado para matá-lo'."
Os europeus encolheram-se e obedeceram. A lei comercial dos EUA foi uma declaração de que os EUA, e só os EUA, estavam isentos, como potência global dominante, do GATT ou de qualquer acordo legal que tivessem com outros parceiros.
Nesse ponto, liderados pela França, os bancos centrais da Comunidade Econômica Europeia – exceto a Alemanha, onde Washington aplicou enorme pressão sobre o presidente do Bundesbank, Karl Blessing –começaram a exigir que seus superávits em dólares fossem convertidos em ouro. Quando funcionários alemães sugeriram, já em 1966, que estariam considerando converter em ouro também seus crescentessuperavits em dólares, Washington ameaçou Blessing de retirar todas as tropas norte-americanas da Alemanha, país que teria deixado de "apoiar" o dólar.
Para pôr fim ao risco de mais países aliados cobrarem o ouro correspondente aos dólares superavitários, dia 15/8/1971 Richard Nixon, tendo ao lado o então secretário-assistente do Tesouro Paul Volcker, ex-executivo do Banco Chase de Rockefeller, anunciou o fechamento permanente da janela de câmbio de ouro do Fed. Ao mesmo tempo, Nixon impôs uma tarifa de importações de 10% sobre a maioria das importações norte-americanas, como meio de chantagem, para forçar a Comunidade Econômica Europeia e o Japão a aceitarem dólares sem limites e sem lastro ouro, dólares-papel cujo valor nominal foi inflado a um ritmo apavorante. Para comprar o mesmo o que um cidadão norte-americano comprava em 1970, por $385, em comida roupa e outras necessidades, são necessários hoje $2.529. É consequência direta de Nixon ter posto fim ao lastro ouro do dólar.
Num golpe de pena, Nixon e Wall Street removeram a ameaça de credores reivindicarem o ouro correspondente aos papéis norte-americanos em poder deles. As dívidas subiram, e Washington e Wall Street mantêm hoje um sistema comercial mundial dolarizado, no qual sanções do Tesouro dos EUA já são rotina como armas de guerra para forçar amigos e inimigos – sem qualquer diferença no modo como são tratados – a se alinhar de joelhos diante de qualquer coisa que Washington ordene.
Estará a China pronta a desafiar esse sistema do dólar, com tanto da produção chinesa ainda dependente de chips e processadores e de outras sofisticadas tecnologias norte-americanas? É precisamente essa dependência, que a estratégia econômica do projeto "Made in China 2025" de Xi Jinping visa a eliminar. Por sua vez também, empresas da União Europeia com grandes vendas nos EUA, temem as sanções secundárias contra quem continue a comprar petróleo e mantenha outros investimentos com o Irã.
Hoje, um presidente Trump dos EUA tuíta ameaças contra Alemanha ou China por estarem, segundo ele e sem qualquer base fatual, "manipulando a moeda"; e exige que aliados na OTAN aumentem seus gastos em Defesa, em troca do privilégio de serem mantidos sob dominação militar, pelo Pentágono. O estilo mudou, na chantagem econômica com que os EUA atacam o mundo desde os anos 1970s. Mas o conteúdo é sempre o mesmo.*******
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