9/7/2016, Richard J. C. Galustian, Times of Oman
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
As notícias já praticamente certas da libertação, de uma prisão em Zintan, na Líbia, de Saif Al Islam Gaddafi, herdeiro aparente de seu pai, quando afinal forem confirmadas, serão grande surpresa para muitos, mas nada que se compare ao que virá depois – com a volta del Saif ao poder, a alguma forma de poder.
Num artigo nesse jornal, do dia 1º de maio, sob o título "Líbia, tabuleiro de xadrez tridimensional", escrevi: "Guardem no fundo da cabeça a importância potencial de Saif Gaddafi."
Na Primavera Árabe da Líbia em 2011, Saif uniu-se ao seu pai e filhos nas barricadas, e castigou os rebeldes apoiados pela OTAN numa amarga guerra revolucionária. Aqueles rebeldes mais tarde encurralaram e mataram o pai de Saif, Muammar, e seu irmão Moatasim, em Sirte. Saif foi capturado, quando tentava fugir pelo deserto do Sahara para o Niger.
A sorte dele pode ter sido que as unidades que o capturaram eram de Zintan, cidade de montanha ao sul de Trípoli, que depois fizeram guerra contra os extremistas do [grupo de milícias] "Aurora Líbia" [ing. Libya Dawn] que capturaram a capital em 2014. Quando se reuniu um tribunal para julgar em massa várias figuras do regime Gaddafi, Zintan recusou-se a entregar Saif – o que o salvou das brutalidades pelas quais passaram outros prisioneiros, inclusive o ex-chefe da inteligência Abdullah al Senussi e o irmão mais jovem Saadi, que foi filmado sendo espancado numa cela de prisão em Trípoli.
Os moradores de Zintan não eram aliados do antigo regime, e combateram contra as forças de Gaddafi como uma das mais efetivas milícias rebeldes durante o levante que foi vencido pelas bombas da OTAN.
Mas segundo alguns raros depoimentos de pessoas autorizadas a visitá-lo num composto fortemente protegido em algum ponto da cidade, Saif foi bem tratado e vivia em condições semelhantes às de prisão domiciliar, até agora.
Há um ano, uma corte em Trípoli, operando sob os auspícios de "Aurora Líbia", o condenou, com outros, entre os quais Al Senussi, à morte. Mas em Zintan, praticamente nada mudou para Saif; Zintan novamente se recusou a entregá-lo à sombria prisão Al Hadba, em Trípoli.
O eternamente desmantelado Governo de Acordo Nacional [ing. Government of National Accord (GNA)] apoiado pelos EUA, sob primeiro-ministro fantoche que governa de dentro da base naval de Trípoli, única parte da cidade que controla, parece, mesmo assim, ser o responsável pela anistia concedida em abril a Saif e a outros prisioneiros, pelo cancelamento das sentenças de morte e pela ordem para que fossem postos em liberdade.
Desde então, o paradeiro de Saif é absoluto mistério, mas a atitude de Zintam para com ele é ainda efeito da aliança entre a cidade e outras tribos que apoiavam Gaddafi, inclusive as de Beni Walid e Warshefani, na brutal batalha contra os extermistas de Aurora Líbia. A própria tribo Gaddafi tem uma base ao sul de Zintan perto de Sebha, e luta num front comum com os Zintanis contra as milícias de Aurora Líbia que controlam a capital e comandam o Governo de Acordo Nacional.
Antes da crise na Líbia, Saif viajou pelo mundo promovendo uma agenda de democratização que ele esperava pudesse reformar o país. Não se pode ainda saber se o projeto era sério ou não, ou se foi boicotado e derrotado por seus irmãos Moatsem e Khamis, de linha dura, mas Saif emerge da prisão para encontrar a Líbia completamente mudada – o que ele previu que aconteceria.
Em fevereiro de 2011, Saif Al Islam fez um discurso, no qual previu quase exatamente o que estava para acontecer. E não errou. "Haverá guerra civil na Líbia (...) Nos mataremos uns os outros nas ruas e todo o país será destruído. Precisaremos de 40 anos para chegar a algum acordo sobre como governar o país, porque todos quererão ser presidente, ou emir. Todos quererão governar a Líbia."
Saif sabia que a Líbia seria reduzida a ruínas, se o regime de seu pai fosse destruído pelo ocidente.
De lá até hoje, as brutalidades do regime do pai de Saif já foram de longe ultrapassadas pelas milícias que o derrubaram.
Muitas das tribos que apoiavam Gaddafi lutam hoje contra extermistas e os oportunistas aliados de Misrata, do grupo Aurora Líbia; provavelmente verão em Saif uma figura capaz de unificar as demandas delas, que resistiram e não querem ser expulsas da vida política da Líbia.
Os que se opõem a que ele assuma papel político, estão, pode-se dizer, cedendo, porque Saif nunca foi parte do 'núcleo duro' do regime Gaddafi, vivendo em Londres, onde circulava nos círculos de magnatas, acadêmicos conhecidos e a elite política que pululava em torno de Tony Blair.
Há, em outras palavras, uma abertura para um homem que foi castigado pelos rebeldes por ter ridicularizado a rebelião deles na tela da TV Verde de Gaddafi durante o levante, mas que jamais disparou um tiro contra ninguém. Com sua soltura, talvez consiga tentar por em prática o plano que sempre acalentou: reformar a Líbia e unificar as tribos chaves que se sentem marginalizadas pelos donos do poder na Líbia hoje.
As peças afinal começam a entrar no lugar certo, é é possível que Saif participe de alguma espécie de grande conselho. Com o Governo de Acordo Nacional incapaz de persuadir nenhum dos dois governos que há na Líbia a ceder, já há quem clame por um esforço mais amplo de mediação, a ser discutido em Bruxelas dias 18 de julho, com o secretário de Estado dos EUA, John Kerry.
Na Líbia destroçada, em perpétuo caos, com dois governos que se opõem um ao outro e o Estado Islâmico, Saif Gadaffi pode vir a se revelar como fator importante, mais da solução, que do problema.
Nas últimas 48 horas, desde que começaram os rumores de que teria sido libertado, os líbios em manifestações todo o país, em diferentes cidades e vilas, carregam fotografias de Said e gritam seu nome. Que eu saiba, é a primeira vez que qualquer tipo de manifestação pública pro-Gaddafi aparece com tanta visibilidade no país, desde 2011.
É hora de Saif assumir um lugar, com outros libertaristas, dentro e fora da Líbia, para que se promova a antiga Constituição e, especialmente, para banir do governo membros do Grupo de Luta Islâmica na Líbia [ing. Libya Islamic Fight Group (LIFG)], que foi afiliado da al-Qaeda.
Por todos os lados ouvem-se rumores de que Saif falará muito em breve numa conferência de imprensa. Aí está evento muito, muito interessante, sem dúvida.*****
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