sábado, 9 de janeiro de 2016

As duas moedas da Grécia

7/1/2016, Yanis Varoufakis, Project Syndicate




Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



ATENAS – Imagine um depositante no Arizona, EUA, que só seja autorizado a sacar pequenas quantias de dinheiro semanalmente e enfrente restrições ao montante de dinheiro que pode transferir para uma conta bancária na Califórnia. Esses controles de capital, se algum dia se implantarem, serão sinal do fim do dólar como moeda única, porque essas limitações são absolutamente incompatíveis com qualquer tipo de união monetária.


A Grécia hoje (e Chipre, antes) oferece caso de estudo de como controles sobre o capital bifurcam rapidamente uma moeda e distorcem incentivos que haja para a atividade econômica. O processo é direto. Depois que os depósitos em euros são aprisionados dentro de um sistema bancário nacional, a moeda essencialmente racha em duas: euros bancários, EB (ing. bank eurosBE) e euros-papel ou euros livres, EL (ing. free euros, FE). E de repente emerge uma taxa informal de câmbio entre as duas moedas.

Considere um depositante grego desejoso de converter uma grande soma de EBs em ELs (para, digamos, pagar despesas médicas no exterior, ou pagar dívida de uma empresa a entidade não grega). Assumindo-se que esses depositantes encontrem detentores de ELs que desejem comprar EBs, emerge substancial taxa de câmbio, variando conforme o tamanho da transação, a impaciência relativa do detentor de EBs e a duração estimada dos controles de capitais.

Dia 18/8/2015, poucas semanas antes de desligar da tomada os bancos gregos (tornando assim inevitáveis os controles de capital), o Banco Central Europeu e seu braço grego, o Banco da Grécia, formalizaram realmente um regime de moeda dupla. Decreto governamental declarou que "É proibido transferir pagamento adiantado, parcial ou total de empréstimo em instituição de crédito, excluindo-se repagamento em dinheiro ou recebimento de transferência do exterior."

As autoridades da eurozona portanto permitiram que bancos gregos neguem aos próprios clientes o direito de pagar empréstimos ou hipotecas em EB, inflando assim a taxa de câmbio efetiva. E, ao continuar a permitir que pagamentos de impostos atrasados fossem feitos em EBs, ao mesmo tempo que prescreviam os ELs como moeda separada e mais forte cuja única serventia é quitar dívidas comerciais bancárias, as autoridades europeias reconhecem que há agora na Grécia dois euros.

O efeito real do regime de duas moedas sobre a economia e a sociedade gregas pode ser percebido na perniciosa interação entre controles de capitais e as 'reformas' (aumento de impostos, reduções de pensões e outras medidas para contrair a economia) que as autoridades da eurozona impõem à Grécia. Considere o seguinte interessante exemplo.

As empresas gregas distribuem-se em duas categorias. Numa, estão muitas empresas pequenas asfixiadas sob as exigências da Coletoria de Impostos que querem receber impostos adiantados, e imediatamente, 100% dos impostos correspondentes ao ano seguinte (a serem estimados pela Coletoria de Impostos). O outro grupo reúne empresas com capital aberto, cujos resultados reprimidos ameaçam o valor já comprimido das ações e sua posição junto a bancos, fornecedores e consumidores potenciais (todos relutantes a assinar contratos de longo prazo com empresas cujo desempenho esteja abaixo do normal previsto).

A coexistência numa mesma economia em depressão, desses dois tipos de empresas faz surgir oportunidades inesperadas de negócios os mais sombrios, sem os quais incontáveis empresas e negócios podem vir a fechar as portas para sempre. Uma prática já disseminada envolve duas dessas empresas, digamos "Micro" (pequena empresa familiar que terá de fazer pagamento gigante, adiantado, de impostos) e "Macro" (Cia. Ltda., e empresa de capital aberto, com ações em bolsa, que precisa comprovar giro maior do que o que tem).

"Macro" concorda com emitir faturas pela venda (não existente) de bens ou serviços prestados a "Micro", no valor de, digamos, €20 mil ($22 mil). Micro aceita pagar €24.600 a uma conta bancária de Macro (o preço, mas 23% do imposto por valor agregado), sob a promessa de que Macro reembolsará os €20 mil euros a Micro. Assim, ao custo de €4.600, Micro reduz a própria renda tributável em €24.600; e Macro aumenta o próprio giro em €20 mil. 

Porém, por causa dos controles de capitais, Macro não pode reembolsar Micro em EL, nem pode transferir €20 mil para a conta de Micro em EB (porque se transferir as autoridades descobrirão a negociata). Assim então, para poder fazer o negócio, Micro e Macro procuram alguém bem provido de moeda. Pode ser um proprietário de posto de gasolina, que sempre tem moeda em caixa ao final do expediente e o qual, por razões de segurança e para pagar os fornecedores, é obrigado a depositar o seu dinheiro-moeda diariamente no banco, o que significa converter valiosos ELs em menos valiosos EBs. O negócio interessante para os dois lados completa-se quando Macro transfere €20 mil em EBs para o proprietário do posto de gasolina, o qual então dá uma soma menor de ELs (dinheiro moeda) ao proprietário da Micro, e embolsa a diferença.

O fato de esse negócio informal beneficiar todos os envolvidos expõe a terrível ineficiência da atual política fiscal (a saber, de impostos empresariais punitivos) e o quanto os controles de capitais ampliam aquela ineficiência. O estado recolhe mais impostos de Micro (e menos impostos corporativos os quais, de qualquer modo, Micro não pode pagar); Macro obtém as vantagens de giro aparentemente mais alto; e o proprietário do posto de gasolina reduz as próprias perdas, ao converter ELs em EBs. 

O verso dessa medalha é que a atividade econômica está inflada e, mais importante, que toda e qualquer reforma torna-se mais difícil, porque os empresários internalizam a necessidade de encontrar novos meios, mais criativos, para burlar as leis.

O único objetivo do controle de capitais imposto à Grécia no verão passado foi forçar o rebelde governo do país a capitular ante as políticas fracassadas da eurozona. Mas um efeito colateral não buscado foi a formalização de duas moedas paralelas (denominadas em euros). Combinadas com a taxação punitiva causada pela recusa, da Europa, de reconhecer que a dívida pública grega não é sustentável, o regime de moeda dupla produz incentivos não previstos com transações informais, em país que precisa desesperadamente derrotar a informalidade.

A realidade das duas moedas da Grécia é a mais dramática demonstração, até hoje, da fragmentação da 'união' monetária da Europa. Na comparação, o estado do Arizona nunca esteve tão bem, obrigado ****

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