sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

EUA e as estruturas de poder ocidental

10.01.2016 - Scott’s rant - Por Scott no Blog do The Saker

Traduzido por Ruben Bauer Naveira



A estrutura de poder dos Estados Unidos: pague tudo o que tiver ou morra
A mídia ocidental refere-se no automático à Rússia como tendo uma “estrutura vertical de poder”. Essa é uma das afirmações de mentirinha que foi construída para levar as pessoas a se sentirem desconfortáveis em relação à Rússia. Eu imagino a estrutura de poder na Rússia como sendo mais parecida com uma árvore, com suas raízes, galhos e folhas.
Eu fui pesquisar a respeito de como os especialistas ocidentais veem as estruturas de poder do próprio Ocidente. Para minha surpresa, eu não consegui encontrar absolutamente nada. Malcolm X disse que havia uma revolução em curso contra a estrutura de poder norte-americana. Tem um sujeito no Banco Mundial que advoga que a estrutura de poder ocidental colapsou. Mas ninguém diz como essa estrutura aparenta ser. Seria algo vertical, horizontal, piramidal, espiral?

Eu penso que compreender o que é a estrutura de poder do Ocidente (Estados Unidos, União Europeia) seja vital para os países não-ocidentais, de modo a que possam confrontá-la com chances de sucesso.
Aqueles dentre vocês, prezados leitores, que têm o segundo grau, devem estar familiarizados com a Tabela Periódica dos Elementos: um diagrama robusto que mostra que nada na natureza é por acaso. Eu tive um tremendo insight logo que entrei no segundo grau ao examinar a Tabela Periódica, porque ela foi para mim a mais importante e irrefutável prova da existência de Deus. Porque debaixo dela não há lugar para aleatoriedade nem caos, mas tão somente para lógica e estrutura. Desnecessário dizer que eu adoro diagramas.
Aqueles dentre vocês que estão familiarizados com a tabela periódica, a menos que tenham se formado em alguma escola da Rússia provavelmente nunca ouviram falar de Dmitry Mendeleev, que foi quem criou a tabela. Ela lhe veio num sonho.
Nunca me veio nada de aproveitável nos meus sonhos, mas, recentemente, me veio algo que chegou perto de uma revelação.
Um chavão da mídia ocidental é descrever a estrutura de poder do Estado russo como “vertical”. Como com qualquer outro chavão, essa noção nunca é desafiada ou sequer questionada.
Por outro lado, eu nunca pude encontrar uma descrição geométrica da estrutura de poder norte-americana, à exceção dos três ramos de governo, que, é claro, não são a estrutura de poder de fato do Estado norte-americano. Longe disso.
Eu estive conversando com alguém que buscava nas artes o seu meio de vida, e lhe sugeri que conseguisse um emprego, remunerado ou não, em alguma organização sem fins lucrativos ligada às artes. “Você precisa passar para dentro dessa bolha”, eu disse. “Eles circulam fundos dentro dessas bolhas e você precisa estar lá dentro para poder pegar um pedaço”. E foi assim que eu desvendei a estrutura de poder norte-americana.
A estrutura de poder norte-americana é como espuma líquida, ela tem uma estrutura espumosa. Ela consiste de um enorme número de bolhas, grandes e pequenas, que compõem estruturas borbulhantes auto-multiplicadoras. Todas as bolhas possuem um mesmo objetivo, que é absorver o máximo de dinheiro possível. Quanto maior for a bolha, maior o seu poder de sucção, e mais dinheiro ela absorve. As maiores bolhas conhecidas são o Federal Reserve, o orçamento do governo federal norte-americano, e o orçamento da OTAN. Existem múltiplas bolhas nos think tanks, universidades, veículos da mídia, ONGs e por aí vai.
Essas bolhas são organismos semi-vivos: elas se multiplicam por divisão. As bolhas são aderentes: elas grudam em qualquer coisa que tenha valor e sugam esse valor do objeto valioso para dentro delas. As bolhas são semi-inteligentes: quando a fonte de dinheiro se esgota, essas bolhas são capazes de desacoplar e deslocar-se para pastagens mais viçosas, ao invés de secar e desaparecer. As bolhas do poderio ocidental são também corrosivas e venenosas, elas simultaneamente exaurem valor e destroem seus objetos, sejam eles florestas, segmentos da economia, empresas, nações, culturas ou continentes inteiros. Elas usam sua toxicidade para corroer e destruir outras estruturas de poder, outras culturas, outros sistemas financeiros. A toxicidade assume o formato de propaganda e desinformação para degradar, desmerecer e enfraquecer os objetos de sua agressão e tornar assim inúteis as suas defesas. Tal como aranhas que injetam veneno na corrente sanguínea de suas vítimas, levando seus sistemas internos ao colapso.
Para que a espuma venha a crescer, o que se faz é agitar, sacudir e desestabilizar. Tente produzir bolhas dentro da sua banheira, e você entenderá o que eu quero dizer. Quando um general norte-americano diz que “a Rússia é uma ameaça existencial à nossa existência”, ele literalmente se refere à existência da bolha que ele está alimentando. A Rússia quer reduzir a desestabilização do mundo, enquanto que o Ocidente precisa de mais e mais desestabilização, para balançar e derrubar dinheiro dessa árvore (ou bolha) de dinheiro.
Como obscuros burocratas norte-americanos fomentam guerras
Dado o enorme poder dos Estados Unidos, mesmo oficiais relativamente secundários e desconhecidos podem causar – e causam – enormes danos, caos e guerra.
Apenas leia o que esses dois [N. do T.: o autor faz uso de termo ofensivo] têm a dizer:
Na era nuclear, proteger a pátria de um contra-ataque ilimitado é mais do que meramente evitar uma invasão. Prevenir uma escalada nuclear significa manter o âmbito e a duração das operações de combate suficientemente baixos – logo, suficientemente não-provocativos – de modo a que Pequim não venha a aprovar o uso de armas apocalípticas para seguir seu curso. Assim, é importante para Washington limitar os seus esforços, por meio do tipo e do volume de força alocados, mantendo-se abaixo  do limiar nuclear. O objetivo dos estrategistas norte-americanos deve ser o de conceber operações que insiram forças “dispensáveis” (...) para apoiar aliados, enquanto tornam a vida difícil para o Exército Popular de Libertação da China” (Guerra Assimétrica ao Estilo Americano, Toshi Yoshihara e James R. Holmes, Instituto Naval dos Estados Unidos).
São permanentes as classificações “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”?
Ao longo dos anos eu jamais pude achar uma resposta clara e racional do porquê alguns países serem classificados como “desenvolvidos” e do porquê todos os demais países sobre a face da Terra, inclusive a China (a maior economia do mundo) e a Rússia (o maior país do mundo), serem classificados como “em desenvolvimento”. Por que essas classificações são permanentes? Por que nunca nenhum novo membro é admitido no clube dos países “desenvolvidos”?

O acumulado desse “hot money” evadido de países em desenvolvimento totaliza 7,8 trilhões de dólares entre 2004 e 2013. Numa base anual, isso supera a marca de US$ 1 trilhão nos últimos três anos de dados disponíveis, o que daria de bom tamanho uma taxa de crescimento de 6,5% ao ano.
Os países desenvolvidos são os receptores permanentes desse “hot money” oriundo dos países em desenvolvimento.
Os países em desenvolvimento são os doadores permanentes desse capital.
Essencialmente, os países “em desenvolvimento” são assim chamados porque eles estão “desenvolvendo” os países ricos do Ocidente que – não por coincidência – acontece de serem os membros da OTAN. E os países “desenvolvidos” são assim chamados porque eles estão sendo “desenvolvidos” pelos países em desenvolvimento. A OTAN é o braço armado do sistema financeiro dos países desenvolvidos que intimida militarmente e pressiona os países não-membros para que paguem resgate aos países “desenvolvidos”.
No artigo do Zero Hedge (link acima), a estimativa daquilo que os países não-OTAN estão pagando aos países da OTAN é de cerca de 6,5% dos seus Produtos Internos Brutos. No caso da Rússia, que vem pagando mais de US$ 1 trilhão ao Ocidente por mais de dez anos, o país renuncia a 6,5% do seu PIB. Isso significa que, quando as agências de classificação de risco estimam o crescimento do PIB russo em 2%, ele na verdade estaria em 8%; para 2015 elas dizem que a variação do PIB russo será de -2%, quando na realidade ela estaria em torno de 4%.
O mesmo pode ser dito dos países latino-americanos, dos países africanos e da China.
Eu considero esse diagrama como sendo um dos mais importantes quando se trata de compreender as dinâmicas econômicas e militares do mundo (o outro diagrama é o diagrama dos petrodólares).
As bolhas da estrutura de poder do Ocidente podem ser gigantescas, como os complexos militar e educacional bem como os fundos de pensão, ou podem ser mínimas como um trollador sentado em algum vilarejo ucraniano tuitando posts de ódio à Rússia e sendo pago para isso por uma daquelas bolhas-ONGs, que por sua vez estão acopladas a algum gasoduto que atravessa a Ucrânia para poder abocanhar uma fatia da revenda dos desvios do gás proveniente da Rússia. Se o gás russo passar a fluir pelo gasoduto Nord Stream 2, essas bolhas-ONGs vão minguar.  Logicamente, elas pagam pouco a muitos trolladores no propósito de evitar que a Gasprom redirecione o gás para fora da Ucrânia.
Um relato encantador dessas batalhas envolvendo o gás russo, o dinheiro russo e a Ucrânia foi recentemente escrito por Mark Nesop, em The Kremlin Stooge (algo como “o fantoche do Kremlin”). Você simplesmente não pode deixar de ler.
Existem muitas bolhas maiores, que controlam não apenas segmentos da economia mas regiões do mundo, como o complexo militar norte-americano. Elas projetam o seu poder através de uma tremenda quantidade de outras bolhas espalhadas por todo o mundo, como a bolha da OTAN, a bolha do Estado Islâmico, e as várias bolhas-think tanks, como o Instituto Brookings. Os think tanks e o complexo militar mantêm relações simbióticas: eles absorvem fundos provenientes de outros países ao debilitar as suas vítimas por meio de uma interminável guerra de desinformação.
Por exemplo, em 4 de dezembro de 2015 o Saban Forum 2015 do Instituto Brookings realizou uma palestra com Moshe Ya’alon, Ministro da Defesa de Israel, intitulada “Israel e os Estados Unidos: Ontem, hoje e amanhã”.
O Ministro da Defesa israelense Moshe Ya’alon queixou-se que Obama agora abandonou o Oriente Médio à Rússia: “Lamentavelmente, no momento atual, a Rússia vem desempenhando um papel mais significativo do que os Estados Unidos”. Ele disse que “a Rússia cedeu demais ao Irã e a Bashar al-Assad”.
A inesperada intervenção de Putin na Síria “gerou uma situação de emergência para nós”: (1) ele está salvando Assad e (2) enfraquecendo o Estado Islâmico, logo (3) tornando impossível retalhar a Síria tal como planejado; e, o pior de tudo, (4) ele entregou à Teerã o sistema S-300 [N. do T.: de mísseis terra-ar para defesa antiaérea], que estará “operacional dentro de um par de semanas”.
Notícias muito ruins para a segurança de Israel porque, Ya’alon insiste, o Irã é muito mais perigoso do que o Estado Islâmico. Entretanto, nem tudo estaria perdido, haveria ainda uma janela de oportunidade, mas se teria de correr para pô-la em prática: os Estados Unidos precisariam orquestrar “uma coalizão pragmática com os estados do Golfo” – um eixo sunita para contrapor-se a esse eixo xiita bancado pela Rússia.
Seria essa a oportunidade a agarrar, diz Ya’alon. Mas rapidez é a essência da coisa, porque os aliados estão sendo arrebanhados por Putin: “Nós não gostamos do fato de que o Rei Abdullah da Jordânia está indo a Moscou, os egípcios estão indo a Moscou, os sauditas estão indo a Moscou. Deveria estar sendo muito diferente disso. E nós pensamos que os Estados Unidos não podem sentar-se em cima do muro” (página 9 da transcrição).
Se você visitar o site do Saban Forum, você poderá notar, no canto superior direito, Hillary em uma das palestras principais. Ela é uma bolha, acoplada a uma bolha muito maior que é o orçamento do governo federal norte-americano. Ela e seu marido são também os proprietários de um think tank politico sem fins lucrativos que, ele próprio, acopla-se ao governo, aos orçamentos, aos militares e a corporações como a Cisco, canalizando dinheiro para a organização dos Clintons.
Além disso, não esqueça que o dinheiro do Ocidente, o dólar e o euro, são as bolhas eletronicamente emitidas.
Para que possam extrair recursos dos países “em desenvolvimento” sem serem recriminados, o Ocidente constituiu uma imagem de superioridade sobre essas nações menores, cuja única razão de existir é trabalhar para suprir os “excepcionais”.
Como o mito da excepcionalidade norte-americana é perpetuado
Uma simples ilustração: um artigo sobre a aviação militar russa com uma imagem do bombardeiro de longo alcance russo TU-160.
Nos comentários nós encontramos uma ressalva de um norte-americano sobre o bombardeiro russo: “Bonita imitação barata do B-1 Lancer”.
O fato é que o projeto do TU-160 foi concebido em 1972-3. O TU-160 é ainda significativamente maior que o B-1, e possui performances muito melhores também. O B-1 foi concebido em 1973-4. Fica claro que os planos para o projeto norte-americano foram roubados da URSS, e não o contrário.
N. do T.: foi traduzido cerca de um terço do artigo, que deste ponto em diante atém-se cada vez mais a questões geopolíticas a partir da perspectiva russa.
*****
Comentário do tradutor:
A metáfora que o autor do texto apresenta, da espuma líquida de bolhas para a compreensão da estrutura de poder do Ocidente, é sagaz e bastante elucidativa.
Cada instância que seja detentora de algum poder pode ser vista como uma bolha, que é autônoma na busca dos seus objetivos. Ainda que cada uma das bolhas possa ter objetivos peculiares, todas elas perseguem um objetivo-padrão: acumular e concentrar mais riqueza e poder.
Na linguagem da Teoria dos Sistemas, as bolhas seriam as partes do todo (as partes do sistema), enquanto que a espuma (o Ocidente) seria o todo (o sistema). Em qualquer sistema, o todo e suas partes componentes são interdependentes. Por exemplo, um organismo vivo depende, para funcionar bem, do bom funcionamento das células que o compõem, ao mesmo tempo que as células dependem do organismo (quando o organismo morre todas as células morrem em seguida).
O Ocidente encontra-se numa escalada de confrontação com Rússia e China, tanto em termos militares (da parte da Rússia, tome-se por exemplo as intervenções na Ucrânia e na Síria; já a China vem construindo ilhas artificiais em águas disputadas, para a instalação de bases militares) quanto em termos econômicos (Rússia e China aliaram-se para o estabelecimento de uma ordem econômica “paralela” no mundo, fora do dólar, o que arrisca fazer colapsar a economia dos Estados Unidos e, consequentemente, de todo o Ocidente ).
Obviamente, Rússia e China não podem ser enfrentados militarmente de forma direta, porque são potências nucleares.
É claro que existiria o caminho da negociação para a composição de acordos em termos aceitáveis para todas as partes. Seria necessário em primeiro lugar concordar com uma multipolaridade para o mundo, para que então Ocidente e Oriente viessem a conceber e estabelecer juntos uma nova ordem mundial, em todas as suas dimensões: econômica, política, de segurança (militar) etc.
Acontece que negociar e estabelecer acordos significa ceder, abrir mão – enquanto que a natureza das bolhas é acumular, concentrar. Ceder, partilhar, renunciar não fazem parte do vocabulário das bolhas, são contrários à natureza delas.
Em outras palavras, essas bolhas (agentes políticos, como os governos americano e europeus; agentes econômicos, como os bancos e os investidores; agentes militares, como os fabricantes de armamentos, o Pentágono e a OTAN) conseguem atuar de forma coordenada levando a um comportamento coerente para o todo (uma expansão da espuma) desde que todas elas estejam realizando os seus propósitos de acumular e concentrar poder e riqueza. Mas, se a espuma tiver que se retrair (nem que seja para sua própria sobrevivência...), a índole individualista e competitiva das bolhas levaria a um comportamento descoordenado, logo caótico, ao nível do todo. A natureza fala mais alto, como na fábula do escorpião que pica a rã no meio da travessia do rio. Não haverá saída negociada. O conjunto das bolhas é como um carro em velocidade cujo motorista acelera mas não sabe frear.
A tática que até aqui tem sido empregada é a de inviabilizar a Rússia economicamente (não por outro motivo os preços do petróleo foram jogados no chão), na expectativa que isso leve à queda do governo de Vladimir Putin e à ascensão de um governo mais “amigo” do Ocidente. É uma tática de confronto – que, afinal, é a única que as bolhas conhecem (quanto aos russos, já ficou claro que não se deixarão intimidar).
Dizem os caçadores russos, “se for atirar num urso mate-o, porque se feri-lo é ele quem pode matar você”. Pois o Ocidente vem, ano após ano, buscando ferir um urso nuclear, na expectativa de que acabe morrendo. Como não será possível uma saída negociada, parece inevitável que alguém acabará morrendo. Só nos resta torcer para que não sejamos todos.

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