Enquanto isso o Brasil é empurrado pela CIA de volta aos anos 50s, como neoquintal
23/4/2018, Pepe Escobar, de Asia Times in The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
O Mar Cáspio é importante centro de um sistema de gasodutos e corredores comerciais da Eurásia. |
O Azerbaijão realizou eleição presidencial esse mês. Previsível, o atual líder Ilham Aliyev obteve o quarto mandato consecutivo, com 86%, padrão dinastia-Kim, dos votos.
Monitores internacionais da Comissão para Instituições Democráticas e Direitos Humanos (CIDDH) [Office for Democratic Institutions and Human Rights (ODIHR)] da Organização para Segurança e Cooperação na Europa, (OSCE) [Organization for Security and Cooperation in Europe (OSCE)] denunciou "disseminado desprezo por procedimentos obrigatórios, numerosos casos de irregularidades sérias e falta de transparência"; a comissão eleitoral nacional do Azerbaijão retrucou que tais observações são "infundadas".
Em seguida, toda a questão simplesmente desapareceu. Por quê? Porque, de uma perspectiva estratégica ocidental, a petroautocracia pós-soviética do Azerbaijão é absolutamente intocável.
Muito tem a ver com o oleoduto Baku-Tblisi-Ceyhan (BTC), viabilizado pelo falecido Zbigniew "Grande Tabuleiro de Xadrez" Brzezinski durante o primeiro governo de Bill Clinton, para desviar do Irã. O BTC iniciou de facto o capítulo de energia do Novo Grande Jogo que chamei de Oleogasodutostão [ing.Pipelineistan].[1]
Agora, Baku concentra grandes esperanças no novo porto, na terra de Alat ("Your hub in Eurásia!” / aprox. "Sua conexão para toda a Eurásia!"), simultaneamente conectado ao Ocidente (Turquia e União Europeia), ao Sul (Irã e Índia) e ao Norte (Rússia).
Alat também é designada como entroncamento principal de um nodo logístico, manufatureiro e de conectividade das Novas Rotas da Seda, também conhecidas como Iniciativa Cinturão e Estrada, ICE. A localização extraordinariamente estratégica cobrindo o corredor central de conectividade da ICE; conexões para a ferrovia recém inaugurada Baku-Tblisi-Kars que liga o Cáucaso e a Ásia Central; e conexões também com o Corredor Norte-Sul de Transporte Internacional [International Norte-Sul Transport Corridor que liga a Rússia à Índia via o Irã.
Corredores de transporte estão a todo o vapor. Para o Azerbaijão, petróleo e gás durarão só até 2050. A prioridade doravante é arquitetar e construir a transição na direção de se converter em nodo de conexão; atualmente, o principal entroncamento do Mar Cáspio.
Os opostos caspianos atraem-se?
O ímpeto de Baku retoma e impele adiante a função do Oleogasodutostão e dos corredores de conectividade na integração da Eurásia. O panorama geral pode apontar, finalmente, para uma "terceira via", ligada à Europa, para as exportações de energia do Cáspio, atualmente concentradas quase todas em Rússia e China.
O Turcomenistão está esse ano em ativa operação de autopromoção como "o coração da Grande Rota da Seda". Mas mais centrada em reviver locais históricos da Antiga Rota da Seda, que em conectividade digital.
Fato é que Ashgabat antecipou-se à ICE quando inaugurou, em 2009, o Gasoduto Ásia-China, de 1.800 quilômetros, do Turcomenistão até Xinjiang via Uzbequistão e Cazaquistão, que transporta 55 bilhões de metros cúbicos [ing. bcm] de gás anualmente.
Ashgabat e Moscou tiveram impasses tortuosos que levaram a Gazprom a interromper completamente as importações de gás turcomeno para a Rússia, há mais de dois anos.
E foi assim que Pequim, não Moscou, acabou configurada como principal consumidor de energia da Ásia Central – e parceiro comercial.
Por causa de suas práticas idiossincráticas, o Turcomenistão jamais conseguiu diversificar seus mercados de exportação. Operou a transferência da Rússia para a China, mas nunca conseguiu pôr o pé no lucrativo mercado europeu.
Tem sido mantra em Bruxelas já há eras, que a União Europeia precisa diversificar suas fontes de importação de energia, distanciando-se da Gazprom –, apesar de as nações membros não conseguirem se entender nem para delinear pelo menos um embrião de política comum para a energia.
Empresas europeias estão no máximo desenvolvendo grandes campos de petróleo no Cazaquistão. Mas no front do Oleogasodutostão do "ouro azul", até agora nenhum gás está fluindo da Ásia Central para a Europa.
As experiências traumáticas do passado, cujo caso exemplar é a novela Nabucco (2009, 2014a e 2014b) – gasoduto do Turcomenistão pelo Cáspio até a Turquia e dali em diante, mas que afinal será jamais construído.
Azerbaijão e Turcomenistão são atualmente competidores ferozes em litorais opostos do Cáspio. Baku regozijou-se com o fracasso do Nabucco, porque assim aumentam as chances de o gás de seu próprio grande campo Shah Deniz alcançar a Europa. O problema chave do Nabucco é o mistério que cerca a real capacidade de produzir gás do Turcomenistão, considerando que a maior parte do gás ali extraído está dirigido hoje para a China.
Fator complicador é que qualquer gasoduto que cruza o ainda legalmente indefinido Cáspio (é mar ou é lago?) não é tampouco exatamente considerado muito bem-vindo nem pela Rússia nem pelo Irã.
A Gazprom russa tem seus próprios planos para aumentar sua fatia do mercado europeu, via Ramo Norte e Ramo Turco. O Irã poderia finalmente invadir os mercados europeus via um oleoduto possível, do imenso campo Sul Pars, em cooperação com o Qatar, versão atualizada do oleoduto Irã-Iraque-Síria, o mesmo que foi uma das causas chaves da guerra na Síria.
TAP encontra TANAP
Assim, no fim, o único gambito realista em termos de conexões de gás do Cáspio para mercados europeus parece ser mesmo o pequeno, de €4,5 bilhões (US$5,55 bilhões) gasoduto Trans-Adriatic Pipeline (TAP), levando 10 bilhões de metros cúbicos [ing. bcm] de gás ao ano, de Baku.
O TAP, de apenas 878km de comprimento (norte da Grécia, 550km; Albânia 215km; Mas Adriático 105km; sul da Itália 8km), deve entrar em operação em março de 2020. Será uma espécie de extensão do muito mais ambicioso, de $8 bilhões, Trans-Anatolian Natural Gas Pipeline (TANAP), que embarcará gás do campo Shah Deniz 2 no Azerbaijão, para o oeste da Turquia, na configuração do chamado Corredor Sul de Gás [ing. Southern Gas Corridor]. TAP e TANAP se encontrarão na fronteira greco-turca.
É iluminador comparar o modo como o Azerbaijão aposta na Europa, enquanto o Turcomenistão aposta na China.
E há também o Cazaquistão – que aplica sua própria específica política externa "multivetorial", que envolve Rússia, China, EUA e União Europeia.
Dado que Astana é nodo chave da Iniciativa Cinturão e Estrada, membro da União Econômica Eurasiana (UEE) e membro da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), acolhe investimentos das grandes da União Europeia e as gigantes norte-americanas do petróleo.
Adiante, a tendência é que Pequim goze de uma vantagem estratégica como principal parceira comercia de todos os '-stões' da Ásia Central, exceto o Cazaquistão; ao tempo em que Moscou mantém seus vários papéis como provedora de segurança, parceira comercial, fonte de investimento externo, empregadora de milhões de expatriados da Ásia Central, e Potência Soft Central (o russo é a lingua franca na Ásia Central, e a cultura e a TV russas estão absolutamente em todos os lugares).
E tudo isso operará no quadro de interpolação entre Iniciativa Cinturão e Estrada e União Econômica Eurasiana.
Mas... e quanto a Irã e Turquia, no Grande Quadro?
O Azerbaijão, como nação do Cáspio, mantém laços étnicos e linguísticos profundos com a Turquia. Mas Baku preza o secularismo, numa linha à Ataturk – o que a põe em oposição ao neo-otomanismo com toques de islamismo do presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia.
O grande fator complicador é que Ancara e Moscou estão cooperando no Ramo Turco – essencialmente, um movimento no Oleogasodutostão, da Sibéria para a Europa, por dentro do Mar Negro e que compete diretamente com as exportações de gás do próprio Azerbaijão.
O Irã, por sua vez, tem ampla influência cultural e linguística por toda a Ásia Central. A Pérsia, de fato, historicamente, foi a principal entidade de organizadora em toda a Ásia Central. O Irã é, ao mesmo tempo, potência centro-asiática e potência do sudoeste asiático (que o ocidente chama de "Oriente Médio").
Mas num ambiente de Iniciativa Cinturão e Estrada modelado pela construção de rodovias, ferrovias, pontes, túneis, oleodutos, gasodutos e redes de fibras óticas, o ator que realmente vira o jogo na Ásia Central continua a ser a China – pode-se dizer que mais que Turquia, Irã e Rússia.
As empresas chinesas já possuem praticamente 25% do petróleo produzido no Cazaquistão e praticamente todo o gás que o Turcomenistão exporta. E estão de olhos postos em Baku, como um dos principais nodos da Iniciativa Cinturão e Estrada.
Chame de renascimento digital da dinastia Tang, quando a influência imperial chinesa cobria da Ásia Central até o nordeste do Irã. Alguém quer apostas que o Cáspio em pouco tempo será um lago chinês?*******
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