6/4/2018, Tom Luongo, Gold Goats 'n Guns
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
O Reino Unido caminha para um grande racha. Não hoje ou amanhã, mas antes do que se estima, sobretudo nesses tempos de governo de coalizão a qualquer custo.
Ao responder ao suposto envenenamento do russo e ex-agente duplo Sergei Skripal e a filha Yulia com caras e bocas cujo ridículo se reserva normalmente para os The View, o governo de Theresa May preparou o palco para o próprio colapso.
Governos caem quando o povo deixa de confiar neles. May deteriorou tudo em que pôs as mãos como primeira-ministra, das conversações sobre oBrexit às relações com Donald Trump; à resposta (ou falta de resposta) dela à escalada do terrorismo doméstico; e à campanha patética que fez para a snap election [lit. 'eleição de estalo', no sentido de 'repentina', 'não esperada'] do ano passado.
Quando examino essa inaptidão absolutamente óbvia, não me é difícil acreditar, para começar, que o plano inicial fosse outro.
Desde o primeiro encontro com Donald Trump depois de eleita, quando até parecia que a dupla fosse se entender, May foi-se tornando mais e mais beligerante nas duas frentes, contra Trump e contra a própria base. Por mais que ele continue a afirmar nossas relações especiais, a "Dama de Gesso", como gosto de chamá-la, só cometeu erro sobre erro.
O erro mais recente de May foi empurrar todo mundo a leste do rio Dneiper na Ucrânia a denunciar os russos e o presidente Putin pessoalmente de terem cometido um suposto envenenamento em Salisbury, há um mês.
O resultado foi a maior rodada de expulsão de diplomatas num século, se não de toda a história.
E agora que toda a conversa de "os russos são envenenadores" já se desfez – e desmontada pelos próprios especialistas que trabalham em Porton Downs –, lá está ela, só, ela e os igualmente incapazes e vergonhosos ministro de Relações Exteriores Boris Johnson e ministro da Defesa Gavin Williamson da Grã-Bretanha.
A partir de agora se intensifica a caçada aos empregos dos três.
O espião (?!) que sabia (?!) demais*
Tudo desmoronou, desde a origem, como romance ruim de Ian Fleming. Desde o início, avisei que a coisa não passava de ataque clássico de 'falsa bandeira', para incendiar o fervor anti-Rússia e cegar a população, enquanto o negociador de May traía o Brexit e obrava para impedir que empresários russos fizessem negócios em Londres.
Lamento, mas é quase impossível não ver que a coisa foi assada nos fornos do MI-6. De fato, essa, precisamente, é a hipótese sobre a qual trabalho já faz um mês.
O problema era que, até há poucos dias, ainda não tinha uma boa razão que justificasse o golpe.
Fazer pressão diplomática sobre a Rússia, a serviço do alucinado Estado Profundo neoconservador dos EUA simplesmente não me parecia recompensa suficiente para operação tão arriscada. Como, tampouco, a ideia de tirar empresários e empresas russas dos bancos europeus para impedir os pagamentos de fornecedores e credores associados à construção do gasoduto "Ramo Norte 2".
Tudo isso entra no negócio, mas como objetivos-brinde, não como metas principais.
E foi só quando os cientistas sérios que trabalham em Porton Downs deixaram May, Johnson e Williamson pendurados na brocha ao relento, 2ª-feira, que toda a operação se esclareceu. Ao declarar oficialmente que não podiam confirmar a origem do agente químico Novichok, de efeito neurológico, usado no ataque aos Skripals, os cientistas de Porton Downs destruíram a credibilidade que ainda restasse ao governo da Dama de Gesso.
Com o que se vê que toda a operação não passou de golpe para minar o governo de May, a ponto de se convocar um voto de desconfiança. Seria a traição final ao voto dos britânicos, na direção de manter o Reino Unido dentro da União Europeia – exatamente o que deseja a elite britânica, elite política e do 'dinheiro antigo'.
Em resumo: o 'caso Skripal' não passou de tentativa de golpe de Estado.
E nem pensem que não seria plausível. Não esqueçam de que, no começo de tudo, Margaret Thatcher foi traída por gente do seu círculo mais íntimo, interessados em que ela metesse o Reino Unido na União Europeia. Para conseguir isso, derrubaram a Dama de Ferro.
Assim sendo, eis a cena como a vejo:
May e Johnson foram informados por conselheiros nos quais confiam de que haveria prova incontornável de que os russos teriam envenenado os Skripals. Daí, a dupla May+Johnson levou a informação, confiantemente, ao Parlamento, à ONU, a reuniões de alto nível com líderes estrangeiros e à mídia.
Convenceram os aliados a se posicionarem contra os russos-do-mal, os quais, àquela altura, já estavam na boca do mundo como se fossem 'culpados'.
Trump não tem alternativa a não ser manter a sandice 'britânica', mesmo que absolutamente não acredite no que diz, porque qualquer desconfiança que mostre contra May & Johnson será apresentada na imprensa norte-americana como traição contra o mais confiável aliado dos EUA na Europa, para atender a interesses do 'chefe Putin'.
Sinceramente? Não acredito que os dois idiotas, May e Johnson, tenham participado do 'plano'. Acho que foram usados desde o início e, agora, ainda terão serventia, como os otários da hora.
Assim como May foi usada ano passado, para convocar as snap elections. No instante em que ela convocou as eleições não previstas, eclodiram ataques terroristas em toda Londres, manifestações contra ela, discursos contra a falta de segurança para os cidadãos, tudo contra o governo May. E aconteceu a campanha pelos jornais, que inflou Jeremy Corbyn – o mesmo que, agora, os mesmos jornais estão destruindo, porque Corbyn insiste em denunciar, com toda a razão, a enciclopédia de mentiras que o MI-6 está disseminando.
O objetivo foi enfraquecer May e pôr o Partido Trabalhista outra vez no governo. Na sequência, Corbyn seria derrubado, para dar lugar a algum clone de Tony Blair posto como primeiro-ministro para pôr fim ao Brexit e restaurar a ordem na galáxia Europa. Infelizmente, o Democratic Unionist Party, DUP garantiu os votos necessários para reeleger uma May muito enfraquecida, e as coisas ficaram como estavam por quase um ano a mais.
Crises nos Impérios Infindáveis
O problema com o golpe é – como todos os planos desses desesperados por se manterem à tona, agarrados à boia da 'glória passada' (e em matéria de glória passada o Reino Unido é campeão universal) – a crise de confiança que engendrará.
Que ninguém se engane: o voto pró-Brexit foi voto para valer. Não foi acaso, nem foi erro.
É o que o povo da Grã-Bretanha realmente quer e quer hoje, ainda mais do que queria em 2016. Por isso, precisamente, ninguém se atreve a convocar novo referendum. Mas, sim, eles estão à procura de uma terceira votação no Parlamento, como tantas vezes fizeram.
Nada disso é sinal de confiança, não importa o quanto 'os mercados' prefiram o status quo legal. A oposição ao Brexit vem do dinheiro entrincheirado dentro do poder 'democrático', não de alguma adesão a alguma ideologia globalista.
Mas ainda que o Brexit seja atraiçoado por essa farsa grotesca de filme de espionagem, a verdade é que se mantém intacto como desejo do povo britânico. Continuará a crescer o clamor da Escócia, que exige um segundo referendo; e a libra continuará em queda livre, acompanhando a queda na competitividade do trabalho britânico, ainda preso na arapuca de uma eurozona que nada trouxe de bom e extraiu o último suspiro da economia.
Enquanto se desenrola essa trama, a libra começará a se afogar na irrelevância. Não acontecerá do dia para a noite, mas ainda olharemos para os golpes de hoje e veremos que foram o gatilho que desimpediu as trilhas da história.
Mas misture tudo isso com os níveis tóxicos de 'politicamente correto' no que tenha a ver com imigração de muçulmanos, a insanidade dos liberais britânicos e o estado policial de facto em que se transformou a Grã-Bretanha, e você tem a fórmula de uma instabilidade política que não será bonita de ver.
O Brexit foi concebido para ser a revolução pacífica que poria o último prego no esquife do projeto para um único governo global. Está a um passo de ser anulado.
Quando o Brexit estiver morto, o sol afinal se porá sobre as ruínas do Império Britânico.******
* Orig. Tinker, Tailor, Spy faz referência ao filme Tinker, Tailor, Soldier, Spy (sem "Soldado"), do livro de John Le Carré, no Brasil O Espião que sabia demais [NTs].
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