sábado, 1 de setembro de 2018

E quanto aos trabalhadores chineses?



Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu






De tempos em tempos, quando falo do Marxismo Chinês, surge a pergunta: "Mas... E quanto aos trabalhadores chineses?" 

A resposta curta é que nos últimos 40 anos – tempo da 'reforma e abertura' iniciada por Deng Xiaoping – 700-800 milhões de trabalhadores chineses foram resgatados da miséria.

A resposta longa exige um pouco mais de detalhes.

A pergunta que se lê acima frequentemente implica uma narrativa nela incorporada: era uma vez, antigamente, os trabalhadores eram bem tratados, com o 'Prato de Aço de Arroz' [ing. 'Iron Rice Bowl', expressão que não nasceu na China. Designa o sistema vitalício de emprego com assistência médica e educação] que garantia pleno emprego e assistência do berço ao túmulo. Mas então tudo se acabou e veio Deng Xiaoping com a tal 'reforma e abertura'. Trabalhadores mal tratados perderam os empregos, e o Partido Comunista virou mais uma classe exploradora governante.

O problema com essa narrativa nem é tanto a mistura de meias-verdades e distorções, mas, muito mais, todos os preconceitos que aí se incorporam sem crítica e sem teste de validação, com apagamento deliberado de fatos cruciais.

Para começar, pressupõe-se aí um marxismo 'europeizado', no qual a classe trabalhadora está desenvolvida no contexto de uma economia de mercado capitalista já caindo de madura. Supõem-se naquela narrativa e correspondente pergunta um marxismo que só trata da classe trabalhadora – o proletariado – e de uma revolução comunista liderada pelo proletariado.

A questão interessante aí é que as revoluções comunistas bem-sucedidas aconteceram em locais onde não havia classe trabalhadora ampla ou bem desenvolvida. Na verdade, só havia vasta maioria de camponeses. Que fazer?

O primeiro esforço real para enfrentar essa questão pode ser encontrado num trabalho de Engels de 1882 quase sempre negligenciado, A Marca. Aqui Engels recupera a velha prática da economia de subsistência, na qual a terra era propriedade comum, realocada em base regular, e com pastagens e florestas como terra comum. Traços de tudo isso Engels encontra na mark alemã [al. Markgenossenschaft]. Crucialmente importante, o artigo termina com um chamamento para que se recupere, num plano dialético completamente novo, aquela versão de comunismo rural: "Reflitam sobre isto, camponeses alemães. Os únicos que nisso podem ajudá-los são os social-democratas" (ing. MECW 24: 456; de Crítica Marxista, 17, p. 147-163, marxists.org). Em outras palavras, verdadeiros amigos dos camponeses, só os comunistas.

Apesar desse insight, a primeira revolução bem-sucedida na Rússia teve de se esforçar para se entender com os camponeses. A revolução aconteceu nas cidades, baseada na incipiente classe trabalhadora e só com luta significativa (nos anos 1930s) os camponeses tornaram-se trabalhadores de fazendas coletivas, nas novas formações de classe sob o socialismo.

Por que isso é relevante para a China?

Porque também na China o movimento comunista inicial focou-se num pequeno número de trabalhadores, o que levou à revolução fracassada do início de 1927. Em compensação, daquele fracasso veio o lampejo de Mao, de tomar algumas das ênfases de Engels, Lênin e Stálin e concentrar-se nos camponeses como núcleo do movimento comunista. Com o Levante de Nanchang dia 1/8/1927 – a primeira insurreição armada bem-sucedida da Revolução Chinesa construída em resposta ao massacre de Xangai –, Mao já organizara uma base vermelha com camponeses nas montanhas Jinggang. A reunião histórica entre Mao e a força armada de Zhu De, vinda de Nanchang, marca a origem do Exército Vermelho.

Avancemos um pouco mais. Para Mao e os outros, o mais importante nem era tanto a combinação de trabalhadores e camponeses, mas oinsight de que camponeses também são trabalhadores: trabalhadores rurais. Efeito desse insight, o movimento comunista expandiu massivamente a própria base.

Mesmo assim, foi só um começo. A fase inicial depois de 1949 foi pesadamente influenciada pelo modelo da União Soviética: economia planificada; plena coletivização da agricultura; uma ofensiva socialista que levaria a China ao patamar de superpotência industrial (Grande Salto Adiante e tudo mais). O pulo do gato, até aí, foi que as políticas de Mao tendiam a se focar nas relações de produção (com igualdade radical de todos).

Tudo muito bem, mas relações de produção é só um lado da equação. O outro lado tem a ver com os meios de produção. O problema que permaneceu foi que a condição econômica da vasta maioria melhorara apenas marginalmente, e em ritmo muito lento.

Foi ideia de Deng Xiaoping, dar atenção aos meios de produção; que o socialismo tem a ver igualmente com melhorar as condições socioeconômicas de todos os trabalhadores, dos trabalhadores rurais e dos trabalhadores urbanos. Daí a reforma e a abertura e a transformação para uma economia socialista de mercado.

Ao longo do caminho cometeram-se erros, e novas contradições emergiram (como Mao em 1937 previra que emergiriam). Dentre elas, o surgimento de conglomerados coletivos ineficientes (mais cooperativas Owenitas, que comunas plenas), alguns trabalhadores perderam os empregos, houve protestos de trabalhadores contra condições e administração ilegais, faltava tempo para atenção adequada à saúde nas áreas rurais, e pais que deixavam os filhos com os avós nas áreas rurais para trabalhar nas cidades. Mas os erros e contradições não foram insuperáveis. Os trabalhadores foram compensados, os protestos foram ouvidos e considerados (afinal, praticamente todos invocavam a tradição comunista) e administradores que desrespeitavam a lei foram punidos, toda a população passou a ser coberta pelos serviços públicos gratuitos universais de saúde, e os velhos recebiam aposentadoria. Mais importante que tudo isso: um esforço organizado e empenhado continua a enfrentar a pobreza nas áreas rurais.

Tudo isso me leva ao ponto final: durante o tempo da reforma e da abertura, entre 700 e 800 milhões de pessoas foram tiradas da miséria. Os chineses preferem o número menor, porque o mínimo exigido por eles é superior aos padrões internacionais.

Essa foi apontada como a maior conquista no campo dos direitos humanos em toda a história da humanidade, mas, mais importante, aqueles chineses que superaram a miséria e colheram os benefícios do respeito aos direitos humanos eram trabalhadores – urbanos e rurais igualmente. 

Como os chineses gostam de repetir: sem o Partido Comunista não haveria nova China.*******

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