EUA (claro) são contra...
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
No momento, as linhas marítimas de comunicação da China são vulneráveis em pontos críticos que a Marinha dos EUA controla. Daí os esforços "agressivos" dos chineses para obter recursos mais perto de casa, no Mar do Sul da China.
Não passa um dia sem algum tipo de tumulto no Mar do Sul da China. Para encurtar a história: o que se disputa ali não é qualquer tipo de porta de saída.
O drama sem fim naquele caso, como me disseram diplomatas da Associação de Nações do Sudeste Asiático [ing. Association of Southeast Asian Nations, ASEAN), só tem a ver com "protocolos para gestão da escalada" [ing. "escalation-management protocols"]. Tradução: como impedir ação unilateral não prevista que possa ser interpretada como belicosa.
Parte do problema aí é que a ASEAN não pode dar sinal de que estaria administrando protocolos próprios. Na 3ª-feira passada, viu-se exemplo claro disso, depois de um encontro especial de ministros de Relações Exteriores da China e da ASEAN, em Yuxi. Primeiro, a ASEAN distribuiu um comunicado. Depois se retratou. O evento, assim como indica alguma dissensão entre as dez nações do grupo, também esvazia o mito do "isolamento" da China, no qual o Pentágono investe.
Entrementes, aproxima-se um Dia-D: a decisão, pela Corte Permanente de Arbitragem em Haia, na disputa territorial que as Filipinas levaram a julgamento em 2013. A sentença deverá sair no final de julho, início de agosto. Ainda que – como é esperado – a sentença seja contrária às demandas de Pequim, nem assim será haverá motivo para implantar uma cisão insuperável entre China e ASEAN.
Connie Rahakundini, presidenta do Instituto Indonésio de Estudos Marítimos [ing. Institute for Maritime Studies (IIMS)], resumiu muito bem o contexto da questão, para Xinhua. Há um mecanismo 'a mais' da ASEAN que já está operando – uma espécie de fórum de debates que inclui a China. E a ASEAN está também implantando um código de conduta para prevenir movimentos unilaterais.
O problema com o processo em andamento em Haia é que as Filipinas não tentaram resolver a questão bilateralmente; e diplomatas da ASEAN admitem, off the record, que seria a única solução possível.
Assim sendo, não é surpresa que Pequim tenha decidido não participar do procedimento de arbitragem e preventivamente rejeite qualquer tipo de decisão (a qual, além do mais, não é cogente), insistindo que a corte não tem jurisdição. O processo filipino tem a ver com delimitação de soberania territorial e marítima – temas que são regidos pela lei internacional geral, não pela Convenção da ONU sobre a Lei do Mar [ing. United Nations Convention on the Law of the Sea (UNCLOS)].
Trata-se de exclusivamente de posicionamento
No recente diálogo de Xangrilá, Pequim mais uma vez detalhou sua complexa estratégica no Mar do Sul da China. A major-generala Yunzhu Yao do Exército de Libertação Popular da China destacou que a liberdade de navegação para navios mercantes no Mar do Sul da China não está em questão nem será jamais contestada. E aí ela acertou exatamente no xis da questão: os EUA não são signatários da Convenção da ONU sobre a Lei do Mar [ing.UNCLOS]. Assim sendo, não têm competência para impor a nenhuma nação, asiática ou qualquer outra, a interpretação norte-americana para aquele tratado.
Comparem com o que disse Rahkundini, falando diante de toda a ASEAN:
"Na verdade os EUA nada têm a fazer no Mar do Sul da China. Principalmente porque não são signatários da Convenção da ONU para a Lei do Mar, UNCLOS. Não é absolutamente adequado que os EUA imiscuam-se na região e – ainda pior – que façam ali demonstrações de força militar. Os EUA que cuidem de ser mais inteligentes e mais justos, ao avaliar a disputa em curso no Mar do Sul da China."
Todo mundo sabe que os EUA não cuidam de nada disso. Ao contrário, o governo Obama e o Pentágono não fazem outra coisa além de se imiscuir, fazendo cena com operações de "liberdade para navegar". Por seu lado, o novo presidente filipino Rodrigo Duterte sabe perfeitamente bem que a arbitragem pode, no máximo, lhe dar melhor posição para barganhar. Mas ainda assim terá de negociar com a China. E Pequim sabe exatamente o que oferecer a Manila para dourar a pílula: investimentos chineses massivos.
Ambas as nações, China e Filipinas, bem como o Vietnã, são signatárias da Convenção da ONU para a Lei do Mar, UNCLOS. Mas Pequim, sempre assentada na história, também se pauta pelo mapa dos nove traços, com demandas de soberania que vão até a costa do Vietnã e ao longo de Borneo.[1]
Mas ainda assim, nem o mapa chinês nem o movimento na direção de estabelecer uma zona de identificação aérea de defesa significariam qualquer ameaça à livre navegação no Mar do Sul da China – item sobre o qual Washington não se cansa de insistir. Trata-se de exclusivamente de posicionamento.
Conheçam a "soberania nacional móvel"
[orig. "mobile national sovereignty"]
A lei internacional não proíbe especificamente nenhuma demanda no mar. O que a China está usando é uma estratégia bastante ousada, autodefinida como "estratégia do 'solo azul'" [orig. "blue soil" strategy]. Vietnã, Malásia e até as Filipinas já vêm há algum tempo apresentando demandas territoriais no Mar do Sul da China. A China chegou atrasada, mas a todo vapor – construindo pistas de pouso, faróis, postos de guarnição em ilhotas negligenciadas ou abandonadas nas ilhas Spratlys e nas Paracels. Mais uma vez, tudo é, como sempre é, questão de energia: recolher uma riqueza inacreditavelmente nunca explorada de 10 bilhões de barris de petróleo e 30 trilhões de metros cúbicos de gás natural.
À procura de energia, Pequim está focando parte significativa de sua estratégia sobre áreas já identificadas, por exemplo, pela [empresa estatal] PetroVietnam. E está usando arma revolucionária: a plataforma-perfuradora HYSY 981 móvel para águas profundas, que o presidente da China National Offshore Oil Corporation, CNOOC, Wang Yilin, descreve como "arma estratégica" e item da "soberania nacional móvel" da China.
O presidente Xi Jinping enfatizou já várias vezes que a China não militarizará nenhum território sobre o qual demanda soberania. Daí que a insistência do Pentágono sobre as tais operações de "liberdade para navegar" combinadas com sobrevoos de jatos da USAFsó podem ser interpretadas como provocações; e visam a militarizar tudo, cada vez maior.
O Pentágono nunca foi acusado de ser muito esperto em termos geopolíticos. Os estrategistas do Pentágono nunca veem – ou fingem que não veem – que as ações chinesas para construir nas ilhas, no longo prazo, só têm a ver com encontrar petróleo e gás suficientes para poder "escapar de Malacca", objetivo central da estratégica de Pequim para a energia. Pequim sempre preferirá ter petróleo suficiente ali, perto de casa, no Mar do Sul da China, a deixar sua frota de navios-tanques à mercê da Marinha dos EUA cruzando sem parar o Estreito de Malacca.
Ninguém sabe em que resultará, na prática, o fim do embargo de armas dos EUA contra o Vietnã. Em termos de cooperação no sudeste asiático, pode ser útil observar o que fará Cingapura – esse nodo-entroncamento de comércio/serviços, estacionado, como se fosse porta-aviões norte-americano, no Estreito de Malacca. Mas Cingapura tem feito excelente trabalho como fator equilibrador entre Washington e Pequim. E a Rússia, vale lembrar, também é oficialmente neutra em todos os assuntos do Mar do Sul da China.
China é o principal parceiro comercial da maioria das nações do sudeste e do nordeste da Ásia. O país é membro destacado da Cúpula do Leste Asiático [ing. East Asia Summit]. E está conduzindo resposta própria, com base na Ásia, ao projeto da Parceria Trans-Pacífico [ing. Trans-Pacific Partnership (TPP)], menina dos olhos do governo Obama: trata-se da Parceria Econômica Regional Ampla [ing. Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP)].
Pequim sabe que a "rede de segurança baseada em princípios" [ing. "principled security network"] proposta em Cingapura por Ash Carter, comandante pato manco do Pentágono, não tem chance alguma de algum dia ser convertida numa OTAN do sudeste asiático.
O significado real de tudo isso é que a ideia de uma China "isolada" não presta nem como piada ruim contada em reunião dos engomados do Conselho de Relações Exteriores.
E isso nos traz de volta ao que acontece depois de divulgada a decisão da arbitragem em Haia. Será 'dia seguinte' à moda asiática: Pequim e Manila novamente se sentarão e recomeçarão a negociar, tentando alcançar um acordo; e nunca sequer citarão 'decisões' de Haia. Os dois lados têm direito a saída honrosa. E a China continuará cada vez mais 'móvel' – à procura de todo aquele petróleo & gás.
E podem apostar: o Pentágono continuará a se intrometer.*****
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