domingo, 1 de outubro de 2017

Referendum catalão: Governo catalão, em operação clássica de "fisgar-e-trocar"*

01/10/2017, Andrew Korybko, The Duran










A elite econômica em Barcelona quer meramente trocar Madrid por Bruxelas como patrão preferido, e investiu tudo em ações de demagogia, como o referendum, para induzir a opinião pública catalã a crer que estariam votando por alguma "independência".

Muitos já viram – o referendum catalão deixou à mostra a profunda hipocrisia da elite governante na Espanha e na União Europeia, especialmente no que tenha a ver com o apoio a causas separatistas também em outras partes do mundo, e a crítica dura que disparam regularmente cada vez que governos em todo o Sul Global usam ou são acusados de usar força contra os próprios cidadãos.

São pontos muito poderosos, questões nas quais a opinião pública posiciona-se quase instintivamente a favor do 'lado mais fraco'. Mas quando se tem de enfrentar a específica questão do separatismo catalão, nenhuma festa retórica ante a desgraça do 'mais forte' será jamais base sólida para qualquer análise aproveitável. Por um lado, é verdade que a Questão Catalã tem longa história conhecida; por outro lado, também é verdade que a Constituição Espanhola proíbe o separatismo, o que torna ilegal a 'solução' separatista, ainda que aprovada por maioria local.

Passo seguinte, a discussão passa a girar em torno da legitimidade do estado espanhol e de se a Lei Suprema do país tem ou não de ser respeitada. Objetivamente falando, nada se pode alegar hoje a favor de não respeitar a Constituição, por mais que, há algumas décadas, o desrespeito à Constituição da Espanha pudesse ser até recomendável.

Com tudo isso, vê-se que os separatistas estão adotando táticas de 'revolução colorida', para provocar o Estado a responder com violência, resposta que poderá ser deliberadamente descontextualizada e apresentada como o que não é, numa campanha viral de infoguerra, cujo objetivo é deslegitimar o estado espanhol e atrair apoio internacional para a causa dos separatistas.

Os separatistas dizem que têm direito à secessão, porque suas diferenças históricas e etno-regionais com Madrid seriam irreconciliáveis. É estranho. O governo autônomo da Catalunha pratica bela abordagem multiculturalista, de aproximação com integração de civilizações, quando se trata de migrantes civilizacionalmente muito diferentes. Mas no que tenha a ver com sua relação com a Espanha, muda tudo e passa a afirmar que povos diferentes não poderiam viver lado a lado num só país?

Outro ponto também de estranhar é que alguns na Catalunha creem que a Alemanha deve "disseminar sua riqueza" pelo entorno, ajudando os países mais pobres da União Europeia. Mas prega que Barcelona faça exatamente o oposto disso, quando se trata de a Catalunha ajudar as regiões mais pobres da Espanha. 

Por falar de União Europeia, os separatistas querem integrar-se à União Europeia depois que alcançarem a "independência". Querem até integrar-se à OTAN – o que, na prática significa, na verdade, que a elite da Catalunha deseja apenas trocar de patrão: sai Madrid, entra Bruxelas.

Vista desse ângulo, a causa da Catalunha parece ter a ver menos com alguma "independência", e muito mais com uma luta interna à própria elite, entre os que governam Barcelona e Madrid, luta na qual o cidadão médio será a principal vítima, desgraçadamente, caso os eventos continuem a avançar por trilhas que podem levar a uma segunda Guerra Civil Espanhola, ou, no mínimo, a insurgência como a dos bascos.

A Controvérsia Catalã afeta muito mais que só a Espanha e sua região nordeste, sempre inquieta. É certo que, sim, a disputa ali pode vir a ter implicações continentais, caso a Argélia chegue a implodir, numa luta pela sucessão pós-Bouteflika que catalise mais uma maré de migração em massa, usada como arma política, na direção da Europa. Claro, para que aconteça assim, será necessário que o líder argelino morra enquanto perdura a agitação na Catalunha e que a incerteza quanto à sucessão dispare ou outra guerra civil ou mais medo, cujos resultados não são previsíveis nem num caso nem no outro. Mas esses eventos não parecem iminentes.

Seja como for, é importante considerar que a Espanha está sob pressão de fratura precisamente no momento em que mais o país teria de estar unido e forte para defender as próprias fronteiras e toda a Europa, assediadas por redes ilegais de migrantes que operam a partir do Marrocos. 

A principal consequência internacional de um estado espanhol debilitado é encorajar mais incontroláveis ondas de migração para a União Europeia, caso o governo decida priorizar o combate aos separatistas, em vez da proteção das fronteiras.

De todos os lados que se olhe, a Controversa Catalã é muito mais complicada do que está construída para nos deixar ver, e a lógica de inspiração libertarista segundo a qual qualquer um deva ser livre para votar qualquer coisa a qualquer hora não é suficiente para dar amparo firme a nenhuma democracia consistente, em nenhuma sociedade funcional. Além do mais, nada há de progressista ou democrático em esconder o pivô central em torno do qual gira o plano da elite econômica de Barcelona, interessada em trocar Madrid por Bruxelas como seu novo patrão. Porque esse plano também prova que a Catalunha, ligada à OTAN, de modo algum será tão "independente" quanto os organizadores do referenduminduziram as massas a acreditar.*****



* Orig. 'Bait And Switch' Operation (ing.): Operação desonesta (em alguns casos, ilegal) de marketing, pela qual o anunciante anuncia produto/preço/condições excepcionalmente atraentes. Quando o consumidor entra no local de venda atraído pelo anúncio (a "isca"), o anunciante tentará impingir-lhe outro produto de preço superior/condições piores (a "troca") [NTs, com informações de Investopedia].


Um comentário:

Anônimo disse...

Exatamente