segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Putin e as Regras da Elite


24/11/2018, Aleksandr Khaldey, StalkerZone, de iarex.ru
(traduzido ru.-ing., por Ollie Richardson & Angelina Siard, aqui retraduzido)


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“Por essa razão é impossível exigir hoje de Putin [e de Lula, de Cristina Kirshner, de Rafael Correa e de alguns outros] que transforme radicalmente e derrube a elite: porque as condições internas e externas para que isso aconteça ainda não se desenvolveram, infelizmente.

O sistema atual ainda não exauriu todos os seus recursos, e continuará a lutar pela própria vida. O fim de qualquer formação social historicamente é processo longo; e não há como acelerá-lo ou empurrá-lo adiante. O problema não é quebrar o que existe. O problema está em compreender o que ocupará o espaço do que agora se acaba. Enquanto essa noção não estiver construída, o que aí está aí permanecerá.”
O capitalismo está reduzido a restos, vai-se enfraquecendo, mas ainda é forte demais para simplesmente sumir. O novo ainda está em formação e ainda não consegue desalojar o velho sistema.”
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Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga




Quando tentava compreender, durante muitos anos, por que Putin não derruba a elite ainda governante na Rússia, mas trabalha com o que encontra no poder, percebi que pouca gente compreendia o que, de fato, estava em discussão. Especialistas já conhecem praticamente decorados, todos os fatos possíveis e imagináveis relacionados ao presidente, a biografia de Putin e toda a história de sua chegada ao cargo mais algo do governo russo. Mas poucos estudam a elite russa, motivo pelo qual se sabe muito menos sobre o que representa aquela elite e sobre se o presidente teria hoje algum espaço para influenciar radicalmente a elite – como fez Stálin, por exemplo –, ou se as oportunidades hoje são muito limitadas.

A sociedade já compreendeu que a elite não são só grupos econômicos e de interesses. A elite é um sistema sobre o qual se apoia o chefe de Estado. É impossível destruir esse pilar, sem criar outro. Não há sistema ‘alternativo’ nem elite ‘alternativa’. Se a elite é sistema, em vários casos pode desejar um árbitro. 

Nos anos 90s, a elite russa chegou a um acordo com a sociedade, pelo qual a elite listou as obrigações da sociedade e livrou-se de todos os deveres a ela relacionados.

O sistema é constituído de clãs. É impossível remover os clãs, dado que se destruiria o sistema, porque todos os sistemas são constituídos de clãs. O sistema soviético também foi constituído de clãs. Assim como o secretário-geral não podia mudar o sistema contra o desejo de clãs chaves, tampouco o presidente pode fazê-lo hoje. 

Os clãs têm recursos especialmente para minar o sistema. Alguns clãs minam um tipo de pilar; outros clãs minam outros pilares. Há implícita influência externa: Thatcher, servindo-se de Gromyko empreendeu esforços gigantescos para pôr Gorbachev no poder.

Gorbachev conseguiu romper o sistema, não porque tenha contrariado tudo e todos, mas porque a elite do partido soviético há muito tempo queria aquele rompimento. Já havia amadurecido todo um alto escalão da elite antissoviéticos, que desejava demolir o socialismo. Essa elite conseguiu substituir a velha e já decrépita elite soviética. Hoje, na Rússia, nada há que se assemelhe a alguma contraelite antiliberal madura. Afinal, não se pode considerar contraelite aquela mínima oposição que opera no Parlamento (Duma)! Esse é o motivo pelo qual Putin não tem os recursos necessários para minar o sistema. A elite, sim, tem esses recursos, mas Putin não tem. E ainda não se constituiu uma contraelite.

A mídia-empresa passou a funcionar como instrumento para chantagem, nas mãos da velha oligarquia dos anos 90s. Então, para que não entrasse em colapso, o sistema começou a precisar de um árbitro. E Putin recebeu da elite um mandato para preservar o sistema.

Para que Putin pudesse cumprir sua função, a ala do poder que lhe deu seu mandato teria de ser fortalecida. Putin cuidou de organizar os corpos do Estado para aplicar e fiscalizar a aplicação da lei, que antes não havia. Antes, todos esses corpos operavam como serviçais da oligarquia, só ativos para garantir a rápida repartição da propriedade do Estado Soviético. Assim, até as forças especiais foram erodidas, e a situação ficou perigosa para os próprios oligarcas: guerra geral, de todos contra todos, com a participação das forças e serviços especiais é o pior que pode acontecer a grandes empresários, em qualquer lugar do mundo.

Desde que tomou posse, uma das principais tarefas do presidente tem sido garantir a estabilidade da elite. É o que explica a política pessoal de Putin. Para garantir a estabilidade da elite, Putin pode exigir que a elite cuide de se adequar à sociedade. Porque só nesse caso o presidente consegue proteger os clãs da elite hoje no poder, ao mesmo tempo, contra a ação da sociedade e contra a ação de outros clãs. Esses são os recursos com que Putin conta para operar com sucesso na sua função de árbitro de conflitos.

Na Rússia, a elite define a identidade do presidente. Essa é, especialmente, a opinião da ala liberal da elite, que tinha medo de Ivanov, que se tornou chave na indicação de Medvedev como presidente. Hoje, com nova troca de governo já próxima, a opinião dessa ala não perdeu peso. Apesar de todos os golpes de má sorte, o liberalismo ainda é a ideologia da elite administrativa e comercial. Não porque sejam vilões por sua própria natureza, mas simplesmente porque aspiram a ser como o Ocidente, porque dá lucro. Nisso reside o uso de todos os institutos de entesourar dinheiro e de todas as oportunidades para fazer o dinheiro gerar lucros.

Sun Tzu disse que para forçar alguém a caminhar até você, só há um modo – tornar a caminhada lucrativa para quem se tenha de atrair. Hoje, o sistema ocidental de multiplicar dinheiro é mais lucrativo do que o sistema doméstico russo, se as sanções forem removidas. E esse sistema funciona se, a elite tiver pactuado entre seus membros que não haverá código de conduta nem código de honra a seguir; que não se cogitará de ensinar autorrespeito e autossuficiência aos alunos; que não se cogitará de qualquer formação ou educação de respeito e amor à terra natal; que não se cogitará de ensinar que todos temos o direito de participar na construção do nosso destino individual e do destino da nossa terra; e que, sim, tudo será feito para que se implante profundamente na alma nacional um sentimento de inferioridade.

Parte considerável da elite russa, especialmente a nomenklatura do business, ainda se sente profundamente secundária em relação ao Ocidente. E o pior é que parece perfeitamente feliz, nessa posição subalterna.

As sanções em nada abalaram a aspiração da elite russa, de ser como o Ocidente; só geraram uma aspiração de, de algum modo, contornar as sanções e cancelá-las o mais rapidamente possível ou, pelo menos, enfraquecer algumas delas. A via para o Ocidente, para a elite russa, ainda é a mais desejada, apesar de dizerem que haveria desentendimentos insuperáveis entre as elites do Ocidente e da Rússia.

E não há qualquer outra opção comparável à trilha rumo ao Ocidente, em termos de lucrabilidade. Deripaska voltou à Rússia por causa das sanções, mas no instante em que forem canceladas, correrá de volta para onde estava. Todos quantos estão hoje em posições ‘da elite’, que sejam patriotas e antiocidentalistas correrão com ele, para longe da Rússia. Como seguidamente diz A. Fursov, citando A.Galich: “Tudo isso, meu caro, é para o povo ver”.

Uma redução na base de recursos semeou confusão no seio da elite, o que obrigou o árbitro a remover à força alguns jogadores de clãs ativos. Mas Putin não recebeu da elite poderes para promover essa ‘limpeza’. Na elite, o papel de Putin é de diretor-geral, que não possui ações da empresa e não pode demitir nenhum figurão do Conselho de Diretores-acionistas.

Por isso vê-se que o atual mandato de Putin é típico, não de mandato recebido da elite, mas de mandato recebido do povo. Putin recebeu, sim, um mandato do povo. E os liberais assustados, pressentindo uma rotação de poder, começaram a tentar afogar Putin. A primeira tentativa para afogar o presidente foi a Praça Bolotnaya.

Hoje assistimos à segunda tentativa, na forma de reforma das aposentadorias e aumentos de impostos e combustíveis, combinados aos cortes no orçamento. O atual governo, do ministro ao vice-primeiro-ministro, é formado de representantes e lobbyistas de grandes grupos financeiros e industriais. Alguns deles são secundários, porque foram plantados por vice-primeiros-ministros que, eles mesmos, são os representantes. É o caso do bloco econômico do governo. Só o chamado ‘bloco do poder’ é prerrogativa do presidente e indicado por ele. A essa convivência entre esses dois blocos a comunidades ‘analítica’ russa chama de “o consenso da elite”.

A estrutura da ala liberal é multifacetada, formada de membros e de não membros do governo. A estrutura aí vai dos que supervisionam essa ala do grupo burocrático na Administração Presidencial, à parte liberal do governo, à oligarquia liberal, deputados do Parlamento –, no governo e fora dele representados pelo Partido no poder e representado por alguns dos partidos da chamada oposição, os intelectuais liberais e a rua liberal. Porque também há outra parte, não liberal e antiliberal [ing. iliberal] dessas instituições, mas são muito menos bem dotadas de recursos.

Todos os grupos radical ou moderadamente liberais no poder são, de um modo ou de outro, conectados à exportação de matérias primas e à tomada de empréstimos do Ocidente. Essa é na verdade a base social que garante apoio ao modelo da economia russa como colônia exportadora de matéria prima. 

Esse modelo não traz qualquer renda que permita manter o consenso social; assim eclodiu na Rússia uma grave crise do modelo-base de poder e propriedade –, mesmo sem que o modelo tivesse sido desafiado de dentro para fora. E dado que o modelo não foi desafiado de dentro para fora, e o impasse básico ‘estabilizou-se’, o modelo da Rússia como colônia exportadora de matéria-prima manteve-se como principal modelo formador da elite.

Na Rússia, todas as tentativas para mudar radicalmente a composição da elite e as condições de funcionamento da elite sempre terminarão do mesmo modo como terminaram todas as tentativas para mudar o sistema na Rússia que desconsideraram a posição da elite – exceto no caso dos três expurgos de Stálin. 

Em vez de perestroika haverá luta encarniçada, que na Rússia sempre assume o formato de guerra civil com o colapso subsequente de qualquer Estado que existisse antes. A demanda que existe na sociedade, por uma elite de esquerda, só será atendida muito lentamente. 

O período de transição rumo à mudança na direção de se instalar uma elite de esquerda só começará em 2024. Nesse momento, aqueles cuja infância soviética aconteceu com sonhos sobre o capitalismo como sistema de prateleiras cheias e prosperidade geral para o consumidor, acompanhados de “melodies and rhythms of a foreign estrada, estarão deixando a arena, pela idade avançada, e levarão com eles suas fantasias. 

Os que não tenham ilusões nem quanto ao socialismo nem quanto ao capitalismo, poderão afinal começar a penetrar a elite. São os muitos que, na vigência do sistema capitalista, atravessaram tentações pequeno-burguesas, ergueram-se, depois faliram, empobreceram, perderam tudo e hoje, com intuição de classe já mais amadurecida, odeiam esse sistema do lucro individual a qualquer custo.

Essa nova geração está agora em formação. São os que batem os pés nos comícios de oposição não sistemática, não assistem à TV, não se interessam por eleições. São os que perderam aposentadoria, a educação e a assistência médica de boa qualidade, universais e gratuitas; que perderam o emprego estável e seus pequenos negócios; que são explorados como escravos pelas nossas redes de distribuição – e são os que hoje começam a se posicionar para, em seis anos, alcançar a linha de frente da história. 

Virão de diferentes classes sociais, e os filhos dos atuais oligarcas que receberam poder e propriedade por herança serão obrigados a lidar com eles. Claro: esses filhos e herdeiros das oligarquias ainda parecem, hoje, donos do jogo de manter para sempre e sempre a situação atual. Claro também que nenhum deles conseguirá. 

Não importa como façam planos e protejam-se com reformas constitucionais, o tempo deles está chegando ao fim, e serão expulsos pelas novas forças. É inevitável, e eles sentem os novos tempos. 

O atual método de reprodução e acumulação (a Rússia posta como colônia fornecedora de matérias primas ao Ocidente) está quase exaurido, e essa é a principal razão pela qual novas forças chegarão ao poder. 

Acontecerá em breve, em meados do século 21. Hoje, essas forças ainda amadurecem nas profundezas do povo. Estão à espera nas coxias.

Por essa razão é impossível exigir hoje de Putin [e de Lula, de Cristina Kirshner, de Rafael Correa e de alguns outros (NTs)] que transforme radicalmente e derrube a elite: porque as condições internas e externas para que isso aconteça ainda não se desenvolveram, infelizmente.

O sistema atual ainda não exauriu todos os seus recursos, e continuará a lutar pela própria vida. O fim de qualquer formação social historicamente é processo longo; e não há como acelerá-lo ou empurrá-lo adiante. O problema não é quebrar o que existe. O problema está em compreender o que ocupará o espaço do que agora se acaba. Enquanto essa noção não estiver construída, o que aí está aí permanecerá.”

Falando sobre o processo do apodrecimento do feudalismo ainda no quadro da nascente sociedade capitalista, Marx e Engels escreveram que o mais difícil no processo torturante do apodrecimento é quando elementos do velho sistema que se esgota (“restos”, como escreveram) ainda existem ao lado de elementos do mundo novo que vai emergindo, mas nenhum dos dois sistemas tem forças suficientes para uma vitória histórica. Precisamente por esse tipo de período passa hoje quase todo o mundo – inclusive a Rússia. O capitalismo está reduzido a restos, vai-se enfraquecendo, mas ainda é forte demais para simplesmente sumir. O novo ainda está em formação e ainda não consegue desalojar o velho sistema.

A nova substância da sociedade, que ainda não foi compreendida nem tem nome, começa a nascer. O velho e o novo coexistem por algum tempo, criando tensão social típica. Os velhos mecanismos perderam a eficácia, os novos ainda não estão plenamente constituídos e não podem ser usados. O estado intermediário é torturante. Nada promete a salvação. Até, ao contrário – tudo parece capaz de adiar sempre mais o amadurecimento do novo.

Quem nada aprendeu da amarga experiência da URSS está a um passo de repetir o mesmo destino. A Rússia não suportará essa violência. Nascimento prematuro muito frequentemente acaba mal. É necessário ter paciência e deixar que o fruto amadureça. Outros modos só arrastam para trás, de volta ao passado, a estágios históricos que não chegaram a termo na hora certa. Nesse caso é que sê e aprende-se a serventia de se ter preservado algum Estado.*******


7 comentários:

Anônimo disse...

Texto muito elucidativo, porem nada animador.Essa luta nunca vai ter fim. É por isso que quando leio um texto criticando o PT pelo que ele não fez, em um primeiro momento, até me entusiasmo mais depois, refletindo, vejo que o PT fez o que era possível. Se o Lula tivesse feito qualquer coisa que contrariasse as elites (qualquer coisa), ele seria posto para fora ,assim com a Dilma foi.
A minha conclusão é a de que o PT sabe que o momento ainda não chegou e que os 4 anos do "Coiso" sejam necessários para precipitar esse desejado momento de ruptura.

Anônimo disse...

...continuando...mais eu não deixo de fazer minhas criticas ao PT. O PT, e as esquerdas em geral, sempre tentaram mudar alguma coisa usando as brechas do sistema. Veja um exemplo : as abordagem da policia. Quem nunca foi abordado pela policia?. A uns 30 anos atrás a bordagem era mais ou menos como a que acontece em outros países. Se vc estava de carro por ex., e de madrugada era "vitima" de uma bordagem ,o procedimento era um policial ir ate o motorista e pedir os documentos ( outro policial ficava na retaguarda dando cobertura). E como é hoje? É um tal de MÃO NA CABEÇA, ABRE AS PERNAS, etc, etc. Isso não é uma abordagem civilizada. Isso não é necessário. Pois eu nunca vi ninguém do PT, ou das esquerdas, se colocar contra isso. E isso vale prá tantas coisas, pequenas coisas do nosso cotidiano, que me fazem crer que o PT não sabe o que acontece com os do andar de baixo. Quer mais um ex?: o atendimento nos órgãos públicos. Sim, precisamos falar do funcionalismo público.

Anônimo disse...

...no resto, é torcer para que, pelo menos o Putin consiga deixar as coisas bem encaminhadas. Ele tem o apoio da maioria e vai conseguir. Alias, como o Lula não pode provocar a ruptura,não será o Putin à conseguir (ele também tem seus compromissos e acordos com as elites). Isso será trabalho prá quem vier sem esses acordos. (( aqui a Dilma não conseguiu)).

pedro disse...

Olá anônimo, seus comentários refletem exatamente o que tb penso. O PT (de Lula) sempre teve essa clareza pragmática. Lula foi preso pela elite interna, em conluio com o império mas tb por uma contingência histórico-estrutural, que está além, ou melhor aquém de qq controle Parabéns!

Anônimo disse...

Texto bem fraco, eu diria até que muito abaixo do nível do que é rotineiramente publicado aqui.

Tudo bem, não há como mudar um sistema sem ter outro para o substituir. Até ai nada de novo. Mas quem é essa elite e os tais clãs dos quais fala o autor?

A ideia de clãs remete a uma estrutura de poder praticamente tribal, o que, convenhamos, é um estágio de organização da sociedade que a Rússia já superou a muito tempo. Pelo menos desde a revolução. E a elite me parece que se resume aos oligarcas que seriam melhor classificados como uma casta que emergiu do colapso da URSS. Além do mais, elite pressupõe algo superior, o que há de melhor, o que não é nem de longe o caso dessa escória pós soviética que rapinou o estado russo e que ainda rapina vários dos países que formaram o bloco socialista.

O que chama a atenção no texto é que o autor cita uma série de grupos de poder atuando no momento dentro da Rússia e com os quais Putin teria que conviver e negociar. Chega mesmo a vaticinar o surgimento de uma hipotética e nova "elite de esquerda" a partir de 2024. Mas não dá um pio sobre os militares russos, que no final das contas são os fiadores do processo de recuperação do estado que Putin pôs em marcha ao assumir o poder. Historicamente patriotas - não naquele sentido de patriotismo de fancaria que bem conhecemos, de bater continência a bandeira e desfilar armamento obsoleto em paradas enquanto entregam o patrimônio nacional, ou dos ianques, especialistas em colocar frotas das costas de países indefesos e reduzí-los a escombros com bombardeios genocidas - os militares russos são inegavelmente a retaguarda com a qual contou e conta a Rússia e Putin para trazer o país de volta ao status de potência que vem desafiando os eua na sua tentativa de impor-se como poder unipolar. O recente e fulminante salto tecnológico que ficou muito evidente na fala de Putin em março desse ano, só se deu graças a influência dessa instância de poder, que induziu a uma modernização do estado e a reconstituição pós colapso de vários setores, como a da pesquisa científica de ponta.

Fica difícil entender como o autor não leva em conta esse dado fundamental na sua análise, uma vez que a estratégia de Putin de confrontar os eua está intimamente ligada a compreensão do quadro geopolítico, o que seria impossível sem a participação direta dos militares. Acredito, sem dúvida, que a decisão de intervir na Síria, por exemplo, não foi só uma decisão política do Putin. E ela só foi possível por que os militares russos entendem o jogo geopolítico e sabem que se não lutarem contra o terrorismo na Síria, terão que fazê-lo mais tarde e em piores condições, dentro da própria Rússia.
Pelo que me é dado observar, no geral há um controle da sociedade civil sobre o poder militar e as forças armadas são disciplinadas e cumprem seu papel constitucional.

continua...

Anônimo disse...

No entanto, esse poder as vezes se faz sentir, como no caso do avião russo derrubado por conta da infame manobra dos pilotos israelenses que o usaram como escudo contra os mísseis da defesa antiaérea síria. Naquele momento houve uma discussão sobre se Putin teria sido pressionado pelos militares a tomar medidas contra Israel. Há um texto da época postado aqui com comentários dos leitores, inclusive, negando que tenha havido tal pressão. O próprio Saker escreveu um artigo negando essa pressão. Mas não é bem isso que os fatos demonstram.

Seguindo a cronologia dos acontecimentos, podemos ver que o primeiro a se manifestar sobre a provocação israelense foi o ministro da defesa e não Putin ou o ministério de relações exteriores, como é comum nesses casos. Shoigu foi taxativo em afirmar que a manobra dos israelenses foi deliberada e os responsabilizou diretamente pelo incidente. Logo após Putin manifestou-se dizendo que o ocorrido se deu por uma série de coincidências infelizes. Ficou visível o descompasso entre uma declaração e outra. No entanto, logo a seguir, o porta vós das forças armadas, Victor Konaschenkov, entrou em cena com um minucioso relatório onde provava, com gráficos e dados de radar, que toda a operação israelense foi feita de maneira a transformar o avião russo no alvo dos mísseis. A partir dai, Putin abandonou a sua versão e assumiu a dos militares. Foi nesse momento que eles passaram a exigir a entrega dos S 300 a Síria, pedido que o próprio Assad já vinha fazendo a tempo, mas que Putin não atendia com receio de escalar o conflito. Não é difícil de imaginar que os militares devem ter alegado que se estavam na Síria defendendo uma política de estado, precisavam dos meios para isso. E nessa queda de braço entre não escalar ou enfrentar a provocação, Putin teve que ceder. Isso me pareceu bem evidente.

Isso não significou que agora os militares russos passaram a fazer o que bem entendem. Só citei esse exemplo do incidente, que não tem relação direta com o texto, para demonstrar como é estranho o fato do autor sequer fazer um comentário sobre uma instância de poder com tamanho peso na Rússia atual. Ainda mais se considerarmos que Putin está reestatizando várias empresas que são consideradas de interesse estratégico-militar e que estão justamente na mão dessa casta de oligarcas. E Putin poderia fazer isso só com o poder da cor de seus olhos ou negociando aqui e ali, como sugere o autor, sem ter uma turma peso pesado por trás dele?

Mas o autor não poderia errar todas quando no final do seu artigo reconheceu a "serventia de ter preservado algum estado". Foi justamente isso que possibilitou o reerguimento da Rússia. Ou mencionou os "estágios históricos que não chegaram a termo na hora certa". Isso me soa tão familiar, alguma coisa assim como perder o trem da história e ficar definitivamente para trás, não é?

armalio disse...

anónimo já disse tudo por mim.
só acrescentar que nossas pretensas esquerdas (psol et al no brasil; po et al na argentina) deveriam refletir no que tange a processos, tempos e possibilidades e não seguir agindo como idiotas úteis.