16.07.2016, M K Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Autoridades turcas param a um passo de dizer que o golpe militar abortado ontem à noite tem significação geoestratégica.[1] As 'pistas' vêm em conta-gotas.
O presidente Recep Erdogan já declarou publicamente que o golpe foi urdido por seguidores de Fetullah Gulen, o clérigo islamista que opera de dentro dos EUA. Na sequência, o ministro da Justiça repetiu a alegação.
A agência estatal de notícias Anadolu já nomeou o coronel Moharrem Kose como líder do golpe. Kose foi oficial das Forças Armadas Turcas, mas foi expulso em março de 2006, por laços com a nebulosa organização de Gulen.
Enquanto isso, Ibrahim Melih Gokcek, prefeito de Ankara e associado político de Erdogan, de quem é muito próximo, apareceu com a revelação de que entre os golpistas está um oficial da organização de Gulen que também esteve envolvido no assassinado do piloto russo em novembro passado. Gokcek disse:
· Foi o 'estado paralelo' que fez deterioram-se nossas relações com a Rússia. Foi um incidente no qual um dos pilotos daquelas estruturas participou. Posso garantir. Foi um dos participantes no golpe. Ainda não havíamos anunciado até agora. Mas eu, Melih Gokcek, digo que nossas relações foram deterioradas por esses vilões.
Claro, é preciso começar a unir os pontos. Gulen fugiu para os EUA em 1998, quando a inteligência turca começou a investigar seus seguidores que se haviam infiltrado nas agências de segurança do Estado turco, nas forças armadas e no judiciário.
Em 2008, Gulen obteve o 'green card', aparentemente por recomendação de dois altos funcionários da CIA. Desde então, vive recluso na Pennsylvania e jamais deixou o território dos EUA para qualquer viagem ao exterior.
Um ex-chefe da inteligência turca Osman Nuri Gundes escreveu em suas memórias, em 2011, que o trabalho de Gulen garantia cobertura para operações clandestinas conduzidas pela CIA em repúblicas ex-soviéticas da Ásia Central, como parte da estratégia dos EUA de usar o Islã político como instrumento de políticas regionais.
De fato, de sua vasta e luxuosa propriedade em Saylosberg, numa região remota do leste da Pennsylvania, pesadamente guardado e inacessível para visitantes, Gulen criou uma rede de mesquitas e escolas religiosas (madrassas) em países da Ásia Central. (Interessante: Rússia e Uzbequistão proibiram as 'escolas' de Gulen.)
Agora, a tentativa de golpe na Turquia surge quando se veem sinais de reaproximação turco-russa e de que Erdogan pode estar começando a modificar suas políticas intervencionistas na Síria. Claro, a Turquia é 'estado pivô' nas estratégias regionais dos EUA, e a reaproximação turco-russa acontece em momento péssimo para Washington, uma vez que:
· É 'força multiplicadora' para os esforços de Moscou para fortalecer o regime sírio;
· Promete fazer reviver o projeto, hoje paralisado, do gasoduto Ramo Turco (projeto de $15 bilhões para levar gás russo, atravessando a Turquia, até o sul da Europa), e a construção de usinas nucleares de $20 bilhões na Turquia, com reatores russos;
· Bloqueia os planos dos EUA de estabelecer presença permanente da OTAN no Mar Negro (o que requer cooperação da Turquia nos termos da Convenção de Montreaux de 1936, pela qual países que não sejam do Mar Negro não podem manter permanentemente navios de guerra naquelas águas);
· Pode ameaçar a operação dos EUA no Iraque e na Síria, que depende pesadamente da base Incirlik na Turquia;
· Opera contra a balcanização da Síria;
· Toda a orientação da política exterior da Turquia muda completamente; e
· Opera contra interesses de Israel, Arábia Saudita, Qatar, na Síria.
Erdogan também é político espertíssimo e deixará os norte-americanos 'no escuro', sem certeza de coisa alguma. Mas o Sultão sabe que Deus lhe deu mais uma vida – e que ninguém se engane: ele sempre desconfiará das intenções dos EUA.
Golpe é sempre um gambito. Os planejadores do golpe calcularam mal que a maioria dos militares turcos apoiaria a derrubada de presidente autoritário, que impôs supremacia civil sobre os Pashas. Mas a jogada de mestre de Erdogan, que convocou a população para as ruas ("o poder do povo"), colheu-os de surpresa. Reminiscência do que fez Boris Yeltsin ao derrubar a tentativa de golpe em 1990.
Erdogan é político carismático e sobrevive graças à enorme popularidade. Na eleição de 2014, foi eleito com 51% dos votos. Hoje, os secularistas, 'kemalistas' e nacionalistas de direita também se uniram a ele contra o golpe. É base de apoio massiva.
Agora, Gulen passa a ser grave problema entre Washington e Ankara. Não parece provável que Washington aceite a extradição de Gulen, que é 'ativo estratégico'. (Leiam o artigo fascinante sobre Gulen em Open Democracy intituladoWhat is Fetullah Gulen's real mission? [Qual a real missão de Fetullah Gulen].) *****
[1] Sobre isso ver "Turquia pós-golpe será claramente eurasiana", 16/7/2016, Andrew Korybko, Katheon, traduzido noBlog do Alok [NTs].
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