sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Venezuela – A tentativa de golpe é parte de um projeto maior – Intervenção militar provavelmente falhará

31.01.2019 - Moon of Alabama



trad: btpsilveira



A administração Trump lançou um grande projeto político para reconfigurar vários países na América Latina. Manchete do Wall Street Journal:
A pressão dos Estados Unidos para derrubar o governo Maduro na Venezuela é o primeiro disparo do plano para reconfigurar a América Latina
O objetivo mais abrangente da administração Trump é ganhar vantagem contra Cuba e minimizar recentes incursões na região pela Rússia, Irã e China.

O plano inclui mudança de regime na Venezuela, Nicarágua e eventualmente até em Cuba. A remoção de qualquer interesse de russos e chineses é outra meta. Trata-se de um projeto de longo prazo com apoio bipartidário. Provavelmente necessitará de força militar. 
Alvos: Raul Castro (Cuba), Daniel Ortega (Nicarágua) e Nicolás Maduro (Venezuela).
O projeto parece ter se espelhado no plano para o “Novo Oriente Médio” da então Secretária de Estado Condoleeza Rice, lançado em 2006. O plano falhou, em grande parte devido a incompetência dos Estados Unidos, mas mesmo assim deixou vários países seriamente prejudicados.

O fato de que os Estados Unidos estão deslanchando um plano extensivo para o hemisfério ocidental poderia explicar porque Trump está pressionando para findar outros projetos militares no Oriente Médio e no Afeganistão.
A tentativa de golpe na Venezuela, passo inicial do novo plano, já começou com problemas. O capacho escolhido pelos EUA, Juan Guaidó, tinha convocado manifestações de apoio ao seu golpe que deveriam ter acontecido ontem (30/01). Mas até o New York Times, arauto e propagandista de todas e cada uma das operações de mudança de regime que os EUA realizaram na América Latina só pode encontrar evidências mínimas de apoio:

Guaidó também fez parte dos protestos na quarta feira na Universidade Central da Venezuela em Caracas, onde foi cercado por repórteres internacionais. Vestindo um jaleco branco, marchou de braços dados com estudantes de medicina por uma estrada antes de partir na garupa de uma motocicleta.
Esta manifestação foi uma de várias na cidade na quarta feira, embora em escala menor que as recentes manifestações. Alguns trabalhadores saíram de seus locais de trabalho por algumas horas em protesto contra Maduro e seu governo, reunindo-se nas esquinas pela capital.

Vídeos da Venezuela mostraram uma multidão de algumas centenas de pessoas nos bairros nobres de Caracas. Enquanto isso, fotos de várias manifestações em favor de Maduro em diversas cidades, mostraram multidões muito maiores. Novas manifestações foram convocadas para o sábado e deverão mostrar resultados semelhantes.
Washington Post afirma que os protestos contra o governo aconteceram em duas das áreas mais pobres de Caracas. Mas a reportagem contradiz a si mesma. Começa assim:

Enquanto a campanha oposicionista contra o presidente Nicolás Maduro aumenta dramaticamente, as ruas da favela de Puerta Caracas se encheram de manifestantes contrários ao governo. Um centro cultural dirigido por gente ligada a Maduro foi incendiado. Os residentes do local, esquálidos e com fome, sentiram uma centelha de esperança. 
A noite caiu, e com ela, as ações das forças governamentais.
“Criminosos fascistas” foi como Maduro denominou os incendiários e os residentes da parte oeste de Caracas pagaram o preço. Segundo residentes, forças especiais mascaradas invadiram as vizinhanças na última semana chutando portas, antagonizando jovens e impondo um toque de recolher.

Na sequência de vinte parágrafos cheios de propaganda enganosa, finalmente é revelado que o incêndio do centro cultural na realidade aconteceu antes da tentativa de golpe e provavelmente nada tem a ver com este:

A confusão conteve na noite de 22 de janeiro, com residentes de Puerta Caracas batendo panelas e incendiando lixeiras. Por volta da meia noite, disseram os moradores, um grupo de jovens encapuzados jogaram coquetéis molotov no centro cultural.
Na manhã de quarta feira, familiares de Abel Pernia afirmaram que quando este se dirigia para uma consulta médica, oficiais armados da inteligência o agarraram, empurraram contra uma parede e algemaram...
... na última quarta feira mais protestos aconteceram em Petare e continuaram até a madrugada. Um grupo ateou fogo em barricadas, jogou pedras e atacaram um posto de controle da Guarda Nacional. Forças de segurança repeliram os atacantes com gás lacrimogêneo, enquanto os moradores cantavam: “não queremos mais raposas! Queremos que Nicolás vá embora!”
Moradores afirmaram que gangs de criminosos estavam infiltrados na multidão e arrumaram confusão ao confrontar a polícia. A resposta foi imediata.
A tentativa de golpe foi lançada em 23 de janeiro. O incêndio aconteceu em 22 de janeiro. No dia seguinte a polícia veio e prendeu pessoas envolvidas no episódio. Na sequência, aconteceram mais confusões com gangs.
A história nada tem a ver com a tentativa de golpe ou com protestos generalizados contra Maduro. É sobre uma gang de criminosos em alguns quarteirões de favela. Luta de gangs é problema de longa data em Caracas. A FAES, força especial para lidar com o problema, foi criada em 2017.
Que o Washington Post tenha que usar um incidente que nada tem a ver para proclamar que o povo pobre da Venezuela apoia a tentativa de golpe mostra que há pouca evidência relacionada às alegações de propaganda enganosa do jornal.
Está cada vez mais claro que o público venezuelano evidentemente não apoia a tentativa de golpe induzida pelo estrangeiro. Pesquisas recentes mostram que mais de 80% da população é contra sanções e outras intervenções internacionais para remover o presidente Maduro. 80% também apoiam as conversações que Maduro repetidamente ofereceu para a oposição, mas que os planejadores do golpe rejeitaram.
Que as manifestações e desobediência civil sejam capazes de remover o governo da Venezuela é muito improvável. A oposição simplesmente não tem o número necessário de pessoas a seu lado para criar mais que incômodos passageiros.
Aliás, esse não é o plano.
É óbvio que os EUA querem conflito violento. Ou o exército venezuelano terá que lançar o golpe ou a violência irromperá através do exterior.
Até agora o exército declarou que não quer saber de agir de qualquer forma contra o governo. Logo, outras medidas deverão ser tomadas. A escolha pela administração Trump de Elliot Abrams, “Secretário Assistente para Guerras Sujas” de Ronald Reagan como enviado especial aos seus fantoches no país sinaliza:

A escolha de Abrams manda para a Venezuela e o mundo uma mensagem clara: a administração Trump pretende vandalizar a Venezuela, enquanto ao mesmo tempo produzirá uma corrente de retórica maliciosa sobre o amor que os Estados Unidos têm pela democracia e direitos humanos. A combinação desses dois fatores – brutalidade e malícia – está no coração da competência de Abrams.

Um editorial pelo sujeito selecionado pelos EUA, criado pela máquina de mudança de regime dos Estados Unidos foi publicado hoje (31/01) pelo jornal The New York Times:

Para acabar com o regime Maduro com o mínimo de derramamento de sangue, precisamos do apoio de governos pro democracia

Percebeu o “mínimo de derramamento de sangue”? Alguém duvida que milhares morrerão?
Nebulosamente, Guaidó explica os fundamentos de sua pretensão à presidência:

“Gostaria de ser claro quanto à situação na Venezuela: A reeleição de Maduro em 20 de maio de 2018 foi ilegítima, como é de conhecimento de grande parte da comunidade internacional. Seus seis anos de governo originais terminaram em 10 de janeiro. Ao continuar no gabinete, Nicolás Maduro está usurpando a presidência”.
“Minha ascensão como presidente interino tem base no Art. 233 da constituição venezuelana, segundo a qual, se no início de um novo período, não há chefe de estado eleito, o poder será transferido para o presidente da Assembleia Nacional até que novas eleições, livres e transparentes aconteçam. Daí o juramento que prestei em 23 de janeiro pode ser considerado como uma ‘auto proclamação’. Não se trata de minha própria vontade, mas de cumprimento das normas da constituição.”

As eleições de maio de 2018 foram antecipadas a pedido de partidos oposicionistas, alguns dos quais, pressionados pelos EUA, não tomaram parte do pleito. Não existe evidência de fraude que possa levar dúvidas quanto ao resultado. Maduro venceu entre vários candidatos com mais de 60% dos votos. Poder-se-ia até argumentar que ele tem mais legitimidade que muitos outros políticos eleitos pelo mundo.

Não gostar do resultado das eleições não é razão válida para declará-las ilegítimas.
Se o primeiro período de governo de Maduro terminou em 10 de janeiro, por que Guaidó, como presidente da Assembleia Nacional, levou treze dias para descobrir que o segundo período de Maduro era ilegítimo? Além disso, se o Artigo 233 é usado como justificativa para usurpar temporariamente a presidência, então Guaidó tem o dever de convocar novas eleições dentro de 30 dias. Até agora ele não fez qualquer movimentação nesse sentido. Sua argumentação não está convencendo ninguém.
Guaidó continua afirmando que precisa do apoio dos militares. Mas não parece que ele tenha esse apoio:

“A transição requer apoio de contingentes militares fundamentais. Nós temos tido encontros clandestinos com membros das forças armadas e de segurança. Oferecemos anistia para todos os que não forem culpados de crimes contra a humanidade. A retirada do apoio dos militares a Maduro é crucial para permitir uma mudança no governo, e a maioria dos militares em serviço concordam que os problemas recentes do país são insustentáveis.”

Além disso ele também afirma, como o Washington Post acima, que a violência das gangs antes do golpe mostra que Maduro perdeu todo o apoio:

“Maduro não tem mais o apoio da população. Na última semana, em Caracas, cidadãos dos bairros mais pobres, que sempre foram os quartéis generais do Chavismo tomaram as ruas em protestos sem precedentes. Eles saíram novamente em 23 de janeiro mesmo sabendo que poderiam ser brutalmente reprimidos, e continuam a atender às convocações para novas manifestações”.

Guaidó termina pedindo apoio externo para sua empreitada.
Necessitamos de bilhões de dólares para construir um exército de mercenários que possa ajudar a remover o governo.
Apesar dos Estados Unidos terem congelado ativos venezuelanos, terão problemas para entrega-los a Guaidó. O principal ativo é a CITGO (refinaria, distribuidora e revendedora de petróleo, ligada à companhia venezuelana de petróleo PDVSA – NT) com suas refinarias de postos de gasolina nos Estados Unidos. Mas a CITGO tem débitos enormes. Suas refinarias dependem de petróleo pesado da Venezuela. Poderia perfeitamente entrar em processo de falência, caso em que os credores assumiriam. Ao menos 49.5% pertencem à companhia russa Rosneft. O processo legal levaria anos para acabar.
Assim, quanto dinheiro dos EUA Trump está disposto a gastar com seu plano?
A Venezuela com certeza terá problemas para se defender de um ataque militar externo. O governo Maduro não é dos mais competentes, o exército está afundado em corrupção e o dinheiro é curto. A Rússia e a China podem ajudar com alguns empréstimos adicionais, mas por outro lado dificilmente virão para ajudar de outra forma. Cuba e Nicarágua podem estar querendo mandar tropas, mas têm pouco a oferecer.
Acontece que o movimento bolivariano tem milhões de apoiadores na Venezuela. A maioria são pessoas pobres que perderão o pouco que têm sob um governo de direita. Embora o exército venezuelano seja corrupto e pouco dado a combates, grande parte da população com certeza pegará em armas para defender as benesses conquistadas durante os governos Chavez e Maduro.
Pode ser relativamente fácil invadir a Venezuela e derrotar seu exército regular. Mas a ocupação que se seguirá pode se revelar tarefa duríssima. O Pentágono sabe muito bem como funcionou no Iraque. Provavelmente alertará contra o uso de tropas dos EUA na Venezuela. Outros países também podem se tornar subitamente cautelosos sobre entrar na confusão.
A CIA e seus planejadores de golpes podem contratar milhares de cortadores de gargantas para trazer problemas imensos para a Venezuela. Mas têm pouca chance de vencer a não ser sobre um país completamente destruído.
Será este o objetivo real? Será que o projeto para o Oriente Médio América Latina o de uma destruição completa? 

2 comentários:

Anônimo disse...

Todo Apoio À Venezuela!
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Mauro Costa Assis disse...

maus auspícios. com a crise a classe dominante começou pegar tudo do orçamento para dar para os rentistas. mas, e depois? acho que a classe dominante tinha que apoiar um elaborado projeto de desenvolvimento com planejamento da economia, articulando a iniciativa pública e privada, como propunha o keynes e como a china faz. mas os interesses da classe dominante dos países capitalistas estão longe disso. então vão para cima do orçamento tirando dinheiro dos serviços públicos básicos e essenciais à população e da previdência pública, com uma mesquinharia horrenda. mas, e depois, vão tirar dinheiro de onde? até porque esse projeto vai aprofundar mais ainda a recessão, diminuir a renda dos trabalhadores e arrecadação do estado, num círculo vicioso. depois disso, ou de forma concomitante, vão promover guerras e dominar e explorar os países devastados. mas mesmo assim, é uma estratégia estúpida, inaceitável.