sexta-feira, 31 de março de 2017

Dilemas eleitorais de Putin para 2018, por MK Bhadrakumar

28/3/2017, MK Bhadrakumar, Indian Punchline




Sobre as divisões dentro do governo Putin, ver também
  • "O que Putin tem de fazer, mas não faz", 24/1/2016, Saker, trad. em Blog do Alok













onda de protestos que varreu a Rússia no domingo responde a fortes correntes subterrâneas. Claro que 7 mil, 8 mil pessoas numa manifestação em Moscou, cidade de 12 milhões de habitantes, não é grande coisa. Mas, no específico contexto da Rússia, o número de manifestantes nunca interessa muito; a simples evidência de que grupo substancial de pessoas comuns tomem as ruas para manifestar sentimentos anti-establishment, isso sim, tem de ser cuidadosamente levado em consideração.

Os protestos foram amplamente espontâneos. Ninguém 'organizou' os protestos, e as manifestações não tinham 'líderes'. O conhecido político da oposição Alexei Navalny tentou fazer dos protestos que começavam uma plataforma política, mas foi rapidamente varrido pela Polícia. O móvel do protesto foi o governo ter deixado sem resposta as exigências de um fórum público coordenado pelo pessoal de Navalny, conhecido como Fundação Anticorrupção, no sentido de que o primeiro-ministro Dmitry Medvedev fosse interrogado sobre sua fortuna privada, estimada em $1,2 bilhão. Daí que Navalny tenha começado por apresentar os manifestantes como seus 'aliados naturais'. Grande parte dos manifestantes eram jovens.

O destaque está, sem dúvida, na possibilidade crescente de que a corrupção pública venha a se tornar questão central da campanha para a eleição presidencial na Rússia que deve ocorrer em 2018. Isso posto, temos hoje como um 'ensaio geral', ou uma 'novela em andamento', Ato 1º de um drama político turbinado, em cinco atos.

A polícia prendeu centenas de manifestantes, sob a alegação fraca de que tomaram as ruas sem prévia autorização das autoridades, indispensável pela legislação vigente. É razão insuficiente, que já nasce desacreditada, porque os movimentos foram (a) espontâneos e (b) tiveram caráter manifestamente pacífico.

Assim sendo, como o governo lidará com esse tipo de evento 'novo normal' na vida pública dos russos ao longo dos próximos 12 meses, com o país andando pé ante pé rumo às eleições presidenciais?

A questão concentra-se em torno do fato de que, enquanto o presidente Vladimir Putin mantém-se imensamente popular entre o povo russo – com índices de aprovação que não baixam dos 80% já há um, dois anos – há também muito desencanto ainda no 'subsolo' social, quanto à natureza do sistema político que Putin preside. Para encurtar a história, o problema é Medvedev.

Muito ironicamente, Medvedev é identificado à ala 'liberal' da elite política russa, a qual, com toda a certeza, foi voz entusiasmada a favor de a Rússia ir-se convertendo em democracia liberal e economia aberta. Agora, o equilíbrio político que Putin governa, delicadamente pousado entre 'Esquerda' e 'Direita' – no exclusivo contexto russo – torna-se importante preocupação para a elite governante russa, do ponto de vista da constituição de políticas nacionais.

Por outro lado, a realidade em campo é que o estado de espírito nacional russo pendeu visivelmente para a Esquerda em anos recentes, sobretudo depois das sanções que o Ocidente impôs à Rússia, e as ameaças contra a estabilidade e a segurança do país, que todos ressentem. O povo russo ainda carrega marcado no espírito o horror da 'terapia de choque' que Boris Yeltsin impôs à política econômica no início dos anos 1990s (influenciado por conselheiros ocidentais), sob o pretexto de aproximar o país do clã das democracias liberais, e o espetacular fracasso do 'projeto', logo na segunda metade da década dos 1990s.

Isso é importante, porque a Rússia tem uma 'maioria silenciosa' que aprecia a liderança de Putin precisamente porque o presidente é visto como agente provedor de estabilidade e previsibilidade na vida nacional da Rússia. Bem obviamente portanto, Putin tem uma importante decisão a tomar. Ignorar completamente as demandas dos manifestantes – ou a rejeição popular ao governo chefiado por Medvedev – não é opção, porque seria admitir fracasso colossal de liderança, e o Kremlin não conseguirá autoabsolver-se da parcela de responsabilidade que é sua.

Por outro lado, os deputados do Partido Comunista, que de modo geral são simpáticos às políticas de Putin, apresentaram requerimento formal à Duma [câmara baixa do Parlamento] russa, para que se investiguem as acusações que pesam contra Medvedev. Claramente, os comunistas sentem que o movimento de opinião popular é maior que os poucos milhares que tomaram algumas ruas no domingo, e que se reúnem no movimento várias nuanças ideológicas.

Olhando à frente contudo, a coisa pode revelar-se como situação de ardil-22. Qualquer ação contra Medvedev pode abrir a proverbial caixa de Pandora, porque o que não falta são figuras de destaque na elite política russa que satisfazem todas as exigências para serem crucificadas ao lado do primeiro-ministro, inclusive associados muito próximos de Putin. Dito de forma simples: Putin perdeu a oportunidade, deixou passar o momento em que poderia e deveria ter agido contra a corrupção; de modo algum poderia ter deixado que as coisas chegassem ao ponto a que chegaram, quando a questão inexoravelmente vai-se tornando faca de dois gumes.

E há também o lado prático. A verdade é que o aparelho de estado em sistemas autoritários como Rússia ou China, que sempre têm à disposição imensos poderes de coerção, tendem a agir sem criatividade e canhestramente quando enfrentados, cara a cara, com agitação de rua. A luz da transparência os deixa nervosos. O sistema é inapelavelmente mal apetrechado para a arte de acolher a indignação popular e diluir tensões sociais, antes que fiquem realmente feias. Nisso, boas democracias saem-se melhor. Pode-se comparar com a grande sofisticação com que foram tratados os protestos do movimento Occupy Wall Street nos EUA, em 2011 'encaixados' e suavizados (até que se esvaziaram) pelo governo de Barack Obama, por mais que a causa dos manifestantes fosse muito genuína e atraente para a população, e apesar de ser realidade constatável que lideranças eleitas nos EUA sempre acabam por representar interesses das grandes corporações.

Na verdade, estará em ação um fator psicológico nos próximos meses, quando a temperatura política começar a subir na Rússia. Comemora-se esse ano o centenário da Grande Revolução Bolchevique, e o establishment de segurança e inteligência dos EUA sente-se tentado a ver a ocasião como tempo de revanche. Já se veem sinais de que pode já estar acontecendo. Relíquias da Guerra Fria, a CIA, aRadio Liberty/Radio Free Europe, têm tido papel de destaque em semanas recentes, dedicadas a divulgar amplamente, para toda a população russa, as 'demandas' de Navalny. Uma revolução colorida na Rússia tem sido o projeto dos sonhos do establishment norte-americano há muito tempo, e tudo sempre com o principal objetivo de derrubar Putin. Os EUA interferiram na eleição russa em 2011, e com certeza tentarão interferir novamente para impedir – ou, no mínimo, para desacreditar o mais possível – o que quer que Putin projete para obter um novo mandato.

O jornal do Partido Comunista da China Global Times num editorial resumiu em poucas palavras o dilema pelo qual a Rússia passa hoje:


  • Os fatores geográficos, nacionais e culturais da Rússia clamam por governo autoritário, mas, apesar disso, o país adota sistema eleitoral multipartidário. Não é tarefa fácil combinar tudo isso. Até aqui a Rússia tem conseguido administrar o problema. Graças ao alto nível de apoio popular a Putin, o efeito de eleições com muitos partidos tem sido limitado, sem se infiltrar para outras partes da vida política do país. Mas o Ocidente e forças da oposição estão forçando para expandir o sistema, fazendo dele a principal incerteza da política russa.

    A Rússia passou por período doloroso de desorientação nacional depois da desintegração da URSS, e a memória coletiva permanece viva hoje. A sociedade russa ainda apoio Putin, apesar das dificuldades econômicas de anos recentes, em parte por causa daquela experiência e daquelas lembranças.

    Muitos russos acreditam que o vasto país constituído de locais com tradições culturais diferentes não pode trilhar caminho político idêntico ao do Ocidente. Na verdade, tentaram, depois do colapso da União Soviética, mas não conseguiram. Ainda assim, algumas forças na Rússia advogam a favor da completa ocidentalização no campo político. Nisso, são apoiadas pelo Ocidente.


Tudo isso considerado, pode acontecer de Putin descobrir-se numa posição nada invejável, de ter de decidir até se concorrerá a novo mandato na eleição de 2018; e, se decidir apresentar-se como candidato, até que ponto defender o sistema que hoje é alvo da ira popular, ou se, em vez disso, partir para a campanha com uma plataforma política positiva, que Putin tem pleno direito de expor como sua criação e projeto.*****





2 comentários:

Anônimo disse...

Discordo da afirmação do autor sobre a "sofisticada" solução dada pelo governo Obama ao Occupy Wall Stret. O movimento foi reprimido com violência e os do que dele participaram foram impiedosamente perseguidos, vigiados e intimidados para não prosseguir com o protesto contra o solo sagrado de Wall Street. Fora tão truculentas as represálias sofridas pelos manifestantes que eles nunca mais ousaram repetir o protesto e o movimento se extinguiu por medo do gigantesco aparato de segurança estadunidense, sempre pronto a proteger os ricos e poderosos.

Anônimo disse...

Sim, essa análise fica capenga quando trata da repressão aos ocuppy nos eua, que fez inveja a qualquer ditadura. A tal de "suavização" de que fala o autor foi a base de judicialização, de cacetas e muitos choques, que a mídia quadrilheira escondeu e que o analista parece que não teve a curiosidade de pesquisar em outras fontes.