18/7/2016, Pepe Escobar, RT
Imagine hordas de teocratas norte-americanos, racistas suprematistas, nacionalistas fanáticos, fiéis da religião da National Rifle Association dos EUA, todos numa mesma orgia explícita de 'eu-porto-minha arma-por quê? Não está gostando?' [ing. 'open carry'], baixando na Convenção dos Republicanos em Cleveland, imediatamente depois de Orlando, Dallas, Nice e Baton Rouge.
Mas... o que poderia dar errado?!
Bem-vindos a uma exibição perigoso-espetacular, todos armados até os dentes, por exemplo, do Traditionalist Worker Party (TWP) – aliado aos Golden State Skinheads (GSS) – enviando um 'comando' para o show dos Republicanos [Great Old Party. GOP], para "garantir que os apoiadores de Donald Trump estão protegidos contra ataques dos bandidos da esquerda." As cortes de Cleveland estão preparadas para processar diariamente até mil presos por dia, funcionando 20 horas por dia. Strip clubs são bombando pró-Trump [orig. "pumped for Trump"]. Confusão tamanha, tal, que vai acrescentar outro significado ao mantra rock 'n roll "Cleveland Rocks".
Problemas na dupla Trumpence
Para aumentar o rolo, há o agito da dupla Trump-Pence (Trumpence). Donald Trump continua visivelmente frustrado pela indicação que ele mesmo fez do governador de Indiana Mike Pence para seu companheiro de chapa. Sabe-se que passou a noite de 5a-feira tentando freneticamente voltar atrás. Ficou furioso que a notícia tenha vazado antes de ele ter uma chance de contar aos seus favoritos para máxima confusão – o pomposo estúpido Newt Gingrich e o balofo gabola Chris Christie – sobre sua decisão.
E mesmo na primeira entrevista conjunta Trumpence no domingo passada, a melhor troca de ideias foi a seguinte:
PENCE: Donald Trump, esse bom homem... será um grande presidente dos EUA.
TRUMP: Adorei o que ele disse.
Tem sido fascinante assistir ao tédio mortal de Trump ao lado do novo amigo pior que cheesburger azedo, que se apresentou como "cristão, conservador e Republicano, nessa ordem."
'Lil’ Mikey', como é chamado, não é precisamente a lâmpada mais luminosa da sala – de nenhuma sala. O fato de que foi membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Representantes absolutamente não lhe garante nenhum crédito em matéria de Relações Exteriores. Afinal, a única coisa que realmente interessa a Lil’ Mikey é implantar uma 'Xaria' evangélica nos EUA.
Pence foi imposto a Trump por seu Richelieu, Paul Manafort, e pela família de Trump, por razões exclusivamente de realpolitik. O rapaz da cidadezinha de Indiana cairá bem nos estados do 'Cinturão do Ferro Velho' [orig. Rust Belt states]; supostamente transferirá votos de Ted Cruz para Trump; acalmará fanáticos da direita dos Republicanos, para os quais The Donald não passa de depravado, que abraça gays, a favor de a mulher decidir sobre abortos, novaiorquino hedonista tipo final-dos-tempos; e, se a dupla pegar, ensinará ao The Donald sobre os métodos prá lá de bizantinos de Washington.
Trump não dá absolutamente bola alguma para esses 'fatores', porque é governado por instintos, não por realpolitik.
Indicação muito mais sumarenta ao lado de Trump seria o general aposentado Mike Flynn, que foi demitido da presidência da Agência de Inteligência da Defesa [ing. Defense Intelligence Agency (DIA)] (2012-2014) porque previu – acertadamente – que a guerra clandestina de Obama na Síria só faria brotar mais e mais braços no monstroISIS/ISIL/Daech à Frankenstein. E na sequência dobrou a aposta, e disse que fazer florescer o Daech foi, isso sim, "decisão deliberada" tomada pela Casa Branca.
Flynn não se opôs só à obsessão da Equipe Obama com armar os "rebeldes moderados" na Síria: ele também avisou que derrubar Gaddafi via OTAN abririam uma boceta de Pandora norte-africana.
O problema com Flynn é que não é apoiador paleolítico da 'Xaria' evangélica; o GOP carece desesperadamente daqueles milhões de votos dos cristãos evangélicos. Além disso, é a favor de uma parceria de interesses com a Rússia – que abranja todos os pontos mais quentes, da Ucrânia até o Oriente Médio. Isso, claro, é anátema na av.Beltway (onde estão instalados os principais órgãos do governo em Washington).
E Flynn absolutamente não facilitou as coisas a favor da própria candidatura, quando, promovendo seu novo livro The Field of Fight, insistiu que, "Estamos numa guerra global, enfrentando uma aliança inimiga que vai de Pyongyang, Coreia do Norte, a Havana, Cuba, e Caracas, Venezuela. Pelo caminho, a aliança incorpora países muçulmanos e organizações radicais como Irã, al-Qaeda, os Talibã e o Estado Islâmica. É coalizão formidável. Ninguém deveria sentir-se chocado ao descobrir que estamos perdendo a guerra." Esse amontoado de asneiras ganhou forma escrita por obra de Michael Ledeen, mentor de Flynn e co-escritor do livro, além de nulidade neoconservadora.
Seja como for, Flynn é um dos nomes de Trump para o Pentágono. Sim, mas, pelo menos, diferente das três hárpias (Clinton, Flournoy and Nuland) (As três Hárpias Estão de Volta), ele não chega babando para iniciar guerras simultâneas contra Rússia e China.
O que mantém Donald na corrida
Há alguns interesses empresariais poderosos e bem-conectados que apoiam Trump, de New York ao Meio-oeste, os quais, off the record, conversaram comigo. Muito eloquente é a evidência de que as razões deles caminham na direção absolutamente oposta ao consenso que reina na Av. Beltway.
Por que a Rússia? "Porque a Rússia não joga a moeda dela contra a nossa para destruir nossas indústrias, e portanto é aliada mais natural que Alemanha e Japão, que ainda jogam com a moeda contra os EUA e destruíram grande parte de nosso poder industrial."
Esses autodescritos patriotas norte-americanos afirmam sem pestanejar que "Temos de repatriar nossas indústrias que dão suporte às armas de nosso complexo industrial-militar e todas as demais indústrias perdidas na guerra das moedas. É duplamente necessário, porque submarinos avançados de russos e chineses podem pôr abaixo a produção de armas dentro dos EUA, se bloquearem os embarques, da Ásia, de componentes de que precisamos. A produção de armas dos EUA pode, assim, em caso de guerra, entrar em colapso."
Para esses interesses empresariais, a imigração ilegal, guerras monetárias e a "guerra desnecessária" contra a Rússia são as maiores questões da campanha presidencial.
Dizem que a máquina de Clinton "não vai pôr fim à guerra monetária porque Wall Street quer usar os juros baixos de dólares reciclados, apesar de isso estar destruindo Wall Street." Acrescentam que "Jack Lew avisou Japão, Alemanha e outros que os EUA não tolerarão mais depreciação da moeda, que é um dos pontos de Mr. Trump."
Com tudo isso, em resumo, por que apoiam Trump? "Precisamos de um novo olhar sobre esses problemas que Donald J. Trump trouxe à mesa. Nosso problema com Mitt Romney foi que enriquecem tirando vantagem da política fiscal para as retomadas e a guerra monetária que levou para fora parte tão grande de nossa indústria. No mínimo, uma política fiscal favorável deve estimular o investimento produtivo, quando repatriamos nossas indústrias perdidas na guerra monetária, não a criação de dívida para financiar retomadas especulativas ou a especulação em geral. Lucros especulativos devem sofrer a forma mais pesada de taxação."
Essa multidão do business é claramente antiguerra: "Quando Mr. Trump fala sobre ter de haver um cálculo de custo benefício também para a guerra, fala como empresário lógico." Insistem também que "a guerra contra a Rússia está destruindo também nossa indústria do petróleo, com os EUA mandando os Estados do Golfo inundar o mercado, para quebrar a Rússia."
Deve-se observar que o petróleo é, sim, componente importante da riqueza dos irmãos multibilionários Koch: Charles e David Koch controlem as Indústrias Koch, monstro industrial e de energia de $115 bilhões-ano. O que nos traz de volta – não inesperadamente – a Mike Lil’ Mikey Pence.
Siga o dinheiro
Já faz tempo que os irmãos Koch prometeram gastar perto de $1 bilhão, para pôr o homem "certo" na Casa Branca.
Agora, com sua indicação já na sacola, Trump, empresário consumado, obviamente fareja sangue. Não por acaso, Lil’ Mikey, ainda em junho, será convidado importante num evento semianual monstro, de políticos e doadores, num hotel no Colorado, promovido por, e quem seria?, os irmãos Koch.
Já fez a mesma coisa antes. Em 2014, em Palm Springs, Pence explicou efusivamente como estados como o dele, Indiana, podem ser laboratórios perfeitos para o sonho do GOP (e dos Kochs) de governo de mínimo a não existente, impostos ultra baixos e total desregulação. Pode-se supor que a Trumpelândia seja coisa desse tipo.
Para somar-se ao front multibilionário, outro amigo próximo de Lil’ Mikey é o dono de cassinos Sheldon Adelson, que estava apoiando New Gingrich para companheiro de chapa de Trump. Mas no instante em que Lil’ Mikey foi confirmado, a Coalizão Republicana Judaica [ing. Republican Jewish Coalition] – financiada por Adelson – passou a apoiá-lo totalmente, descrevendo-o como "líder crítico e importante voz no que diz respeito a Israel". Adelson já disse à imprensa que aplicará nada menos que $100 milhões para eleger Trump à Casa Branca. E é também um dos doadores monstros dos Kochs.
Eis aí como se vai configurando o campo de jogo: a candidata neocon/neoliberal/Wall Street Hillary Clinton, trazendo as Três Hárpias que comicham de desejo de mais e mais guerra, contra a muralha dos Quatro Amigos – Trump, Charles e David Koch, e Adelson. Eis o que, nos EUA, passa por "democracia". Os que morrem de desespero – nós vos saudamos. Enquanto isso, Cleveland rocks.*****
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