19/12/2018, Elijah J Magnier Blog
Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga
O presidente sudanês, Omar el-Bashir, fez visita histórica à Síria, a primeira de qualquer líder árabe, desde o início da guerra na Síria em 2011. El-Bashir chegou a bordo de um avião russo, ao aeroporto de Damasco – evidência dos esforços de Moscou, para devolver a Síria à cena árabe e internacional. Durante sete anos de guerra, o Sudão, como os Emirados Árabes Unidos jamais fechou sua embaixada em Damasco.
El-Bashir não viajava sozinho. O Sudão não daria passo tão grande, sem o apoio dos aliados. O presidente sudanês é parceiro próximo da Arábia Saudita e dos Emirados, na guerra devastadora que fazem contra o Iêmen. O propósito da visita é inaugurar o caminho rumo a Damasco para mais líderes árabes, que, todos, devem segui-lo e render homenagens ao presidente Bashar al-Assad em 2019. O objetivo é tentar fazer sombra à República Islâmica do Irã – único país onipresente no teatro de Damasco.
Não é o primeiro contato entre países árabes e a Síria desde 2011: o Egito manteve relação diplomática estreita, política e de segurança com a Síria durante os anos de guerra. Bahrein, os Emirados, Omã, Líbano e Jordânia também estão presentes hoje na Síria. Na frente ocidental, a Itália prepara-se para reabrir a embaixada, e Alemanha e França não se ausentaram nos últimos anos.
A chegada de el-Bashir a bordo de avião russo indica a determinação do presidente Vladimir Putin para criar uma rede de relações entre Oriente Médio, Ocidente e Síria. Putin conta com que a Síria reate relações diplomáticas com os países árabes e outros. Rússia e Síria descartam todas as condições que os Estados Unidos tenta impor para a reconstrução do país – e trabalha para ver todas as tropas norte-americanas deixando o Levante.
El-Bashir chegou à Síria num momento em que os países do Oriente Médio reconhecem que seu plano para criar um ‘estado falhado’ no Levante já fracassou. O objetivo sempre foi criar ali um ‘estado falhado’, não algum novo regime; o apoio ilimitado que deram as gruposTakfiri (o chamado ‘Estado Islâmico’, ISIS e al-Qaeda) estava empurrando a Síria para o total caos – o que sempre seria perigo considerável para os países vizinhos, exceto Israel. Tel Aviv acolheu esses dois grupos extremistas e apoiou a presença deles junto à fronteira israelense durante os anos de guerra na Síria.
Depois de muitos anos de guerra, o presidente sírio vê Israel, hoje, com ainda mais dureza, embora nada sugira que tenha intenção de atacar Israel para reaver território sírio ocupado por Israel nas Colinas do Golan. Assad vê com satisfação a resistência síria que se formou no país, local, semelhante ao Hezbollah libanês, que se expande ao longo das fronteiras e em outras partes do país.
Assad não mudou de posição quanto ao Irã. Pelo contrário, os anos de guerra ensinaram-no a confiar em quem, como o Irã, oferecerem milhões de dólares para apoiar a economia síria, além de toneladas de armas e milhares de homens para proteger a integridade da Síria.
O presidente em momento algum reduziu o apoio ao Hezbollah. Desde 1982 até hoje, o grupo libanês sempre recebeu armas e apoio financeiro através da Síria. Mas esse vínculo é hoje mais forte do que jamais antes, especialmente depois das centenas de militantes do Hezbollah mortos e feridos na guerra pela unidade do Levante.
Mas a posição de Assad em relação ao Hamás, sim, mudou. O presidente sírio rechaça qualquer mediação, inclusive do secretário-geral do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah e do Irã, para que o Hamás seja reintegrado ao “eixo da resistência”. Assad entende que não é o momento adequado para reconciliar-se com o grupo palestino, porque centenas de membros do Hamás alistaram-se nas fileiras do ‘Estado Islâmico’ e da al-Qaeda e são responsáveis pelo assassinato de sírios.
A posição do presidente sírio foi firme durante toda a guerra, apesar da chegada do ‘Estado Islâmico’ (chamado Jabhat al-Nusra em 2013, antes que Joulani, seu líder, declarasse lealdade a Ayman Zawaheri) à praça de al-Abbaseyeen em Damasco, ameaçando o governo e a presidência. Arábia Saudita e EUA ofereceram reconhecer Assad como presidente legítimo da Síria, sob a condição de que abandonasse o Hezbollah, o Irã e o Hamás. Bem consciente da capacidade para trair de seus interlocutores, Assad não aceitou as ‘imposições’ e decidiu manter-se apoiado em parceiros confiáveis, a saber, o Hezbollah e o Irã, para ajudá-lo a vencer a guerra que lhe foi imposta, em seu próprio país.
A visita de El-Bashir expressa a disposição de seus patrocinadores, para reconhecer a vitória do presidente Assad e sua legítima liderança na Síria – mas por temor de deixá-lo inteiramente em mãos de e Rússia e Irã – que colhem agora os resultados da política adequada e das vitórias que obtiveram na Síria.
O jovem Bashar, eleito à presidência aos 35 anos, tem hoje 53 e experiência política e de guerra sem igual. Assad é pragmático; absolutamente não é político ideológico. Não terá problemas para lidar com Qatar, Arábia Saudita e EUA – os países que encabeçaram a guerra contra a Síria e destruíram o país. Além do mais, Assad está pronto a receber esses países e convidá-los a participar da reconstrução do país, mesmo que não confie nos inimigos de ontem. A isso se chama a arte do impossível.
O reconhecimento de Assad como presidente da Síria, pelos países responsáveis por anos de guerra, abrirá as portas para todos que se interessem por investir na reconstrução.
El-Bashir quer que Damasco volte à Liga Árabe, da qual o país foi expulso em 2012, tão logo os árabes o reconheçam afinal como presidente legítimo. Síria é um estado maduro e se comportará como tal, sem buscar vingança; e oferece uma parte do pastel de Damasco a partilhar com todos que se disponham a ajudar a reconstruir o país.
A visita do presidente sudanês estava planejada já há um ano, e recebeu as bênçãos dos países que, na guerra, assumiram as posições mais radicais contra Assad; esses países aceitaram a derrota e reconheceram que o estado sírio não cairá. A Turquia também está reconsiderando suas posições, como se depreende de recente declaração do ministro de Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu: “Se as eleições [sírias] são democráticas e confiáveis, consideraremos todas as possibilidades [para cooperar com Assad, se for reeleito]”.
A relação turco-Síria é muito mais complicada que a relação árabes-Síria. As tropas de Ankara ocupam uma parte da Síria e protegem a al-Qaeda e aliados em Idlib, mas o presidente Erdogan tem um objetivo comum com Damasco: ambos querem a retirada das forças de ocupação dos EUA e impedir que os curdos deem proteção aos EUA e imponham seu enclave no nordeste da Síria.
A porta para reconhecer Assad presidente da Síria está aberta para todos os árabes sem exceção, como também está aberta para os investimentos para reconstruir o país. É hora de enterrar o machado de guerra árabe no Levante.*******
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