27/11/2018, Pepe Escobar, Asia Times
Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga
O Ocidente esbraveja contra uma ‘agressão’ russa, mas a coisa parece mais simulação barata, do desesperado presidente da Ucrânia e conservadores nos EUA, obcecados com derrubar Trump no primeiro charivari com Putin.
Afinal, Kiev tentava entrar sem esclarecer o próprio intento e com naves militares armadas, em águas que a Rússia declara suas. Mas o intento era suficientemente claro: fazer subir o tom das ameaças e provocações, na militarização do Mar de Azov.
O Estreito de Kerch conecta o Mar de Azov com o Mar Negro. Para alcançar Mariupol, cidade chave no Mar de Azov muito próxima da perigosa linha que separa o exército da Ucrânia e as milícias pró-Rússia no Donbass, a marinha ucraniana tem de passar pelo Kerch.
Mas, desde que a Crimeia reintegrou-se à Rússia mediante referendum em 2014, as águas em torno do Kerch são águas territoriais russas.
Kiev anunciou no verão passado que construiria uma base naval no Mar de Azov, ao final de 2018. Essa é linha vermelha absolutamente intransponível para Moscou. Kiev pode até negociar algum acesso comercial a Mariupol, cidade que, por falar nisso, também mantém comércio próximo com a República Popular de Donetsk. Mas acesso militar? Nem pensar.
Mais importante que tudo isso, esqueçam também qualquer possibilidade de equipar o porto de Berdyansk com frota militar capaz de sabotar a imensamente bem-sucedida Ponte da Crimeia construída pelos russos.
Como se poderia prever que acontecesse e já aconteceu, a mídia ocidental só faz protestar contra a “agressão russa” e, isso, sem parar um minuto. Ou culpa a Rússia que teria reagido exageradamente, desconsiderando o fato de que a ‘incursão’ dos ucranianos fez-se com embarcações militares, não com barcos de pesca. A posição dos russos logo ficou perfeitamente clara, com os poderosos helicópteros de assalto Ka-52 “Alligator”, que em minutos apareceram no teatro de operações.
Washington r Bruxelas compraram sem examinar toda histeria de Kiev sobre a “agressão russa”, como fez também o Conselho de Segurança da ONU o qual, em vez de focar os fatos, no incidente do Estreito de Kerch, pôs-se imediatamente, outra vez, a acusar Moscou de ter “anexado” a Crimeia em 2014.
O ponto chave que o Conselho de Segurança atropela sem nem ver, é que o incidente no Kerch configura flagrante violação, por Kiev, dos artigos 7, 19 e 21 da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.
Eu estava mergulhado numa pesquisa profunda, em Istanbul, sobre a geopolítica do Mar Negro, quando ocorreu o incidente Kerch.
Por hora, deve-se destacar o que os principais analistas russos tem mostrado em detalhe. Meus interlocutores em Istanbul talvez discordem, mas, para todas as finalidades práticas, o Estreito de Kerch, o Mar de Azov e o Mar Negro, em termos militares, são lagos russos de facto.
No máximo, o Mar Negro, como um todo, poderia vir a ser um condomínio russo-turco, assumindo-se que o presidente Erdogan jogue corretamente as cartas que estão com ele. Tudo mais tem a importância que tenha, em termos militares, um cardume de sardinhas.
A Rússia tem todos os meios para dar conta de qualquer coisa – naval ou aérea – que se meta no Estreito de Kerch, no Mar de Azov e no Mar Negro, num lapso de tempo que vai de segundos a uns poucos minutos. Todas e quaisquer embarcações que andem em qualquer canto do Mar Negro são rastreadas 24h/dia, 7dias/semana. Moscou sabe que é assim. Kiev sabe que é assim. A OTAN sabe que é assim. E, informação crucial, o Pentágono também sabe que é assim.
Pois mesmo assim, Kiev – “encorajada” por Washington – insiste em militarizar o Mar de Azov. Falcões norte-americanos mal informados, mal saídos da Escola de Guerra do Exército dos EUA, chegam a ‘recomendar’ que a OTAN entre no Mar de Azov – ato de provocação, no que tenha a ver com Moscou. O Atlantic Council, que é, essencialmente, a voz da poderosa indústria norte-americana de armas, também é pró-militarização.
Qualquer tentativa para alterar o status quo atual, já instável que chegue, pode levar Moscou a impor bloqueio naval num piscar de olhos, e providenciar a anexação de Mariupol à República Popular de Donetsk, à qual, seja como for, a cidade já está industrialmente conectada.
O Kremlin consideraria esse movimento como último recurso. Com certeza Moscou não quer isso. Mas não é prudente provocar o Urso.
Provocação barata
Rostislav Ischchenko, o observador provavelmente mais atilado das relações Rússia-Ucrânia, disse em artigo redigido antes do incidente Kerch: “A própria Ucrânia reconheceu o direito da Rússia, de introduzir restrições à passagens de navios pelo Estreito de Kerch, e obedeceu as regras russas durante o verão.”
Mas, depois do investimento massivo de Estado Profundo dos EUA, mesmo antes dos protestos de Maidan em Kiev em 2014, que empurraram a Ucrânia para longe da influência russa, uma possível entente cordiale entre o governo Trump e o Kremlin, com a Rússia no controle da Crimeia e um Donbass pró-Rússia, será inevitavelmente vista como linha vermelha, para os norte-americanos.
Assim, um incidente no Estreito Kerch, visível provocação barata, que leva todas as impressões digitais de complô urdido em algum think-tank dos EUA é automaticamente interpretado como “agressão russa”, não importa o que digam os fatos. Realmente, qualquer tática é boa, se ajuda a desencaminhar a reunião Trump-Putin no G20 em Buenos Aires no fim de semana.
E na Ucrânia, o caos é a regra. O presidente Petro Poroshenko sangra. A grívnia é moeda sem salvação. Os juros em empréstimos para Kiev são os mais altos desde uma venda de papéis da dívida ucraniana em 2018. Esse estado fracassado está sob processo de “reforma” pelo FMI desde 2015 – e não há fim à vista.
O índice de aprovação de Poroshenko mal chega a 8%. As chances de ser reeleito, assumindo-se que as pesquisas valham alguma coisa, são praticamente zero. Não surpreende que tenha usado o Kerch para declarar lei marcial, que entrou em efeito na 4ª-feira, por 30 dias, podendo ser prorrogada. Poroshenko poderá assim controlar a mídia e amplia as próprias chances de fraudar as eleições.
Mas os EUA não perderão o sono se tiverem de empurrar Poroshenko para ser atropelado pelo ônibus (soviético). Os ucranianos não se deixarão matar para salvá-lo. Um dos comandantes no incidente Kerch entregou o próprio barco, voluntariamente, aos russos. Quando os Su-25s e Ka-52s russos começaram a patrulhar os céus sobre o Estreito Kerch, os reforços ucranianos fugiram imediatamente.
Poroshenko, em estertores de desespero, pode tentar elevar o tom das provocações. Mas o máximo que pode desejar é que a OTAN tente modernizar a marinha ucraniana já em colapso – tarefa que demoraria anos até ser completada, sem garantias de sucesso.
No momento, esqueçam a retórica e qualquer sugestão a favor de uma incursão da OTAN no Mar Negro. Como a calma, antes da inevitável tempestade.*******
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