terça-feira, 17 de outubro de 2017

Por que Trump ficou atômico contra o Irã, por Pepe Escobar

16/10/2017, Pepe Escobar (de Telesur)










Bem quando a opinião pública mundial temia que EUA e RPDC estivessem à beira da guerra nuclear, o novo eixo de tempos do mal (Coreia do Norte, Irã, Venezuela) apronta uma virada dramática na trama: o presidente Trump pôs-se a esbravejar que a verdadeira ameaça é o acordo nuclear com o Irã.

Entra em cena mais uma grave crise internacional nova em folha, tirada do nada e já com mortífero potencial embutido de guerra.

O Plano Amplo Conjunto de Ação [ing. Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), codinome "acordo nuclear do Irã" está funcionando, e Teerã não o infringiu. É o que dizem oito diferentes certificações separadas emitidas pela Agência Internacional de Energia Atômica [ing. IAEA ] desde que o acordo foi assinado em Viena em 2015). É também o que dizem União Europeia, Rússia e China. É o que diz até a troika militar de Trump – Tillerson/McMaster/Mattis.

Mas Trump acha que não. Porque, nas palavras ensandecidas de seu redator de discursos, nenhum acordo seria possível com regime "sinistro", "fanático", "principal estado patrocinador do terrorismo", combinado com al-Qaeda (ouçam essa pérola: "Gente ligada ao Irã deu treinamento a operadores que depois se envolveram no ataque da al-Qaeda, com bombas, contra instalações da embaixada dos EUA no Quênia, Tanzânia.") Para nem dizer que "certa gente" até acredita que o Irã está violando o tratado [e fazendo a bomba] com a ajuda da Coreia do Norte. É cena extraída diretamente da 6ª temporada de Homeland.

Por mais que a coisa possa estar encharcada de novilíngua, a virada na trama do novelão não tem muito a ver com "descertificar" – significa "rejeitar" – o Acordo de Viena (o JCPOA). A Casa Branca até admitiu isso em declaração: "A nova estratégia dos EUA para o Irã foca-se em neutralizar a influência desestabilizadora do governo do Irã e em limitar sua agressão, particularmente o apoio que dá a terroristas e militantes", além de impedir o financiamento do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos, CGRI, para suas atividades malignas."

Entra em cena, como se poderia adivinhar, nova avalanche de sanções. A Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara está preparando nova rodada de sanções contra o programa de mísseis balísticos do Irã. O Senado já aprovou por unanimidade uma lei de sanções contra o Hezbollah há menos de duas semanas. Mais cedo, esse ano, a Câmara votou (419-3) e o Senado (98-2) aprovou a Lei para Enfrentar os Adversários dos EUA com Sanções [ing. Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act], pós-JCPOA, e incluindo a Coreia do Norte e a Rússia (para fúria das empresas da União Europeia que têm negócios com a Rússia). O Departamento do Tesouro já incluiu o CGRI em sua lista de terroristas, "por dar apoio a vários grupos terroristas incluídos Hezbollah e Hamas, além dos Talibã."

Quanto ao JCPOA, Trump passou a bola para o Congresso. De fato, renegar o acordo leva a um período de 60 dias, para que o Congresso decida se reativará as sanções relacionadas ao JCPOA. Essencialmente, Trump quer que o Congresso conceda que qualquer coisa que Teerã faça, mesmo fora do JCPOA, desencadeie sanções automaticamente. Não se sabe se tem apoio suficiente no Congresso para esse tipo de manobra.

Aliados dos EUA também estão sendo "encorajados" a conseguir o que, para todos os propósitos é uma renegociação que desfaz, negando que o faça, tudo que foi feito. É operação que pode ser facilmente interpretada como extorsão unilateral. Não acontecerá – como União Europeia, Rússia e China já deixaram suficientemente claro. Washington cairá fora, de fato, do JCPOA. Ou, nas palavras de Trump, seguindo o conselho da espetacularmente incompetente e neoconservadora pervertida embaixadora dos EUA na ONU Nikki Haley, o acordo "será extinto".

Crucialmente importante, "arrume a coisa ou negue tudo", aplicado ao JCPOA – narrativa forte dentro do governo em Washington – é precisamente o mais fervente desejo do primeiro-ministro de Israel Bibi Netanyahu. O rei Salman da Casa de Saud pode não ter perdido o tempo que gastou para se congratular com Trump, por telefone, por sua estratégia "visionária" para o Irã. O embaixador dos Emirados em Washington, Yousef al-Otaiba, está obviamente felicíssimo. Mas trata-se sobretudo de Israel na luta insana por conseguir guerra contra o Irã, como os mesmos Volta-dos-Mortos-Neoconservadores-Vivos divulgam e repetem furiosamente.

Só "comportamento maligno", muito

Agora, vejamos o que os adultos estão dizendo.

A Chefe da Política Exterior da UE Federica Mogherini disse claramente: "O é acordo bilateral. Não é propriedade de um ou outro país, nem cada a qualquer país, por conta própria, pôr fim ao acordo."

Antes, o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov conjecturou diplomaticamente sobre como a 'extinção' poderia, se pudesse, ser implementada legalmente: "O acordo também foi confirmado por uma Resolução da ONU..." 

Mês passado, o ministro de Relações Exteriores do Irã Javad Zarif disse que a certificação não é parte do JCPOA, mas "procedimento interno dos EUA": "Nos termos do acordo, a única autoridade que tem competência legal para verificar se o acordo está sendo cumprido é a Agência Internacional de Energia Atômica, AIEA."

O presidente do Irã Hassan Rouhani respondeu em tom cortante, sem meias palavras, à estratégia de Trump – sem teleprompter, essencialmente qualificando-o de ignorante: "Convido o presidente a estudar melhor história e geografia" e a compreender afinal o que significa "ética internacional".

Mais uma vez, a estratégia de Trump é fugir da discussão sobre o JCPOA e pôr-se a resmungar incansavelmente contra o "comportamento maligno" do Irã; contra o programa de mísseis balísticos (que está fora do escopo do JCPOA); contra o apoio a Damasco; contra o apoio ao Hezbollah; e contra o papel protagonista do CGRI iraniano.

O secretário do Tesouro Steven Mnuchin parece ter ultrapassado a linha vermelha – e explicitamente declarou o CGRI grupo terrorista; disse que o CGRI teve "papel protagonista para que o Irã se tornasse o maior Estado patrocinador de terrorismo de todo o mundo." Siga o dinheiro: as sanções do Tesouro falam mais alto que qualquer artifício retórico.

Apesar de o Pentágono ter sido firmemente contra essa 'estratégia', temendo o revide em todo o Oriente Médio, ela é o sonho mais acalentado dos neoconservadores já há quase 20 anos: pôr o CGRI iranianos como equivalente da al-Qaeda e do ISIS/Daech. Em termos de realpolitik, a manobra equivale a "provar" que al-Qaeda e Saddam Hussein eram teriam sido parceiros desde antes de 2003. E ainda há o risco de os militares do CGRI interpretarem como uma declaração de guerra. Só falta um encontro letal entre um navio dos EUA e os barcos de alta velocidade do CGRI que patrulham o Golfo Persa (que para Trump seria "Golfo Árabe"), para que o inferno desabe sobre o mundo.

O CGRI é parte integrante da aliança "4+1" (Rússia, Síria, Irã, Iraque plus Hezbollah), a qual, para todas as finalidades práticas impediu que a Síria fosse convertida num Takfiristão. O CGRI também combate contra o ISIS/Daech em campo no Iraque, com conselheiros estrategistas chaves e comandantes militares.

O comandante Mohammad Ali Jafari do CGRI – quase sempre homem cordial, de fala suave, mas duro como garras, com experiência de combate desde a guerra Irã-Iraque – pôs as coisas em termos muito claros: "Se a notícia é correta, sobre a estupidez do governo dos EUA, ao supor que os Guardas Revolucionários seriam grupo terrorista, nesse caso os Guardas Revolucionários passarão a tomar todo o exército dos EUA como filiado ao Estado Islâmico [ISIS] em todo o mundo, e tratado como tal."

Atenção à caravana 

A estratégia de Terminator de Trump bombardeará os moderados no Irã, a começar com Rouhani e Zarif, e inflamará diretamente os instintos do Supremo Líder Aiatolá Khamenei: desde o primeiro dia de negociações para o JCPOAKhamenei disse que os norte-americanos não são gente em quem alguém possa confiar.

A dura resposta de Rouhani a Trump deve ser interpretada no contexto de sua coalizão ter vencido três grandes eleições no Irã desde que o JCPOA entrou em vigência: parlamentares, presidencial e para o Conselho dos Especialistas (onde os clérigos mais linha-dura perderam seus lugares).

Agora ficou impossível para os moderados esperar qualquer possível entente cordiale com Washington, pelo menos no curto prazo. E têm de enfrentar empresas e bancos ocidentais sob pressão ainda mais fortalecida para fazer negócios com o Irã – em detrimento da agenda econômica de Rouhani.

Trump foi pessoalmente aconselhado pelo criminoso de guerra jamais indiciado Henry Kissinger, no início da semana – antes até de um encontro na Sala de Situação da Casa Branca com Mattis e o comandante do Estado-maior das Forças Conjuntas dos EUA general Joseph Dunford centrado na "agressão" norte-coreana.

Precedentes de Dividir para Governar apontam para o aconselhamento de Kissinger – que está plenamente consciente de que ataque frontal de Washington contra Rússia ou China – a parceria estratégica que há no coração da integração da Eurásia – é mau negócio. A segunda melhor opção é criar confusão nas áreas de fronteira – e a Coreia do Norte está muito bem posicionada para isso –, e sair à caça do elo mais fraco da Eurásia, o Irã.

Mesmo assim, Moscou e Pequim continuarão a fazer negócios com o Irã, como nodo chave para a integração da Eurásia; ligado à Iniciativa Cinturão e Estrada; futuro membro da Organização de Cooperação de Xangai; e também ligado ao Corredor de Transporte Norte-Sul e à própria ainda incipiente Rota Marítima da Seda da Índia centrada no porto de Chabahar. O Irã continuará a fazer negócios sólidos com o resto da Ásia – especialmente Japão e Coreia do Sul. Irã e Qatar podem tornar-se eventuais fornecedores de gás natural para a Europa, na próxima década. E o Irã continuará – com Rússia e China – na linha de frente do projeto para contornar o EUA-dólar – no comércio de energia.

Os cães da guerra ladram e a caravana da integração da Eurásia passa.

E aí entra o suspense devastador. A maioria absoluta do Sul Global tem agora a prova definitiva: é simplesmente impossível confiar que Washington manterá a palavra em qualquer grande acordo geopolítico. Hoje, a possibilidade de acordo nuclear – e de qualquer acordo! – entre Washington e Pyongyang está abaixo de zero.*****


Um comentário:

Anônimo disse...

Que com a queda dos EUA o mundo se torne um lugar melhor, com menos guerras, mais consciência ambiental e mais igualdade socioeconômica.