30/11/2018, Aurélie Dianara, Jacobin Magazine
Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga
Os dois últimos fins-de-semana assistiram a grandes mobilizações de massas em toda a França, pelos “jalecos amarelos” que protestam contra o aumento dos preços dos combustíveis. No sábado, 17/11, 282 mil desses “jalecos amarelos” (assim chamados por causa dos coletes fosforescentes, de alta visibilidade, que todos os motoristas franceses são obrigados, por lei, ter no carro) mobilizaram-se em todo o país, bloqueando estradas, em “operações tartaruga” para dificultar o trânsito, e ações para passar pelos pedágios sem pagar. Foram mais de duas mil ações em todo o país, quase 400 prisões, várias centenas de feridos e um morto. Houve confrontos diretos com a Polícia, e o movimento prosseguiu nos dias seguintes, sem arrefecer, apesar da repressão.
No dia 24 de novembro, o Ministério do Interior estimou que 106 mil pessoas participaram dos protestos, incluindo os 800 que se reuniram em Paris para o autoproclamado “Ato II” do movimento. Embora a polícia municipal tenha impedido que manifestantes se aproximassem do Eliseu, palácio presidencial, os manifestantes realmente tomaram a Avenida dos Champs Elysées, coração da cidade, onde houve confrontos violentos com a polícia ao longo de todo o dia. Alguns jalecos amarelos já anunciaram que pretendem voltar a Paris no próximo sábado dia 1/12/2018 [voltaram (NTs)].
Mas também notável é a cobertura que a mídia está dando a esses protestos: verdade é que nenhum outro movimento social recente na França teve tão ampla divulgação. Durante dez dias, toda a mídia francesa esteve ocupada tentando identificar esses tão improváveis manifestantes e protestadores. Muitos deles disseram aos jornalistas que jamais antes participaram de manifestações; declaram-se participantes de um movimento de cidadãos apolíticos, que emergiu por fora das organizações sindicais e dos partidos políticos que em geral dominam manifestações tão amplas.
Mas esse movimento é complexo, embrionário, com muitas faces: homens, mulheres, empregados, trabalhadores precarizados, desempregados que vivem da assistência social, muitos economicamente inativos, aposentados, professores, comerciantes e trabalhadores. Lá estão também grupos partidarizados e sindicalistas, misturados na massa. Vêm da esquerda e da direita. Mas todos têm um ponto em comum: essa é a França que luta para sobreviver até o fim do mês. Dito em termos simples, é movimento popular. Mas não de todo o povo.
Que povo?
O povo que se reuniu no movimento dos jalecos amarelos é o povo da França das periferias: que não vem dos grandes centros urbanos, mas de pequenas cidades e áreas rurais. Uma parte da França que não é vista com frequência nos levantes contemporâneos. Para se tornarem visíveis, vestem os jalecos amarelos fosforescentes, o mesmo que todos os motoristas têm de carregar no carro, por lei, para emergências. Chegam juntos e organizados, pelas mídias sociais — há poucas semanas, começaram a surgir grupos, criados por département (pequenas unidades administrativas francesas) — e em alguns casos houve reuniões preparatórias antes de tomarem as ruas na madrugada do sábado 17 de novembro.
Os jalecos amarelos saíram para protestar contra o aumento nos preços dos combustíveis. E com muito bons motivos: esse ano o preço do combustível subiu 23% e o diesel 14%, depois do salto no preço do barril de petróleo. Além disso, o governo anunciou recentemente que os preços do diesel e da gasolina aumentarão ainda mais — quatro e sete centavos por litro respectivamente –, apresentando esse aumento como meio para financiar uma transição ecologicamente orientada para a energia.
“Macron, renuncie!” é o slogan que se ouve em todas as províncias e na Avenida dos Champs Elysées.
Os aumentos anunciados causaram, não surpreendentemente, grave descontentamento nas classes médias e entre os mais pobres, especialmente os que moram nas periferias das grandes cidades, mais afetados pelo aumento no preço do transporte. O preço dos combustíveis atinge duramente a renda das famílias, no caso desses cidadãos, que viajam muitos quilômetros de carro diariamente.
Em termos de demandas, os jalecos amarelos querem, em primeiro lugar, livrar-se desse “imposto carbono”. Mas por trás da ira há algo mais. Como os manifestantes e apoiadores repetiram várias vezes ao longo das últimas duas semanas, para justificar as próprias ações (que geraram transtornos significativos), a questão do preço dos combustíveis é como “a gota d’água que fez transbordar o copo”.
As vozes que se ouviram em dias recentes manifestam claramente um sentimento de exasperação, a sensação, nessas pessoas, de estarem sendo objeto do desprezo (e de estarem sendo excluídos) da classe política, que essas pessoas de modo geral rejeitam. Muitos exigem que o presidente Emmanuel Macron renuncie. Insistem que Macron tem baixo apoio da população e frágil legitimidade eleitoral: fato é que, nas eleições presidenciais do ano passado, Macron obteve apenas 24% dos votos no primeiro turno; e o não comparecimento às urnas no segundo turno é recorde histórico. “Macron, renuncie!” é slogan que troveja nas províncias e também na Avenida Champs Elysées.
O sentimento de exasperação é resultado de anos de arrocho fiscal e de políticas sociais que aos poucos foram estrangulando as classes médias, inclusive em termos de impostos mais altos. Imediatamente depois de assumir o governo, Macron aboliu o Imposto Solidários sobre Grandes Fortunas [fr. Impôt de Solidarité sur la Fortune (ISF)], com o que deu €4 bilhões de euros a mais aos mais ricos; e aprofundou o Crédito do Imposto para Competitividade e Emprego [fr. Crédit d'Impôt pour la Compétitivité et l'Emploi (CICE)], programa de isenção e cortes de impostos, com o que passou a transferir €41 bilhões ao ano para empresas francesas, inclusive às multinacionais. Pouco depois, com o orçamento para 2018, Macron estabeleceu um imposto fixo [ing. flat tax] que também reduz a taxação sobre o capital, e dá outros €10 bilhões para os mais ricos.
Ao mesmo tempo, o governo aumentou a Contribuição Social Generalizada [fr. Contribution Sociale Généralisée (CSG)], imposto sobre a renda a ser pago por aposentados e pensionistas, depois de as próprias aposentadorias e pensões terem deixado de ser corrigidas pela inflação (o que reduz a capacidade dos aposentados para proverem o próprio sustento). O governo pôs fim aos contratos subsidiados (que permitiam que muitos trabalhassem por contratos parcialmente financiados por organizações públicas) e reduziu em 5 euros mensais a contribuição social para moradia dos mais pobres.
Como se isso não bastasse, o novo “imposto do carbono” pesará cinco vezes mais no orçamento das classes médias, do que no das classe rica. E o governo não tomou qualquer medida para reequilibrar esse tratamento obviamente desigual – garantindo, por exemplo, alguma ajuda às famílias mais pobres.
Essas medidas, que se somam às políticas já postas em prática pelos presidentes Nicolas Sarkozy e François Hollande, só fizeram produzir aumento massivo na desigualdade social na França. Ao longo das últimas duas décadas, as maiores fortunas na França aumentaram dez vezes, ao mesmo tempo em que, como mostra recente estudo do Observatório Francês das Conjunturas Econômicas (OFCE) e do Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (INSEE), o “poder de compra” das famílias francesas caiu €440 por ano desde a crise de 2008. Nesse contexto, nem surpreende que se tenha disseminado um senso de injustiça e humilhação; e a consciência de que a França tem hoje um arrogante “presidente dos ricos.”
Assim se exacerbou uma divisão entre o povo e a elite privilegiada representada pelo presidente, agravada por uma série de recentes escândalos financeiros envolvendo chefes de Estado. Se governos continuam a repetir que alívio fiscal para os mais ricos e grandes companhias estimularia investimentos, os números mostram coisa muito diferente: ainda estamos esperando pelos milhões de empregos prometidos por Hollande e seu então conselheiro Macron quando o Crédit d'Impôt pour la Compétitivité et l'Emploi (CICE) foi lançado em 2012.
Interesses convergentes?
O movimento não está limitado à França continental, mas também alcança as “ex”-colônias francesas em territórios de além-mar e em particular a Ilha de Réunion. Num território onde o desemprego alcança a estratosfera e 42% da população vive abaixo da linha da miséria, os preços do petróleo, gás e da eletricidade também continuam a aumentar. Como na França rural e periférica, esses territórios sofreram de modo muito específico a degradação dos serviços públicos ao longo de mais de uma década, com governos fechando hospitais, os mesmos que cortes e impostos sobre os preços de combustíveis estariam sendo criados para conseguir pagar. O contrato social está em cacos, e por aí a fúria cresce.
Na Ilha Réunion, de fato, o movimento assumiu proporções especialmente impressionantes, com confrontos com a polícia, incêndio de carros e “autodescontos” (saques de lojas), tudo levando à introdução, 3ª-feira da semana passada, de um toque de recolher imposto pela polícia da ilha.
Na verdade, o conselho regional anunciou, dia 21/11, que congelaria o preço dos combustíveis pelos próximos três anos, mas nem por isso as tensões cederam, e os jalecos amarelos agora exigem cortes no preço do combustível. As demandas do movimento ampliaram-se, e agora cobrem também o custo de vida, o acesso a empregos, medidas que ataquem as desigualdades e uma demanda ampla por “mais respeito”.
Dia 26/11, os jalecos amarelos em toda a França nomearam oito “comunicadores nacionais” para falar por Facebook, responsáveis pelo diálogo com o governo. Embora alguns no movimento questionem a representatividade desses porta-vozes, eles já exigiram uma reunião com o governo, para levar adiante o atendimento às demandas do movimento.
As principais propostas formuladas até agora são uma redução geral nos impostos e a criação de uma “assembleia de cidadãos” para discutir a transição ecológica, mais respeito à voz dos cidadãos, aumento do poder de compra e medidas para renovar e atualizar o valor do trabalho. A reunião também discutirá medidas diversas, como uma proibição ao uso do glifosato, comercialização de biocombustíveis, extinção do Senado, organização de referendos locais e nacionais frequentes, aumento nos subsídios para criação de empregos (não precários), respeito à paridade de gêneros, aumento no salário mínimo e corte nas contribuições sociais de empregadores.
Ontem, os jalecos amarelos lançaram um comunicado à imprensa, incluindo cerca de 40 “diretivas do povo,” enviado também aos Deputados. A lista inclui medidas como completa solução para o problema dos sem-teto; sistema de impostos mais fortemente progressivo [mais ricos pagam mais], um sistema universal de seguridade social, salários de deputados reduzidos para a média nacional, proibir que se transfiram empresas e empregos para outros países, criar mais contratos sem fim marcado, abolir o imposto CICE, investimento em transporte sustentável, fim das políticas de austeridade, introdução por lei de um salário máximo (de €15 mil /R$66 mil/mês), controle sobre preços de alugueis e fim imediato do fechamento de postos de correio, linhas de trem, escolas, creches etc.
Tudo isso parece desafiar as políticas do presidente “anti-Robin-Hood”, que rouba dos pobres para dar aos ricos. Incontáveis cartazes exigem a renúncia de Macron; na verdade, o movimento atual vem na sequência de muitos outros iniciados mesmo antes de 17/11, desde a luta contra a reforma universitária e os cortes no setor público, até a batalha contra a repressão levada a efeito em nome de “combater o terrorismo”. Mas ainda é preciso esperar para confirmar se a sempre tão almejada “convergência das lutas” estaria afinal acontecendo.
Os jalecos amarelos são vistos com um misto de confusão, suspeita e desconfiança – não só por uma mídia condescendente, mas também em amplas faixas do comentariato oriundo do muito variado mundo da Esquerda. A críticas ao comportamento deles é visivelmente influenciada por evidente desprezo pelas “classes subalternas”: as mídias sociais pululam de piadas sobre “imbecis” saídos “dos cortiços”, gente “da França de baixo”. O mesmo tom também apareceu nas redes sociais mais próximas do “movimento” autônomo de esquerda, antes da potente manifestação de 17 de novembro.
Algumas dúvidas são legítimas. Ecologistas e defendedores da natureza estão, para dizer o mínimo, desconcertados com o barulho a favor de um movimento que, basicamente, pede que se queime mais petróleo e preço baixo, e que, inicialmente, não parecia interessado na intenção – pelo menos ‘de discurso’, do governo – de usar o “imposto do carbono” para financiar a transição ecológica.
Essa foi uma das principais razões pelas quais as forças de esquerda não apoiaram, de início, o movimento. Dada porém a extensão da mobilização, muitos reconsideraram a posição inicial; de fato, todas as forças da oposição, da esquerda e da direita (exceto os Verdes) manifestaram apoio discreto ao movimento, sempre cuidando para não ser acusadas de estar “recuperando” o movimento para seus específicos objetivos políticos.
Contrato social em ruínas deixa espaço à fúria
Jean-Luc Mélenchon e o deputado e escritor François Ruffin, dentre outras figuras de France Insoumise — além de muitos de seus militantes dos movimentos de base – participaram das mobilizações ao lado dos jalecos amarelos. Na 3ª-feira, 20/11, o sindicato moderado FO Transports anunciou apoio ao movimento. Até Philippe Martinez, secretário-geral da principal união sindical francesa, a inicialmente cética CGT, afinal manifestou apoio cauteloso e convocou manifestação conjunta para 1º de dezembro.
Também começam a chegar apoios da esquerda dos movimentos. Por exemplo, o comitê Vérité pour Adama – que luta por verdade e justiça no caso do assassinato de Adama Traoré, 24 anos, morto numa delegacia de polícia em julho de 2016 em Beaumont-sur-Oise, área pobre dos subúrbios de Paris – anunciou que se integrará ao movimento que os jalecos amarelos convocaram para as ruas no sábado (1/12/2018). Muitos dos “grandes nomes” da esquerda ativista e intelectual francesa – como as Assa Traoré, Frédéric Lordon e Edouard Louis – já convocaram para tomar as ruas em apoio ao movimento.
Apesar dessas tardias expressões de apoio, muitos na esquerda continuam em dúvida quanto a essa mobilização. O caráter apolítico autodeclarado do movimento e o fato de que muitos jalecos amarelos dizem jamais ter participado de movimentos de rua antes têm atraído acusações de “autoreferencialismo” ou de que seria movimento de natureza pequeno-burguesa. Até os que clamam pela “convergência das lutas” encontraram dificuldades para apoiar demandas de pessoas que não se mobilizaram ano passado, contra a tripla ofensiva do governo, contra metroviários e ferroviários, estudantes e migrantes.
Acima de tudo há suspeitas de que o movimento tenha sido infiltrado pelo Rassemblement National (RN, ex- Front National), de Marine le Pen, ou até por fascistas, que estariam no comando do movimento. Desde o início da mobilização tem havido ocasionais expressões de racismo e de islamofobia – incidentes que tiveram ampla cobertura na imprensa (cobertura que não é regra geral nesses casos). Na 6ª-feira, Martinez, líder da CGT, alertou seus sindicalistas de que talvez houvesse, nos bloqueios dos Jalecos Amarelos, “elemento da extrema direita que tumultuaram as demandas na questão da imigração.”
Ante essas suspeitas, muitos ativistas recomendaram cautela, que se esperasse para ver o que aconteceria e que direção tomaria o movimento. Não há dúvidas de que nos bloqueios de estrada havia gente de todo tipo: a maioria “apolíticos”, mas também fascistas do RN, apoiadores da direita conservadora linha dura que seguem Laurent Wauquiez (Os Republicanos), nacionalistas, socialistas, Insubmissos (de Melenchon), comunistas, sindicalistas, anarquistas e por aí vai. Mas precisamente essa atitude de “esperar para ver o que acontece” pode acabar por entregar o movimento às tendências reacionárias.
Até a crítica moralista, que acusa os jalecos amarelos de serem materialistas e egoístas, pode ser questionada. Verdade é que o aumento no preço do pão foi o principal fator que empurrou para as ruas as mulheres, em sua furiosa marcha sobre Versailles em outubro de 1789.
A história das lutas sociais está semeada de movimentos que brotaram de uma exasperação despertada pelas condições materiais em que viviam as classes populares, movimentos que podem ampliar a consciência e o âmbito das demandas e que podem, sim, convergir com outras lutas. Ou não.
A situação dos jalecos amarelos é complexa e multiforme, mas manifesta desconforto real. Para a esquerda política, participar do movimento gera várias dificuldades, mas a esquerda pode pelo menos tentar compreender o desconforto, dar-lhe slogans úteis e impedir que todo o movimento seja recuperado pela extrema direita. Só assim os jalecos amarelos conseguirão deixar de ser simples movimento contra impostos e orientar-se para demandas ecológicas e redistributivas mais importantes.
Movimentos e ‘mídia’
Também é verdade que, por enquanto, a enorme visibilidade que a mídia deu aos jalecos amarelos eclipsou outros movimentos importantes também em curso na França nesse momento. O principal exemplo são os eventos organizados no sábado 24/11 para o dia internacional contra a violência contra a mulher. Durante meses, coletivos e organizações feministas trabalharam para organizar uma “maré” com a violência sexista e sexual.
Um ano depois de #MeToo, que encontrou eco real na França, Nous Toutes [lit. Nós Todas] trabalham para criar um movimento unitário e massivo, num país no qual o movimento feminino sempre foi marcado por tensões e divisões agudas. O sucesso foi gigante: no sábado, mais de 50 mil pessoas tomaram as ruas em toda a França, incluídas as 30 mil da manifestação em Paris. É número muito inferior ao que se viu em Roma (os organizadores falaram de 200 mil pessoas), mas muito superior aos 2 mil manifestantes franceses, ano passado. E o número dos que tomaram as ruas contra o sexismo foi, em todos os casos, muito maior que os 8 mil jalecos amarelos que marcharam pela avenida Champs Elysées e dominaram as manchetes nos dias subsequentes.
Há muitos outros exemplos de lutas de massa que aconteceram em semanas recentes na França, e que não tiveram a mesma cobertura de mídia que os jalecos amarelos: houve manifestação de professores dia 12/11, para defender as escolas contra cortes de empregos; da Dordogne a Rouen, trabalhadores dos serviços postais fizeram greve contra o desmantelamento do serviço postal público; dia 20/11, as enfermeiras mobilizaram-se para salvar o financiamento público dos hospitais. Embora hoje estejamos vendo menos alguma convergência de lutas que uma multiplicação de lutas diferentes, há sinais de que essa situação pode evoluir para alguma convergência real da França periférica, da França das cidades e dos banlieues [aprox. “bairros”], e do restante da esquerda ativista francesa.
Nas próximas semanas veremos se a França das periferias pode unir-se à França dos grandes centros urbanos, aos estudantes e aos trabalhadores sindicalizados. Por enquanto, o governo parece decidido a não ceder. No domingo 25/11, a ministra dos transportes Elisabeth Borne reiterou que o governo não recuará do “imposto do carbono”.
Na 3ª-feira, 27/11, Macron fez uma série de anúncios sobre a transição ecológica, sem nenhuma concessão às demandas do Movimento. Na 6ª-feira, uma delegação de jalecos amarelos deve reunir-se com o primeiro-ministro francês Edouard Philippe. No meio tempo, o estado derrubou os bloqueios de estrada e prendeu centenas de pessoas: algumas já foram até julgadas e condenadas. No sábado à noite, um tuíto de Macron confirmou seu apoio à ação da Polícia: “Vergonha sobre os que tentaram intimidar funcionários eleitos. Na República não há lugar para violência.” Como sempre, a mídia-empresa dominante serviu amplamente aos objetivos estratégicos do governo, focando as ações de violência, para desacreditar o Movimento.
Mas há algo mais sutil e mais ‘maquiavélico’ – e com certeza mais perigoso – na própria estratégia de Macron. Na tentativa do governo (e da mídia-empresa) para pintar o movimento dos jalecos amarelos como movimento reacionário, dirigido pela extrema direita, há uma manobra para atrair apoios para A República em Marcha, do próprio Macron e, assim, preparar o terreno para eleições europeias.
Essa manobra começou já há alguns meses, e também está conectada aos raids da Polícia nos escritórios do Partido La France Insoumise, de Melenchon e principal força da esquerda francesa. Em setembro, depois de uma primavera de mobilizações, mas especialmente depois do “Benalla affair” (revelação de vídeos nos quais o guarda-costas pessoal do presidente, fantasiado de oficial de polícia, aparece espancando manifestantes), Macron desabou nas pesquisas de opinião.
Na direção inversa, o líder de e France Insoumise, Jean-Luc Mélenchon, subiu nas pesquisas de aprovação, convertendo-se em principal nome da oposição. Em outubro, o governo enfrentara outra crise, com a renúncia do ministro do meio ambiente, o Verde Nicolas Hulot — que renunciou denunciando a influência de lobbyistas nas políticas de Macron – e do ministro do Interior Gérard Collomb.
Foi nesse contexto que os raids policiais aconteceram contra 15 locais onde funcionam serviços do partido France Insoumise e propriedades conexas. Foi operação de amplitude sem precedentes na história política da França, especialmente se se considera que teria sido apenas uma parte de uma investigação preliminar sobre gastos eleitorais do partido de Melenchon.
Macron em seguida abriu sua campanha para as eleições europeias de maio de 2019, que visa a apresentar seu partido como a única força “progressista” que resiste contra os vários “nacionalismos” – com o que tenta meter os partidos de Martine LePen e de Melenchon num mesmo único saco “populista”. Em 2017, Macron foi eleito graças, principalmente ao voto contra Le Pen — como já acontecera antes, em 2002, quando Jacques Chirac venceu as eleições contra o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, mas com a importante diferença de que, enquanto Chirac recebera 82% dos votos, Macron mal chegou aos 66%.
A estratégia de Macron é recriar o mesmo cenário polarizado para as eleições europeias. Por essa razão já se apresentou como o “anti-Salvini” e o “anti-Orban.” Mesmo assim, a política de imigração de Macron, como construída pela Lei sobre Asilo e Imigração, é perfeitamente compatível com as leis de Salvini ou Trump: por exemplo, as medidas que permitem detenção de crianças e a prorrogação da detenção preventiva.
O populismo identitarista e xenófobo que floresce hoje por toda a Europa não é reação ou via alternativa às políticas liberais: é extensão delas. Como recentemente destacou Quinn Slobodian, expoentes do partido Alternative für Deutschland e da extrema direita austríaca mantêm laços íntimos com a famosa Sociedade Mont Pellerin, central global intelectual do neoliberalismo.
O imposto único promovido pelo governo italiano Salvini-Di Maio é outro exemplo da conivência entre as ideias do bloco neoliberal (centro-esquerda e centro-direita) e da direita identitarista. O objetivo comum desses todos é permitir que o capital circule e bloquear a trilha para os seres humanos. A Europa desejada por Salvini e Orban é uma extensão identitarista, não o oposto, da Europa neoliberal.
No horizonte para as eleições europeias de maio de 2019, vê-se um continente azul-marron [ing. blue-brown continent (?)]. O partido de Le Pen está à frente das atuais pesquisa para as eleições do ano que vem, à frente do partido de Macron, dos Republicanos e de France Insoumise. De fato, nos últimos dias, os veículos da grande mídia-empresa francesa só fazem malhar o espectro do extremismo. O partido de Le Pen, apresentado como principal força de oposição, é ‘denunciado’ como principal força da oposição, ativo por trás das coxias para empurrar os jalecos amarelos para uma via de violência.
Mas também há forças da esquerda determinadas a modelar o movimento e impedir que Macron ou Le Pen explorem as ruas a favor de seus próprios objetivos. Todos esses ativistas também estarão na Avenida Champs Elysées no sábado (2/12) ao lado e com os manifestantes vestidos nos jalecos amarelos.*******
Nenhum comentário:
Postar um comentário