domingo, 4 de setembro de 2011

Como funciona a velha imprensa: uma experiência pessoal.


No sábado, 3 de setembro, foi publicada no Globo Online uma matéria repercutindo o debate sobre a regulação da mídia, um dos temas mais importantes discutidos durante o Congresso do PT.


Motivados pelos recentes acontecimentos no Hotel Naoum, em Brasília, quando repórter da revista Veja tentou invadir o quarto aonde estava hospedado o ex-deputado José Dirceu, a questão da regulação se tornou tema central na agenda dos delegados e militantes do partido.


Pois bem. A referida matéria anunciava a intenção do partido em tratar do assunto e tomava a opinião da ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, sobre a postura do governo em relação a esta renovada disposição do PT em colocar a questão em pauta. Entretanto, em momento nenhum, a matéria se referiu à tentativa de invasão do quarto do hotel. Mencionou apenas a “reportagem” publicada pela Veja contra José Dirceu, relacionada às atividades do ex-ministro da Casa Civil no governo Lula. É o que se lê no texto, aqui reproduzido:



"Para Ideli, o momento é oportuno para se reabrir esse debate sobre o marco regulatório da mídia.
- Ainda mais diante de episódios que levantam dúvidas entre a liberdade de imprensa e a espionagem. Não podemos admitir espionagem política - observou a ministra, sem citar diretamente a reportagem da revista "Veja" que denunciou o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu de estar tentando desestabilizar o governo de Dilma Rousseff."

Aqui a matéria completa: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/09/03/ideli-diz-que-impossivel-governo-nao-participar-do-debate-sobre-marco-regulatorio-da-midia-925282517.asp 



Decidi então enviar um e-mail à jornalista autora da matéria, observando que o texto, tal como foi escrito, induz o leitor a pensar que a motivação da ministra e do PT nada mais era que mera retaliação a matéria desfavorável publicada pela Veja. Não havia, na matéria do Globo Online, nenhuma linha que explicasse ao leitor que Ideli, na verdade, estava se referindo à tentativa de invasão do quarto de José Dirceu, no Hotel Naoum, no dia 24 de agosto, pelo repórter Gustavo Ribeiro. Não é pouca coisa. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil de Brasília e há suspeitas de que o repórter plantou uma câmera escondida no corredor do hotel.


Solicitei ao Globo, portanto, que o texto fosse revisado e alterado no site para, justamente, incluir os fatos relativos à tentativa de invasão e, assim, dar ao leitor o verdadeiro sentido da declaração da ministra. Em vão. No fim das contas, fui tratado como se, ao invés de um cidadão em busca do meu direito de ser bem informado, como um assessor do PT interessado em brigar com a notícia.


Segue abaixo, o diálogo travado entre mim e a repórter Adriana Vasconcelos, de O Globo, responsável pelo texto:



--- mensagem original --- 
De: Dario Achkar  
Assunto: Marco Regulatório da Mídia, Veja x Dirceu, Ideli, etc.. 
Data: 3 de Setembro de 2011 
Hora: 18:33:38 


Prezada Adriana,
com referencia a matéria publicada hoje no Globo online, http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/09/03/ideli-diz-que-impossivel-governo-nao-participar-do-debate-sobre-marco-regulatorio-da-midia-925282517.asp
a ministra Ideli se referiu a espionagem política não pela matéria da Veja sobre José Dirceu, mas sobre a tentativa do seu repórter de invadir o apartamento do hotel, o que aliás, não é mencionado em parte alguma da sua matéria. Colocado da forma em que está na sua matéria, fica parecendo que é mera retaliação do governo e do PT a matéria desfavorável publicada pela revista.


Alguma chance em corrigir o equívoco?


Att,


Dario


Ao que obtive a seguinte resposta:


De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 3 de setembro de 2011 20:56
Para: Dario Achkar


Dario, 
Só agora vi sua msg, mas qdo me refiro à reportagem da Veja, penso que está clara a referência do episódio relatado pelo ex-deputado José Dirceu em seu blog. 
Um abraço 
Adriana 


Não satisfeito com a resposta, insisti:


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De: Dario Achkar
Data: 4 de setembro de 2011 12:28
Para: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO


Prezada Adriana,


este é o ponto. Não está clara a referência, uma vez que o episódio foi sequer mencionado na matéria, e a grande maioria dos leitores quase não teve acesso a notícia, pois a mesma quase não foi repercutida na grande imprensa. E quando foi, ficou restrita a notas de rodapé. E de fato, colocado como está. fica parecendo mera retaliação do governo a matéria desfavorável a um membro do PT. Não soa estranho que a real motivação do debate não figure na matéria, cabendo ao leitor supor então qual teria sido a real motivação do debate?


att,


Dario


Ao que se seguiram duas titubeantes respostas em sequência:


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De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 4 de setembro de 2011 12:56
Para: Dario Achkar


Vou encaminhar seu email para a direção do Online. ok? 
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De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 4 de setembro de 2011 12:58
Para: Dario Achkar


Mas antes de mandar, gostaria que vc se identificasse. Por acaso é assessor da ministra Ideli? Quais são os seus contatos?


Respondi:


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De: Dario Achkar
Data: 4 de setembro de 2011 13:05
Para: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO




Adriana,


Meu nome é Dario Achkar Petrillo, tenho 52 anos, moro na zona rural do DF, sou pequeno produtor rural, não sou filiado a nenhum partido, não tenho cargos no governo, bem como ninguém da minha família. Caso seja necessário outras informações, tais como telefone, CPF ou outras, posso também disponibilizar estas infos.


grato pela atenção,


Dario


Eis que então a brilhante jornalista me sai com esta pérola:


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De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 4 de setembro de 2011 13:45
Para: Dario Achkar


Dario, 
Se a ministra não reclamou, porque eu teria de alterar o texto? Vc mesmo não teve dúvida sobre o que a ministra se referia, sinceramente acho que os outros leitores tb. 
Att. 


Ao que obviamente respondi:


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De: Dario Achkar
Data: 4 de setembro de 2011 14:03
Para: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO


A ministra, assim como eu, faz parte de uma minoria que tem acompanhado com atenção o desenrolar do imbróglio. A matéria deveria considerar que a grande maioria dos leitores não teve acesso a toda a informação, uma vez que ela mal foi divulgada na grande imprensa. Não é curioso que um fato de tamanha relevância seja sequer mencionado numa matéria aonde a questão da tentativa de invasão era o tema central ao qual a ministra se referia?


Volto a reafirmar, da forma como foi colocado, fica parecendo que a motivação da ministra e dos delegados do partido é mera retaliação a matéria desfavorável, publicada pela revista. Não te parece?


att,


Dario


E assim, fui brindado com sua resposta final:


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De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 4 de setembro de 2011 15:02
Para: Dario Achkar


Respeito sua opinião, mas a minha é diferente da sua.




É mole???

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O caso Palocci: ingenuidade, oportunismo e manipulação

Reproduzo artigo mais que pertinente de Miguel do Rosário, publicado originalmente em seu Blog:
  
 Atacar Palocci seria uma excelente oportunidade para este blogueiro demonstrar sua independência em relação ao governo Dilma. Afinal, de fato, ser blogueiro (blogueiro político, para ser mais exato) tornou-se uma espécie de cargo militar na guerra midiática em curso no Brasil desde a assunção da esquerda ao poder, em 2003. A gente vê os erros em nosso próprio campo, mas a prioridade é defender o nosso lado e atacar o adversário. Não é uma filosofia muito bonita, do ponto-de-vista da ética jornalística, mas é a realidade concreta, como diria Lênin. E os jornais, na verdade, são apenas mais hipócritas, quando negam ter igualmente uma postura orgânica em defesa de uma ideologia e dos partidos políticos que a professam. A gente nunca está totalmente à vontade nessa guerra, todavia, e sonhamos em abandonar a farda e nos tornarmos verdadeiramente imparciais. E aí que se dane Palocci e Dilma. Eles que se virem. Eu sou um blogueiro livre!

A derrota da mídia, neste sentido, nunca é completa, porque seus candidatos podem perder as eleições, mas os periódicos continuam a circular normalmente, e a audiência do Jornal Nacional permanece estável. Além do mais, os vitoriosos, para vencerem, tiveram que assumir alguns valores do adversário, mesmo que disso não tenham consciência. 

De qualquer forma, essa é a democracia que temos, e não é correto sermos maniqueístas ou dramáticos. Nem o nosso campo político é composto de santos, nem nossos adversários são demônios ansiosos para destruir o Brasil. Passado o processo eleitoral, temos que buscar a paz; não sou eu que digo; é o que consta no preâmbulo da nossa Constituição:


Nós, representantes do povo brasileiros, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, (....) uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...).

Enfim, eu poderia atacar Palocci, e mostrar como eu sou independente. No entanto, não o farei pelos seguintes motivos:

Não sou juiz nem policial. Não gosto desse papel. Não o faço nem com quadros políticos que eu combato. Quem pode definir se fulano cometeu crime ou não é a Justiça, e quem tem a função de investigá-los é a polícia ou o Ministério Público. Poderia citar aqui o "jornalista investigativo", mas essa é uma atividade que tem sido tão vilipendiada por elementos desonestos e parciais que prefiro deixá-la de fora.

Não concordo com a demonização política de Palocci, pintado como um quadro inútil e incompetente. É injusto atribuir o conservadorismo dos primeiros anos do governo Lula apenas à Palocci. Ele soube, sim, corajosamente, assumir o ônus de tudo, para preservar o presidente e o governo, mas Palocci não fez mais do que seguir as diretrizes traçadas por Lula, e Lula, por sua vez, seguiu as diretrizes traçadas pela necessidade e pelas condições políticas e econômicas do momento. Desde então, parte da esquerda estigmatizou Palocci. Todavia, por mais incômodo que seja para a esquerda aceitar, os desdobramentos da história provaram que sua política econômica estava certa. Ele mesclou conservadorismo econômico e ativismo social. Quem pagou a dívida externa com o FMI não foi Guido Mantega; foi Palocci. Quando chegou a crise política, e o governo foi posto no pelourinho da mídia, seus defensores estavam armados com as estatísticas que a gestão Palocci lhes forneceu. Inflação baixa, forte crescimento econômico, acelerado processo de distribuição de renda em marcha, dívida externa paga.

Palocci assumiu todos os ônus, junto à esquerda, pelas políticas conservadoras, deixando que Lula figurasse como um deus olímpico, livre de qualquer peso simbólico das decisões difíceis. Tanto que hoje, os que defendem a queda de Palocci alegam que Dilma deve se realinhar ao "lulismo" para poder governar. Ora, Palocci não foi "lulismo"? Na verdade, o Palocci de hoje é um articulador político, sem nenhuma influência sobre a política econômica, enquanto na gestão anterior era o titular do Ministério da Fazenda!

Tanto é que os agentes do mercado, da vida real, tem a opinião de que a política econômica de Dilma está bem mais à esquerda que a de Lula. Ou seja, uma volta ao lulismo seria um retrocesso conservador...

Confunde-se ainda o último governo de Lula, quando ele estava livre do constrangimento de se reeleger, e o governo vinha na sequência de uma série de vitórias, no campo da popularidade, sobre a mídia corporativa, confunde-se esse último ano com seus oito anos de mandato. Durante quantos anos, nosso querido Paulo Henrique Amorim não chamou Lula de "o presidente que tem medo"? Durante quantos anos, Lula não foi acusado de "neoliberal" e de apenas dar continuidade à gestão anterior?

Voltando a Palocci, nosso combativo e ansioso blogueiro agora acusa o ex-ministro de ter consultado o filho de Roberto Marinho para escrever a Carta aos Brasileiros. Cita uma página do livro do professor Venício Lima, o qual sabe-se lá como teve acesso à íntegra de uma conversa privada, particular, para acusar Palocci de ter recebido "instruções" do líder-máximo das organizações Globo.

Ora, em primeiro lugar, quem assinou a carta aos brasileiros foi o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Palocci ligou para empresários, da indústria e da comunicação, e ajudou a redigir, mas quem determinou as diretrizes e apôs seu nome ao final do texto foi Lula. E sem hipocrisia e ingenuidade, a função daquela carta foi justamente acalmar a histeria de empresários e mídia por conta da iminente vitória de Lula. 

Então que se culpe Lula, não Palocci. A santificação atual da figura de Lula significa uma apolitização absurda da história. Lula foi grande não apenas por suas decisões em favor dos pobres, mas também em função de sua política de conciliação e diálogo, em relação aos ricos. E isso sem contar os aspectos mais sombrios e questionáveis dessa aliança do lulismo com as elites. 

O discurso de que Dilma deveria voltar ao lulismo não tem sentido. Voltar é retroceder. Retroceder é ser retrógrado. O governo Dilma tem de avançar, simplesmente. Para isso, porém, é preciso acertar o ritmo dos passos, saber recuar em alguns momentos, acelerar em outros. Pode ainda fazer como Lula, que alternava momentos de recuo político e avanço nas políticas sociais, com outros de avanço político e recuo no social. E todo esse vai-e-vem não se dá somente em função dos humores da "mídia velha", mas em virtude de análises concretas sobre a atual correlação de forças, a nível mundial, além do puro, singelo e inocente cálculo macro-econômico propriamente dito, o qual, apesar de ser demonizado como vício neoliberal, existe de fato. 

Eu acho que o governo Dilma tem força suficiente para aguentar o tranco de uma eventual queda de Palocci. Se houver algo de concreto, ele terá de sair. Não boto a mão no fogo por Palocci assim como não fiz com nenhuma figura do governo Lula. 

Quanto às denúncias de enriquecimento, mais uma vez apelo à Justiça. Não vou condenar Palocci simplesmente por ganhar dinheiro. Arminio Fraga comprou o MacDonalds América Latina por 1,5 bilhão de dólares logo após sair do governo FHC. André Lara Resende, de pobre ficou miliardário, com haras até na Inglaterra. Palocci comprou um apartamento de 6 milhões de reais. 

Não digo isso para repetir o discurso de que "se eles fazem, nós também podemos fazer", mas para mostrar que o mercado costuma receber ex-integrantes de equipe econômica com muita generosidade. Alguns dizem que a lei é falha, ou que a quarentena imposta é pequena. Não sei. Nesse ponto, prefiro o ceticismo. Se a quarentena fosse excessiva, ou se proibíssemos que ex-membros da equipe econômica ganhassem dinheiro em consultorias, abertamente, declarando ao fisco, estaríamos estimulando que o sujeito ganhasse dinheiro por baixo dos panos. É a lei da oferta e da procura. 

A mídia explora a nossa realidade pequeno-burquesa. Apartamento de seis milhões, faturamento de vinte milhões em 2010! Que horror! Por outro lado, analisando bem, é melhor que os políticos faturem de maneira transparente, como fez Palocci, registrando tudo na Receita e pagando devidamente seus impostos, do que ganhem seu dinheiro "por fora", como fez aquele governador do Distrito Federal, de triste memória. Em nossa vida de simples mortais, esses valores são fora-do-comum, mas lembremos que no alto do pirâmide social, respira-se outro oxigênio. Apresentadores de TV ganham milhões por mês, jogadores de futebol ganham milhões por mês, donos de agências de publicidade ganham milhões por mês, banqueiros ganham BILHÕES por mês.

Falemos de ética. Muitos questionam a ética nas ações de Palocci. Que segredos de Estado ele vendeu? Bem, esse é um ponto realmente difícil de ponderar. Ele poderia ter vendido secretamente, se quisesse, com grana depositada em contas no exterior (se é que não o fez). 

A solução talvez só venha quando tivermos computadores regendo o governo, programados para não divulgarem nenhuma informação. Até porque nem sabemos que tipos de informação existem cujos segredos não podem ser divulgados de maneira nenhuma, nem sabemos que Palocci os divulgou. Não sabemos de nada. Em tese, Palocci pode ter vendido por milhões supostos segredos, mas não os mais importantes. Pode ter ganho dinheiro vendendo informação anódina ou mesmo falsa. Se são segredos, nem os empresários saberão. Ou então, pode sim, ter vendido informação importante, sigilosa. A única maneira de estarmos seguros com nossas equipes econômicas, seria tomar alguma medida drástica, à la Pérsia Antiga, como mandar degolar todos seus integrantes assim que terminasse sua gestão. 

A única bóia à qual podemos nos agarrar volta sempre a ser a inevitável confiança que temos em nosso presidente da república. É ele ou ela, ao cabo, que tem a posição privilegiada de ver o quadro completo. Sabe os segredos de Estado. Tem o controle dos serviços de inteligência. Tem muito mais poder do que nós, portanto, de averiguar os eventuais mau-feitos do senhor Antonio Palocci. Não digo que devemos confiar cegamente em nossa presidente. Não estou dizendo isso. Digo que há situações em que não há outra saída. Temos que confiar ou não. Se não confiamos, então vamos afirmar honestamente. Não confio na Dilma. O fato de não confiarmos, porém, não significa que nós estamos certos e ela errada. Às vezes não confiamos e ela está certa. Neste caso, há um problema de comunicação, e o governo sempre terá um problema de comunicação, na medida em que a mídia brasileira é notoriamente uma mídia de oposição, partidária e, frequentemente, desonesta. 

O que não podemos fazer, enquanto cidadãos, é deixar de acreditar no sistema democrático brasileiro. Que é falho, como em todo mundo. Deficiente, cheio de brechas por onde escapolem os poderosos. Mas é o que temos, e não existe sistema infalível. A democracia brasileira está em construção, como aliás a democracia no mundo inteiro. Está se fortalecendo ano a ano. Nosso Ministério Público hoje é muito mais forte, competente, jovem e idealista do que há vinte anos. O mesmo vale para o Judiciário. Não farei elogios ao Legislativo, mas lembrarei mais uma vez o pensamento de Wanderley Guilherme dos Santos: a massa votante hoje no Brasil é infinitamente maior do que em qualquer época passada. Temos mais eleitores e um percentual maior de eleitores sobre a população total do que em qualquer época. Se o Legislativo é bom ou ruim, é uma questão do voto popular, e as distorções decorrentes do financiamento de campanha estão sendo igualmente discutidas democraticamente pelos próprios congressistas, para que seja aprimorada. 

Enfim, se Palocci cometeu um crime, compete ao Ministério Público, à Polícia Federal, ao Judiciário, ao Legislativo, decidirem. O que nunca aprovarei é o justiçamento midiático. Da mesma forma não aprovo que setores da blogosfera surfem nesse justiçamento para acertar contas com um quadro com o qual não nutrem afinidade política. 

Se achamos que o governo Lula foi bom, temos que aceitar a função de Palocci no processo. E se temos alguma coisa a criticar acerca da Carta aos Brasileiros e da política econômica dos primeiros anos do governo Lula, não é justo crucificar Palocci. Não acho lógica interpretação de que o governo Lula foi bom apesar de Palocci. 

Saindo do terreno das suposições, do passado e das suspeitas, Antonio Palocci é quadro político importante para o governo, por causa de seu diálogo com o grande empresariado e com as forças de centro-direita. Seria uma indesculpável ingenuidade da esquerda achar que o governo Dilma não deve dialogar com esses setores, ou que deveria tratá-los com truculência. São esses setores que pagam as campanhas políticas. São esses setores que fazem investimentos no país. São esses setores que tem o poder de derrubar presidentes. A grande mídia é aliada desses setores, e bate no governo para enfraquecê-lo e torná-lo (o governo) ainda mais dependente dos grandes empresários. A ideia de que um governo de esquerda deve amparar-se apenas nos movimentos sociais é arriscada. O governo Chávez vive em crise desde sua posse por conta disso, o que tem se refletido severamente na economia venezuelana, que só cresce quando o preço do petróleo sobe, e sofreu um brutal processo de desindustrialização e fuga de investimentos produtivos nos últimos anos. 

O sucesso de Lula foi justamente, ao contrário de Chávez, estabelecer um pacto social entre o trabalho e o capital. Em seus momentos mais difíceis, Lula sempre apelou para as massas, mas nunca deixou de dialogar com a elite econômica. Mesmo fazendo uma política econômica mais à esquerda do que Lula, a atual presidenta não tem a experiência do velho sindicalista para discursos inflamados contra as elites e em favor do povo. Ela não tem nem saúde física para isso. Lula era forte como um touro, um fenônemo da natureza que só a brutal seleção genética do Nordeste miserável pode produzir. Dilma tem saúde frágil, ainda mais depois do câncer com o qual teve de lutar há poucos anos. Temos que avaliar também esses aspectos reais, físicos, porque a nossa democracia é feita de gente de carne e osso, e não de heróis ou símbolos. As perseguições da mídia destroem não apenas reputações, mas também a saúde e a psicologia de suas vítimas (mesmo que essas vítimas sejam culpados na justiça). Dificilmente veremos Dilma a vociferar em comícios para centenas de milhares de pessoas. Ela nunca foi uma sindicalista de massa. Experimentou apenas a eleição majoritária de um partido já consolidado, com recursos, que podia lhe dar todo o conforto necessário.

Mas é uma mulher corajosa, astuta, culta, e incorruptível. Saberá enfrentar com serenidade o teste de sua primeira crise política. O que não podemos exigir é que ela lance um ministro importante como o chefe da Casa Civil aos leões ao primeiro toque de corneta dos adversários. Palocci pode cair, mas só depois de muita luta, e defendido galhardamente por Dilma, por seu partido e aliados. Quanto à questão ética, é na verdade uma questão de Justiça. Se não fez nada proibido ou ilegal, não faz sentido condenar Palocci por ganhar dinheiro num país selvagemente capitalista como o Brasil, onde ou você ganha muito dinheiro ou é tragado e triturado pelo sistema. Em se tratando de um político, essa regra ainda é mais válida, porque ele tem de possuir recursos suficientes para, ao menos, pagar seus advogados, visto que é raro que um quadro partidário relevante atravesse sua carreira sem enfrentar duros embates jurídicos. Vide o caso do diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn. Se por acaso ele for inocentado (e imagine, apenas hipoteticamente, que ele seja inocente), terá sido pelos milhões de euros que conseguiu acumular ao longo de sua vida, pois é o que vem gastando e gastará para bancar advogados, fiança, assessores de comunicação e a própria prisão domiciliar (que custa até 200 mil dólares por mês). Claro que esses riscos não justificam que alguém cometa qualquer ilegalidade. Cito-os apenas para mostrar que o dinheiro ajuda bastante um político a se livrar de problemas, e Palocci já enfrentou graves questões na justiça. Sabe o que é estar na linha de tiro, abandonado por aliados, tratado como pária da sociedade, tendo como amigos apenas advogados de taxímetro estourado. Não me espanta que tenha decidido ganhar dinheiro. Se passou dos limites da lei, no entanto, aí é um caso para o Ministério Público investigar... Minha função, como blogueiro, não é julgar a ética pessoal de Palocci, nem me arvorar especialista em questões jurídicas. Eu faço uma análise política da conjuntura e dou minha opinião. Claro que posso estar errado, mas na minha humilde opinião Palocci é a bola da vez. Caindo Palocci, a mídia virá em cima do próximo quadro, e assim sucessivamente, até o fim dos tempos. Esse filme a gente já viu. A grande imprensa morde fundo, sem piedade, aplainando o terreno para a chegada de seu novo herói, ou para vender caro uma trégua mais adiante. Política (no Brasil e no resto do mundo), definitivamente, não é aconselhada para ingênuos.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Gilmar Mendes e o estupro da lei.

Reproduzo post publicado no do Blog do Mello

TERÇA-FEIRA, 17 DE MAIO DE 2011

Advogado pede impeachment de Gilmar Mendes por 'relações perigosas' com advogado da Globo, de Dantas...e de Gilmar Mendes

O advogado comum aos três chama-se Sérgio Bermudes. Ele também é patrão de Guiomar Mendes, que trabalha no escritório de Bermudes em Brasília. Guiomar Mendes é mulher de Gilmar Mendes.

Agora entra na história um novo advogado. O nome dele é Alberto de Oliveira Piovesan. Ele entrou no Senado da República com um pedido de impeachment do ministro e ex-presidente do STF Gilmar Mendes.

Grande parte da argumentação (mas não toda) de Piavesan se baseia numa reportagem da revista Piauí sobre o Supremo Tribunal Federal e Gilmar Mendes publicada nos números 47 e 48 da revista.

A revista PIAUÍ, de circulação nacional, nos números 47 e 48, respectivamente de agosto e setembro de 2010, publicou extensa e bem elaborada reportagem de autoria de Luiz Maklouf Carvalho, jornalista há mais de trinta anos, sobre o Supremo Tribunal Federal, e na de nº 48 revelou e detalhou relações entre o Ministro Gilmar Ferreira Mendes e sua mulher, com o Advogado Sergio Bermudes, seu antigo desafeto – fato público (documento nº 11, em anexo) – até quando assumiu uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.

Os fatos divulgados pela referida reportagem (documento nº 4, em anexo), são comprometedores. Revelam recebimento de benesses e outros fatos que põem em dúvida
a isenção, a parcialidade do julgador, configurando violação a dever funcional, e em consequência a incidência do item 5 do artigo 39 da Lei Federal 1079/1950.

(...) A referida reportagem informou, dentre outros fatos, que o Advogado Sergio Bermudes hospeda o Ministro Gilmar Ferreira Mendes quando este vem ao Rio de Janeiro, e que já hospedou-o em outras localidades, além de fornecer-lhe automóvel Mercedes Benz com motorista.

A citada reportagem informou também que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes recebeu de presente, do mesmo Advogado Sergio Bermudes, uma viagem a Buenos Aires, Argentina, quando deixou a presidência do Supremo Tribunal Federal no ano passado (2010). E que o presente foi extensivo à mulher do Ministro, acompanhando-os o Advogado nessa viagem.

A citada reportagem informou ainda que o referido Advogado emprega e assalaria, acima do padrão, a mulher do Ministro. Evidente que no recesso do lar pode ela interferir junto ao marido a favor dos interesses do escritório onde trabalha,
e de cujo titular é amiga intima (sempre segundo a citada reportagem). É o canal de voz, direto e sem interferências, entre o Ministro e o Advogado.

Se comprovados estes fatos, notadamente a viagem de presente, ficará configurada violação de dever funcional, com consequente inabilitação para o cargo, eis que
vedado o recebimento de benefícios ao menos pelo Código de Ética da Magistratura, precisamente seu artigo 17.

No pedido de impeachment há também a informação de que Sergio é um dos principais advogados da Rede Globo (pg. 20), de Daniel Dantas (pg. 22) e do próprio Gilmar Mendes (pg. 26).


Não tenho competência para julgar o conhecimento jurídico do ministro Gilmar Mendes. Mas sua avaliação e capacidade de julgamento, sim, e na minha opinião ele é um homem vaidoso e arrogante, o que denota insegurança. Sua opinião na sabatina da Folha em 2009 de que Fernando Henrique Cardoso "é um estadista" e Lula, não, mostra que ele pode entender de Direito mas não entende direito o mundo em que vive. Mendes gosta tanto de FHC que tinha (ainda tem?) um retrato de FHC em sua mesa de trabalho.

Sei que dificilmente o Senado irá peitar Gilmar Mendes. Ele mostrou que tem força no STF quando conseguiu um placar de 9 a 1 a seu favor no caso dos dois HC de Dantas. E vários dos senadores têm processos por lá e não vão querer se indispor com seus futuros julgadores.

Mas a ação do advogado Piovesan tem o grande mérito de trazer à tona as relações perigosas de Gilmar Mendes, que se forem repercutidas na mídia poderão fazer com que o imperial ex-presidente do STF tenha que vir ao distinto público explicar-se.

Se dependermos da grande mídia, sabemos que nada será feito. Portanto, temos que fazer a nossa parte divulgando a ação do advogado Piovesan e exigindo providências do Senado e da OAB - a quem o pedido de impeachment também foi entregue.

p.s: quantos reis, passeando nús...

EUA oficial: a crescente ameaça de tempestades solares

17 de maio, 07:57 EDT


GENEBRA (AP) - Um oficial sênior do National Oceanic and Atmospheric Administration dos USA declarou que tempestades solares são uma ameaça crescente para infra-estruturas críticas, tais como as comunicações por satélite, sistemas de navegação e equipamentos de transmissão elétrica.


A secretária adjunta da NOAA, Kathryn Sullivan informou que a intensidade das tempestades solares deverá atingir o pico em 2013 e que os países devem se preparar para "efeitos potencialmente devastadores."


Tempestades solares lançam partículas que podem desativar temporariamente ou destruir permanentemente os frágeis circuitos de um computador.


Sullivan, uma ex-astronauta da Nasa, que em 1984 se tornou a primeira mulher a caminhar no espaço, disse em uma conferência de clima da ONU em Genebra na terça-feira que "não é uma questão de se, mas realmente uma questão de quando um grande evento solar pode atingir nossa planeta."


fonte: Associated Press -  http://hosted.ap.org/dynamic/stories/E/EU_UN_SOLAR_STORMS?SITE=AP&SECTION=HOME&TEMPLATE=DEFAULT&CTIME=2011-05-17-07-57-46

terça-feira, 10 de maio de 2011

Uma luz no fim do túnel? Rússia e China desafiam OTAN-EUA

Extraído do Viomundo:

Rússia e China desafiam OTAN-Estados Unidos


10/5/2011, M K Bhadrakumar, Asia Times Online

Tradução do Coletivo da Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu:
“Não é maravilhoso saber que a gente aqui, nessa quebrada braba, já sabe de tudo isso… E que o Merval Pereira e o William Waack ainda não sabem de naaaaaaaada disso?! [risos, risos] É nóis! A Rede Globo tá é por fora!

A visita para consultas que o ministro de Relações Exteriores da China Yang Jiechi fará no final de semana a Moscou está prevista como parte da preparação para a visita que o presidente Hu Jintao fará à Rússia em junho. Mas essas consultas ganham imensa importância nas atuais circunstâncias, para a segurança internacional.

Os esforços que russos e chineses empreendem já há algum tempo para “coordenar” posições nas questões regionais e internacionais sobem de grau, em termos qualitativos, agora, em face da situação no Oriente Médio.

A agência oficial russa de notícias usou expressão pouco usual – “estreita cooperação” – para caracterizar o novo status dessa coordenação de políticas para a região. E essa coordenação pode implicar um grande desafio que o Ocidente terá de enfrentar, para fazer avançar sua agenda unilateralista no Oriente Médio.

Em tese, Hu visitará a Rússia para participar do grande evento-show previsto para São Petersburgo nos dias 16-18 de junho, e que o Kremlin vem coreografando atentamente como evento anual, de importância comparável à de um Fórum Econômico Internacional, um “Davos russo”. Vê-se muita excitação nos dois países, à espera de que a visita de Hu seja um ponto de virada na cooperação entre Rússia e China, no campo da energia.

A gigante russa Gazprom de energia espera estar bombeando 30 bilhões de metros cúbicos anuais de gás natural para a China em 2015, e as negociações sobre preço já estão em fase avançada. Os chineses garantem que as negociações, que estiveram paralisadas, estão de fato a ponto de serem concluídas e postas em acordo a ser firmado, quando Hu chegar à Rússia.

Verdade é que, quando a grande economia que mais cresce no mundo e o país maior exportador de energia chegam a algum acordo, a coisa é sempre muito mais ampla que simples questão de cooperação bilateral. Haverá mal-estar na Europa, que historicamente tem sido o maior mercado para a energia russa exportada, se se vir surgindo do leste um “concorrente”; e os negócios de energia entre o Ocidente e a Rússia terão, na China, “um parceiro à espera”. Essa mudança de paradigma altera o quadro atual das tensões entre Leste e Oeste sobre o Oriente Médio.

Posições idênticas

O Oriente Médio e o Norte da África acabou por ser um dos temas centrais das conversações que Yang terá em Moscou com seu anfitrião Sergei Lavrov. Rússia e China decidiram trabalhar juntas sobre as questões criadas pelos levantes no Oriente Médio e Norte da África. Nas palavras de Lavrov: “Concordamos em coordenar nossas ações, usando as habilidades e competências de nossos dois países, para ajudar numa rápida estabilização e para prevenir que haja ali outras consequências negativas.”

Lavrov disse que Rússia e China têm “posições idênticas”, de que “cada nação deve poder determinar o próprio futuro, independentemente e sem interferência”. Pode-se presumir que os dois países tenham construído a posição comum de opor-se a qualquer movimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que caracterize ocupação por terra, na Líbia.

Até aqui, a posição da Rússia havia sido de que Moscou não aceitaria que o Conselho de Segurança desse à OTAN qualquer tipo de mandato que autorizasse a ocupação por terra, sem “posição claramente expressa” de aprovação pela Liga Árabe e pela União Africana (da qual a Líbia é membro).

Evidentemente, há aqui um “déficit de confiança”, que se vai tornando cada dia mais insuperável, a menos que a OTAN decida por um cessar-fogo imediato na Líbia.

Dito de outro modo, mais claro: a Rússia já não confia que os EUA ou seus aliados da OTAN estejam sendo satisfatoriamente transparentes quanto às próprias intenções no que tenham a ver com a Líbia e o Oriente Médio.

Há alguns dias, Lavrov falou longamente sobre a Líbia em entrevista a um canal russo de televisão, Tsentr. Mostrou-se profundamente frustrado com a ‘fala dupla’ do Ocidente e os subterfúgios usados para interpretar unilateralmente a Resolução n. 1.973 da ONU, de modo a fazer o que desejava fazer.

Naquela entrevista, Lavrov revelou que há “relatos de que se prepara uma vasta operação na Líbia e que sugerem que os planos estejam sendo desenvolvidos na OTAN e na União Europeia”. E sugeriu bem claramente (e publicamente) que há suspeitas em Moscou de que os EUA conspiram para contornar a exigência de que o Conselho de Segurança autorize operações em terra na Líbia; que em vez de buscar obter a autorização legal, os EUA planejam aplicar uma ‘chave-de-braço’ na Secretaria Geral de Ban Ki-Moon, para que a SG apresente à aliança ocidental “um pedido” para que a OTAN dê cobertura à missão humanitária da ONU; os EUA, então, usariam esse pedido como folha de parreira para iniciar a ocupação por terra.

A divulgação da posição assumida por Rússia e China visa a impedir que a Secretaria Geral de Ban facilite subrepticiamente a operação em terra, da OTAN, na Líbia, que estaria sendo construída. Ban visitou Moscou recentemente, e relatórios russos sugerem que ele teria saído “com as orelhas cheias” de críticas ao modo como preside a ONU. Colunista moscovita sempre bem informado, escreveu, cheio de sarcasmo:

“Há vários modos de dizer politicamente a um hóspede, em nome próprio e em nome de parceiros internacionais: ‘Não estamos muito felizes com seu desempenho, estimado Mr. Ban.’ Em muitos casos, nem se precisa de palavras. É visível para todos que o secretário-geral tem uma queda pelo romantismo revolucionário das guerras civis e apóia, em geral, todos os combatentes da liberdade. Por isso, precisamente, vive de braços dados com os arquiliberais europeus e norte-americanos.

Não se recomenda que o secretário-geral da ONU tome posições políticas extremistas, muito menos que se ponha ao lado da minoria dos estados-membros da ONU, como fez no caso da Líbia e da Costa do Marfim. Não foi eleito para isso. Não se trata de querer forçar Mr. Ban a mudar de posição ou de convicções, mas, apenas, de promover um pequeno ajuste no seu modo de ver as coisas, a favor de maior neutralidade.”

Moscou e Pequim parecem ver o chamado Grupo Líbia de Contato (22 países e seis organizações internacionais) com olhos altamente desconfiados. Referindo-se à decisão do Grupo, em reunião em Roma na 5ª-feira passada, para disponibilizar imediatamente um fundo temporário de US$250 milhões, como ajuda aos rebeldes líbios, Lavrov disse, em tom cáustico, que o grupo “ampliava seus esforços para assumir o papel principal na determinação da política de toda a comunidade internacional em relação à Líbia” e alertou que não deveria estar “tentando substituir o Conselho de Segurança da ONU. E que evitasse tomar posição a favor de um dos lados.”

Moscou e Pequim têm dado sinais bem claros de preocupação ante o risco de o Grupo de Contato estar aos poucos se convertendo em processo regional que estaria deslocando a ONU, no trabalho de modelar os levantes árabes na direção que mais interesse às estratégias ocidentais. Os estados do Conselho de Cooperação do Golfo (e da Liga Árabe) incluídos no Grupo de Contato permitem que o Ocidente apresente o Grupo de Contato como se fosse uma voz regional coletiva. (Ironicamente, a França convidou a Rússia a participar do Grupo de Contato.)

A ponta do iceberg

Na conferência de imprensa com Yang em Moscou, na 6ª-feira, Lavrov foi diretamente ao ponto: “O Grupo de Contato se auto-estabeleceu. E, agora, tenta puxar para si a responsabilidade sobre a política de toda a comunidade internacional em relação à Líbia. E não só isso. Também estamos ouvindo vozes que querem que o Grupo de Contato decida o que fazer em outros Estados da região.” O que preocupa a Rússia em termos imediatos é que o Grupo de Contato parece estar começando a deslocar-se em direção à Síria, para promover mudança de regime também lá.

Até aqui, a China tem sido muito diplomática na questão da Líbia e deixou com a Rússia a tarefa de pendurar o guizo no pescoço do gato ocidental; mas aos poucos, está começando a falar. Yang foi bastante direto na conferência de imprensa em Moscou, criticando a intervenção ocidental na Líbia. Há apenas três semanas, o People’s Daily [Diário do Povo] chinês comentou que a guerra na Líbia chegara a um impasse: o regime de Muammar Gaddafi mostrou-se capaz de resistir; e o Ocidente superestimou a oposição líbia. Diz o jornal:

“A guerra da Líbia converteu-se em ‘batata quente’ para o Ocidente. Primeiro, o Ocidente, em termos econômicos e estratégicos, não pode sustentar a guerra (…). A guerra é peso excessivo para os EUA e para os países europeus, que ainda não superaram completamente a crise econômica. Quanto mais tempo durar a guerra da Líbia, mais os países ocidentais ver-se-ão em desvantagem.

Em segundo lugar, o Ocidente enfrentará inúmeras dificuldades militares e legais (…). Se o Ocidente continuar a envolver-se, logo será visto como tendente a um dos lados (…). No campo das ações propriamente militares, os países ocidentais terão de despachar soldados para depor Gaddafi (…). A ONU absolutamente não tem autoridade para ordenar esse movimento, e parece estar começando a repetir os erros da Guerra do Iraque (…). Em resumo, a solução militar para o problema da Líbia está esgotada e a solução política já está na agenda.”

As conversações de Yang em Moscou significam que Pequim está sentindo que o Ocidente está decidido a segurar a ‘batata quente’ custe o que custar, deixá-la esfriar custe o que custar, para, no fim, devorá-la sem partilhar com ninguém. No mesmo andamento, uma recalibração da posição chinesa, que a aproxima muito da posição da Rússia (que já criticou muito mais abertamente a intervenção ocidental na Líbia) começa a deixar-se ver.

Moscou pode ter encorajado Pequim a ler o que se via escrito na parede. Mas o fator determinante da aproximação parece ser o incômodo crescente, entre chineses e russos, ante a evidência de que a intervenção ocidental na Líbia é só a ponta do iceberg – e que o que se prepara pode ser uma geoestratégia para perpetuar a dominação histórica do Oriente Médio pelo Ocidente, agora na era pós-Guerra Fria. E tecido aí, também, um precedente extremamente preocupante, de a OTAN pôr-se a agir militarmente sem mandato específico da ONU.

Lavrov e Yang participam depois, em Astana, de uma conferência dos ministros de Relações Exteriores da Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organization (SCO)] que negociará a agenda para a próxima reunião de cúpula do corpo regional, que acontecerá na capital do Cazaquistão, dia 15 de junho. A grande questão é se o acordo Rússia-China, de “estreita cooperação” nas questões do Oriente Médio e Norte da África, será assumida como posição comum de toda a SCO. A probabilidade parece alta.

domingo, 8 de maio de 2011

Carta de um Nobel da Paz a Barack Obama

reproduzo artigo publicado no site da Carta maior:


Quando te outorgaram o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: “Barack, me surpreendeu muito que tenham te outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o recebeu deve colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a situação que viveu teu país e o mundo”. No entanto, ao invés disso, você incrementou o ódio e traiu os princípios assumidos na campanha eleitoral frente ao teu povo, como terminar com as guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões em Guantánamo e Abu Graib no Iraque. O artigo é de Adolfo Pérez Esquivel.

Adolfo Pérez Esquivel

Estimado Barack, ao dirigir-te esta carta o faço fraternalmente para, ao mesmo tempo, expressar-te a preocupação e indignação de ver como a destruição e a morte semeada em vários países, em nome da “liberdade e da democracia”, duas palavras prostituídas e esvaziadas de conteúdo, termina justificando o assassinato e é festejada como se tratasse de um acontecimento desportivo.

Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que saíram a apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça. Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida: o objetivo foi assassiná-lo.

Os mortos não falam e o medo do justiçado, que poderia dizer coisas inconvenientes para os EUA, resultou no assassinato e na tentativa de assegurar que “morto o cão, terminou a raiva”, sem levar em conta que não fazem outra coisa que incrementá-la.

Quando te outorgaram o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: “Barack, me surpreendeu muito que tenham te outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o recebeu deve colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a situação que viveu teu país e o mundo”.

No entanto, ao invés disso, você incrementou o ódio e traiu os princípios assumidos na campanha eleitoral frente ao teu povo, como terminar com as guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões em Guantánamo e Abu Graib no Iraque. Não fez nada disso. Pelo contrário, decidiu começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAM e por uma vergonhosa resolução das Nações Unidas. Esse alto organismo, apequenado e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes.

A base fundacional da ONU é a defesa e promoção da paz e da dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: “Nós os povos do mundo...”, hoje ausentes deste alto organismo.

Quero recordar um místico e mestre que tem uma grande influência em minha vida, o monge trapense da Abadia de Getsemani, em Kentucky, Tomás Merton, que diz: “a maior necessidade de nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que entope nossas mentes e converte toda vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem essa limpeza doméstica não podemos começar a ver. E se não vemos não podemos pensar”.

Você era muito jovem, Barack, durante a guerra do Vietnã e talvez não lembre a luta do povo norteamericano para opor-se à guerra. Os mortos, feridos e mutilados no Vietnã até o dia de hoje sofrem as consequências dessa guerra.

Tomás Merton dizia, frente a um carimbo do Correio que acabava de chegar, “The U.S. Army, key to Peace” (O Exército dos EUA, chave da paz): “Nenhum exército é chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com paz. Quanto mais os homens aumentam o poder militar, mais violam e destroem a paz”.
Acompanhei e compartilhei com os veteranos da guerra do Vietnã, em particular Brian Wilson e seus companheiros que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras.

A vida tem esse não sei o quê do imprevisto e surpreendente fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar às gerações futuras uma vida mais justa e fraterna, reestabelecendo o equilíbrio com a Mãe Terra.

Se não reagirmos para mudar a situação atual de soberba suicida que está arrastando os povos a abismos profundos onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz; a humanidade merece um destino melhor. Você sabe que a esperança é como o lótus que cresce no barro e floresce em todo seu esplendor mostrando sua beleza.

Leopoldo Marechal, esse grande escritor argentino, dizia que: “do labirinto, se sai por cima”.

E creio, Barack, que depois de seguir tua rota errando caminhos, você se encontra em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterra cada vez mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes corporações, pelo complexo industrial militar, e acredita ter todo o poder e que o mundo está aos pés dos EUA porque impõem a força das armas e invade países com total impunidade. É uma realidade dolorosa, mas também existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.

As atrocidades cometidas por teu país no mundo são tão grandes que dariam assunto para muita conversa. Isso é um desafio para os historiadores que deverão investigar e saber dos comportamentos, políticas, grandezas e mesquinharias que levaram os EUA á monocultura das mentes que não permite ver outras realidades.

A Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às torres gêmeas, o identificam como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o apontava como “o eixo do mal”. Isso serviu de pretexto para declarar as guerras desejadas que o complexo industrial militar necessitava para vender seus produtos de morte.

Você sabe que investigadores do trágico 11 de setembro assinalam que o atentado teve muito de “auto golpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento prévios de escritórios das torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, argumentando com a mentira e a soberba do poder que estão fazendo isso para salvar o povo, em nome da “liberdade e defesa da democracia”, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são “danos colaterais”. Vivi isso no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios na cidade, no hospital pediátrico e no refúgio de crianças que foram vítimas desses “danos colaterais”.

A palavra é esvaziada de valores e conteúdo, razão pela qual chamas o assassinato de “morte” e que, por fim, os EUA “mataram” Bin Laden. Não trato de justificá-lo sob nenhum conceito, sou contra todas as formas de terrorismo, desde a praticada por esses grupos armados até o terrorismo de Estado que o teu país exerce em diversas partes do mundo apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenção armada, exercendo a violência para manter-se pelo terror no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias?

Será que é por esse motivo que o povo dos EUA vive com tanto medo de represálias daqueles que chamam de “eixo do mal”? É simplismo e hipocrisia querer justificar o injustificável.

A Paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade, seu caminho é trabalhoso, cotidiano e portador de esperança, onde os povos são construtores de sua própria vida e de sua própria história. A Paz não é dada de presente, ela se constrói e isso é o que te falta meu caro, coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade.

Não podes viver no labirinto do medo e da dominação daqueles que governam os EUA, desconhecendo os tratados internacionais, os pactos e protocolos, de governos que assinam, mas não ratificam nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas pretendem falar em nome da liberdade e do direito. Como pode falar de Paz se não quer assumir nenhum compromisso, a não ser com os interesses de teu país?

Como pode falar da liberdade quanto tem na prisão pessoas inocentes em Guantánamo, nos EUA e nas prisões do Iraque, como a de Abu Graib e do Afeganistão?

Como pode falar de direitos humanos e da dignidade dos povos quando viola ambos permanentemente e bloqueia quem não compartilha tua ideologia, obrigando-o a suportar teus abusos?

Como pode enviar forças militares ao Haiti, depois do terremoto devastador, e não ajuda humanitária a esse povo sofrido?

Como pode falar de liberdade quando massacra povos no Oriente Médio e propaga guerras e tortura, em conflitos intermináveis que sangram palestinos e israelenses?

Barack, olha para cima de teu labirinto e poderá encontrar a estrela para te guiar, ainda que saiba que nunca poderá alcançá-la, como bem diz Eduardo Galeano. Busca a coerência entre o que diz e faz, essa é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida.

O Nobel da Paz é um instrumento ao serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal.

Te desejo muita força e esperança e esperamos que tenha a coragem de corrigir o caminho e encontrar a sabedoria da Paz.

Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz 1980.
Buenos Aires, 5 de maio de 2011

O panorama visto de Harvard

Por Celso Amorim

extraído do site da Carta Capital
7 de maio de 2011 às 10:01h

Da ampla janela do escritório/mansarda que me foi atribuído na Harvard Kennedy School enxergo o topo de outros edifícios que fazem parte do complexo da universidade. A forma abobadada e o colorido dos campanários fazem lembrar cúpulas que se veem em outras paragens, meridionais ou mesmo orientais (Maetternich dizia que o Oriente começava na Rnnweg, na saída de Viena).

Tudo isso dá um ar pacífico e multicultural à paisagem, conducente à reflexão e ao debate. É verdade que esta -atmosfera leve não se reflete sempre nos temas dos debates, em geral concentrados em situações nada tranquilas, como as duas guerras em que este país está envolvido e em outros conflitos potenciais. A Líbia, embora muito presente no noticiário, surge menos nas discussões, possivelmente em razão do seu baixo valor estratégico, apesar da tragédia humanitária que a intervenção da Otan não diminuiu em nada, como bem assinalou o ministro Antonio Patriota.

Há neste país uma não disfarçada perplexidade com as mudanças imprevistas em operação no mundo, em especial no Oriente Médio. A estratégia dos EUA para essa região há anos está baseada em conceitos, como o de “árabe moderado” (por oposição a árabe fundamentalista ou radical, supõe-se), que hoje já não têm sustentação na realidade. Na verdade, nunca tiveram. O que significa ser um árabe moderado? Ou ser um árabe radical? A derrubada de Hosni Mubarak pela revolução popular tornou o paradigma de “líder árabe moderado”, que ele mais que ninguém encarnava, definitivamente obsoleto. A mudança no Egito, como assinalei desde o início – em que pese a brutalidade de outras situações, inclusive em tradicionais aliados dos EUA, como o Bahrein e o Iêmen –, é o fato de maior impacto geopolítico na questão que é chave para todas as outras: o conflito -Israel-Palestina.

O acontecimento de maior relevo dos últimos dias, por suas implicações de médio e longo prazo, é o acordo entre as lideranças do Fatah e do Hamas. A reconciliação entre as duas facções antagônicas, resultado direto das outras mudanças na região, principalmente no Egito, mas, de forma paradoxal, também na Síria, é a única via para se chegar a uma paz duradoura entre árabes e israelenses. Claro, isso exigirá uma evolução por parte do Hamas, que terá de aceitar a existência do Estado de Israel, um fato da história que nenhuma ideologia pode pretender apagar. Já o governo israelense tem de compreender – e, quanto mais rápido o fizer melhor para todos, sobretudo para Israel – que um acordo que venha abarcar todos os segmentos representativos da população palestina terá muito mais possibilidade de ser um acordo durável. Isso era verdade antes das atuais mudanças. A expectativa de que Tel-Aviv pudesse chegar a um entendimento com a Autoridade Palestina, que somente controlava, ainda assim parcialmente, uma parte do território, que depois fosse imposto à outra facção (expectativa, diga-se de passagem, também nutrida pelos negociadores da Autoridade Palestina), sempre foi, a meu ver, ilusória.

Hoje, com um governo egípcio onde a opinião popular – inclusive aquela, muito ponderável, da Irmandade Muçulmana – terá em qualquer circunstância mais influência, em que a ilusão torna-se mera fantasia. Goste-se ou não, é essa a realidade que terá de ser enfrentada, não só por Israel, mas por qualquer potência que pretenda ter influência na região. E que ninguém se iluda, neste particular, com a situação na Síria. Todos (ou ao menos todos aqueles que se consideram democratas e progressistas, no Brasil e alhures) desejamos um desfecho que ponha fim à brutal repressão que Bashar al-Assad desencadeou (contrariando expectativas de muitos que, inclusive no Ocidente, viam nele um líder modernizador e aberto ao diá-logo que lutava para se libertar do aparato herdado do pai).

Mas um governo mais democrático em Damasco não significará necessariamente um governo mais fácil de lidar do ponto de vista de Washington e de Tel-Aviv, ao menos de acordo com a estratégia seguida até aqui. A maior repressão empreendida pelo pai de Bashar foi contra a Irmandade Muçulmana. Diferentemente dos filmes de mocinho e bandido, que parecem constituir a lente pela qual uma parte da opinião pública e, infelizmente, dos próprios tomadores de decisão, vê o mundo, a realidade é mais complexa.

Por falar nisso, passou despercebida, creio, da nossa mídia uma interessantíssima análise do ex-presidente sul-africano Thabo M’Beki sobre o ocorrido na Costa do Marfim. Para o ex-mandatário, mediador do conflito, antes dos trágicos episódios que culminaram com o bombardeio por helicópteros franceses – devidamente autorizados pela ONU, ao que parece – à residência presidencial, a história é bem diferente daquela contada pela mídia ocidental. Segundo M’Beki, os grandes perdedores teriam sido a ONU e a União Africana. Os ganhadores, naturalmente, os defensores de interesses coloniais e neocoloniais. Vale conferir.

NR: A coluna de Amorim foi escrita no sábado 30, antes da morte de Bin Laden. O fato não altera, porém, o teor das análises.

Celso Amorim

Celso Amorim é ex-ministro das Relações Exteriores do governo Lula. Formado em 1965 pelo Instituto Rio Branco, fez pós-graduação em Relações Internacionais na Academia Diplomática de Viena, em 1967. Entre inúmeros outros cargos públicos, Amorim foi ministro das Relações Exteriores no governo Itamar Franco entre 1993 e 1995. Depois, no governo Fernando Henrique, assumiu a Chefia da Missão Permanente do Brasil nas Nações Unidas e em seguida foi o chefe da missão brasileira na Organização Mundial do Comércio. Em 2001, foi embaixador em Londres.

Frases da Carta Maior (2):

AS DUAS MORTES DE OBAMA:
BIN LADEN E A ESPERANÇA

(Carta Maior; Domingo, 08/05/ 2011)

Duas mortes rondam o futuro político de Barack Obama. Seu índice de aprovação subiu mais de 10 pontos após a execução de Bin Laden, graças a uma informação obtida sob tortura em Guantánamo, o campo de concentração republicano legitimado desse modo pelo democrata que prometera extinguí-lo.

Na base da sociedade a execução não mudou a crise econômica e social que se mantém inalterada como o eletrocardiograma de um morto, o que acelera a morte da esperança no Presidente. Um em cada oito cidadãos norte-americanos depende hoje de ajuda estatal para se alimentar. As famílias permanecem cada vez mais tempo em centros de recolhimento. O desemprego médio subiu de 8,8% para 9% na semana passada.

Esse é o número oficial, mas Paul Krugman adiciona a ele o desemprego de curto prazo e chega a 14%. Se mensurado por etnias vai a mais de 22% entre hispanos e asiáticos; passa de 30% entre os negros. Negros e latinos representam 40% da população encarcerada. "Apesar de nossa economia não ter sido notícia essa semana, não há um dia em que eu não esteja focado nos seus empregos, nos seus sonhos e esperanças", disse Obama no sábado. Soou como réquiem.

Dario Alok:
De fato, parecia um mendigo implorando por migalhas eleitorais. Sempre penso no perigo que é ter um presidente fraco como Obama na frente de uma máquina tão poderosa como os USA.

sábado, 7 de maio de 2011

O assassinato de Osama Bin Laden - texto de Fidel Castro, sempre genial.

Segue texto do herói latino americano Fidel Castro, publicado originalmente no site da Adital e extraído do sempre enriquecedor Blog do Miro



Fidel Castro Ruz
1o. Presidente do Conselho de Estado da República de Cuba

Os que se encarregam desses temas sabem que, em 11 de setembro de 2001, nosso povo ficou solidário com o dos Estados Unidos e ofereceu a modesta cooperação que no campo da saúde podíamos oferecer às vítimas do brutal atentado às Torres Gêmeas de Nova Iorque.

Também oferecemos de imediato as pistas aéreas do nosso país para os aviões norte-americanos que não tivessem onde aterrar, por causa do caos reinante nas primeiras horas após aquele golpe.

É conhecida a posição histórica da Revolução Cubana que sempre se opôs às ações que colocassem em perigo a vida de civis.

Partidários decididos da luta armada contra a tirania de Batista; éramos, no entanto, opostos por princípios a todo ato terrorista que ocasionasse a morte de pessoas inocentes. Tal conduta, mantida ao longo de mais de meio século, outorga-nos o direito de expressar um ponto de vista sobre o delicado tema.

Em um ato público maciço realizado na Cidade Esportiva expressei naquele dia a convicção de que o terrorismo internacional jamais seria resolvido mediante a violência e a guerra.

Na verdade, ele foi durante anos amigo dos Estados Unidos que o treinou militarmente, e foi adversário da URSS e do socialismo, mas quaisquer que fossem os atos atribuídos a Bin Laden, o assassinato de um ser humano desarmado e rodeado de familiares constitui um fato aborrecível. Aparentemente foi isso o que fez o governo da nação mais poderosa que jamais existiu.

O discurso elaborado com esmero por Obama para anunciar a morte de Bin Laden afirma: "…sabemos que as piores imagens são aquelas que foram invisíveis para o mundo. O assento vazio na mesa. As crianças que foram forçadas a crescerem sem sua mãe ou seu pai. Os pais que nunca voltarão a sentir o abraço de um filho. Cerca de 3 000 cidadãos marcharam longe de nós, deixando um enorme buraco em nossos corações”.

Esse parágrafo encerra uma dramática verdade, mas não pode impedir que as pessoas honestas se lembrem das guerras injustas desatadas pelos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, das centenas de milhares de crianças que foram obrigadas a crescerem sem sua mãe ou seu pai, e aos pais que nunca voltariam a sentir o abraço de um filho.

Milhões de cidadãos marcharam longe de seus povos no Iraque, no Afeganistão, no Vietnã, Laos, no Camboja, Cuba e noutros muitos países do mundo.

Da mente de centenas de milhões de pessoas também não se apagaram as horríveis imagens de seres humanos que em Guantánamo, território ocupado de Cuba, desfilam silenciosamente submetidos durante meses e inclusive anos a insofríveis e enlouquecedoras torturas; são pessoas seqüestradas e transportadas a cárceres secretos com a cumplicidade hipócrita de sociedades supostamente civilizadas.

Obama não tem forma de ocultar que Osama foi executado na presença dos seus filos e esposas, agora em poder das autoridades do Paquistão, um país muçulmano de quase 200 milhões de habitantes, cujas leis têm sido violadas, sua dignidade nacional ofendida, e suas tradições religiosas ultrajadas.

Como impedirá agora que as mulheres e os filos da pessoa executada sem Lei nem julgamento expliquem o acontecido, e as imagens sejam transmitidas ao mundo?

Em 28 de janeiro de 2002, o jornalista da CBS Dan Rather, difundiu por essa emissora de televisão que a 10 de setembro de 2001, um dia antes dos atentados ao World Trade Center e ao Pentágono, Osama Bin Laden foi submetido a uma diálise do rim em um hospital militar do Paquistão. Não estava em condições de ocultar-se e proteger-se em profundas cavernas.

Assassiná-lo e enviá-lo às profundezas do mar demonstra temor e insegurança, tornam-no em uma personagem muito mais perigosa.

A própria opinião pública dos Estados Unidos, após a euforia inicial, terminará criticando os métodos que, em vez de proteger os cidadãos, terminam multiplicando os sentimentos de ódio e vingança contra eles.

4 de maio de 2011
20h34.