quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Guerras comerciais dos EUA contra a China: o que realmente está em disputa, por F. William Engdahl

3/9/2018, F. William Engdahl[1] (Website)


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



A bizarra e em ininterrupta escalada "guerra comercial" que Washington move contra os chineses nada tem a ver com equilibrar superávits comerciais. E parece que, agora, os chineses já concluíram também nessa direção. Tudo ali tem a ver com assalto frontal contra a estratégia chinesa de se autoconverter em país líder, de economia avançada, autoconfiante, em pés de igualdade, no campo da tecnologia com o ocidente e, possivelmente, ainda mais avançada. Essa é basicamente a meta da estratégia nacional econômica de Xi Jinping, Made in China: 2025.

Os EUA como superpotência mundial dominante de modo algum poderiam permitir que as coisas andassem como os chineses planejam. Assim como o Império Britânico foi à 1ª Guerra Mundial, para destruir a ameaça potencial de uma superpotência alemã, assim também Washington, hoje, confronta um colosso econômico chinês e testa suas possibilidades e alternativas. É confronto que pode ficar muito feio nos próximos meses, a menos que os EUA recuem – o que, nesse momento, não parece provável.

Long Guoqiang, vice-presidente do Centro de Pesquisa do Desenvolvimento do Conselho de Estado da China, em recente palestra na qual refletiu sobre o ponto de vista atual do governo e do Partido Comunista na China, disse que o objetivo da guerra comercial que os EUA fazem contra a China é o que chamou, corretamente, de "contenção estratégica". Para ele, esse projeto está sendo conduzido mediante "extorsão", como ameaçar ou já avançar em guerras comerciais contra a China, para forçar a abertura de mercados, com o objetivo de atacar o modelo chinês de desenvolvimento do "capitalismo de Estado", na tentativa de, sem China, preservar a hegemonia dos EUA.

Washington já lançou ataque semelhante, usando fundos 'de cobertura' [ing. hedge funds] privados, em 1997, para destruir as economias dos "Tigres Asiáticos", Coreia do Sul, Malásia, Cingapura, Hong Kong e outras economias asiáticas que estavam em rápido crescimento. Ataques de especuladores, lançados depois de crises monetárias, para forçar a reorganização do modelo de economia guiada pelo Estado nos moldes ordenados pelo FMI – o chamado "Consenso de Washington". Antes disso, começando pelo infame "Acordo Plaza", de dólar-yen, Washington arquitetou bolhas, no mercado imobiliária e no mercado de ações, e a subsequente longa deflação econômica do Banco do Japão, para controlar o alto crescimento econômico do Japão. 

O hegemon global – Wall Street e seus representantes em Washington, no Fed, no FMI e no Tesouro não apreciam concorrência entre iguais.

Dessa vez, a China, cujos superávits comerciais são em grande medida derivados da produção chinesa sob licença de Apple, GM e incontáveis outras empresas dos EUA e da União Europeia para reexportação, está decidida a se tornar, o mais rapidamente possível, economia autossuficiente de alta tecnologia, deixando para trás o tempo em que a China dependeu de ter acesso a tecnologias norte-americanas críticas, como de processadores para computação. 

É compreensível, especialmente à luz das recentes sanções incapacitantes contra as empresas chinesas líderes de eletrônica Huawei e ZTE, que a China esteja analisando a escrita de Washington ou, mais precisamente, o graffiti político dos norte-americanos na Grande Muralha. 

[Mahathir bin Mohamad] Mahatir [primeiro-ministro] da Malásia disse recentemente depois de conversas em Pequim sobre o cancelamento de bilhões de dólares de projetos chineses de infraestrutura na Malásia", que termos já aprovados pelo primeiro-ministro estão sendo "reexaminados", para dar tempo aos chineses  de "salvar a cara". A estratégia de Washington no momento é "condenar", não "salvar" a cara dos chineses, e tentar substituí-los por algum dos estados-vassalos preferidos de Washington.


Uma reaproximação China-Japão


A primeira resposta da China foi tentar capitalizar a escalada das tensões entre Washington e a União Europeia, não só por causas comerciais mas também em torno de quem financia a OTAN. Primeiro, a China propôs um formato de frente comercial anti-Washington, ao lado da UE, em julho. O primeiro-ministro Li Keqiang da China propôs cooperação na oposição às ações de guerra comercial dos EUA seja contra a União Europeia seja contra a China. Recebeu rejeição em bloco. O presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker declarou sem meias palavras que não vê "perspectiva, no curto prazo" para conversas UE-China sobre algum tipo de acordo comum de livre comércio. Completou, com sarcasmo, que "se a China quiser abertura total, ela pode começar."

Ante a total rejeição na União Europeia a uma frente unida, a China voltou-se para seu recente rival econômico e político na Ásia, o Japão. Conversas entre funcionários técnicos começaram já em abril entre os governos de China, Japão e Coreia do Sul, as três maiores economias da Ásia. As conversas bilaterais entre China e Japão ganharam recentemente maior significado. Estão sendo concluídos os preparativos para uma reunião extraordinária em Pequim entre o primeiro-ministro Abe do Japão e Xi Jinping da China, primeira visita à China de um primeiro-ministro japonês desde o início das tensões em 2011, que escalaram dramaticamente quando Washington forçou o Japão a provocar disputa territorial que fatalmente seria grave em torno das Ilhas Senkaku (para os chineses, Ilhas Diaoyu), quando o Japão pôs aquelas ilhas sobre controle do estado japonês, em setembro de 2012.

Outra indicação de que cresce a atenção em torno de defesas comuns contra escaladas na guerra econômica dos EUA, Japão e China acabam de renovar acordos bilaterais para swap de moedas instituídos originalmente em 2002, no início da crise asiática, para garantir maior solidez na defesa contra ataques especulativos. Esses swaps foram suspensos em 2013, quando as tensões entre Japão e China alcançaram um pico.Os japoneses não estão satisfeitos com sanções que os EUA impuseram ao aço e ao alumínio japonês, nem com novas ameaças de os EUA tarifarem os carros importados do Japão. Japoneses responderam com um acordo de livre comércio com a União Europeia e, agora, cuidam de reparar as relações com seu maior rival na Ásia, a China.


EUA e a estratégia de guerra longa


Os poderes invisíveis que controlam a estratégia geopolítica profunda dos EUA tentarão por todos os meios que encontrem agora brecar, literalmente, a China com sanções, humilhações, pressões sobre direitos humanos em Xinjiang, guerra financeira e até ameaças militares. Como o falecido Zbigniew Brzezinski dizia, se os EUA perderem o controle sobre a Eurásia, será o fim da superpotência única. Para impedir isso, a China tem de ser brecada. É conclusão muito suspeita, para dizer o mínimo. Consequência desse projeto pode ser a guerra, e guerra que, se acontecer, será catastrófica para a humanidade.

Há um grande obstáculo para uma guerra financeira dos EUA contra a China. Diferente do Japão nos anos 1980, as dívidas chinesas são massivamente dívidas internas, com bancos estatais regulados por um Banco Central estatal, o Banco do Povo da China. Assim sendo, a dívida de $36 trilhões pode ser impressionante, como quase tudo na China, mas ainda está sob controle do Estado – diferente do Japão. 

Para que Washington controle efetivamente a China nesse ponto, terá de fazer o que Washington fez nos anos 1990 contra a Federação Russa, quando interrompeu o controle estatal sobre a emissão de moeda e ordenou ao seu servo Boris Yeltsin que criasse um banco Central da Rússia independente. 

Até que os Deuses do Dinheiro consigam quebrar o controle estatal sobre o Banco do Povo da China, a China continuará a ter meios para lidar com suas dívidas, sempre praticamente imune à chantagem do dólar. Nisso a China é dramaticamente diferente de Turquia, Argentina e da maioria dos demais países cujos bancos centrais que controlam a emissão de moeda são empresas privadas.*******



[1] F. William Engdahl é consultor de riscos estratégicos e conferencista. É formado em política pela Princeton University e autor consagrado no campo do petróleo e geopolítica. Colaborador exclusivo da revista online "New Eastern Outlook".

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