segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Eurozona não admite que vive Década Perdida – França não admite que arrocho prosseguirá em 2019

26/9/2018, Ramin Mazaheri,* para The Saker Blog,


Traduzimos a palavra “austerity” do original [lit. fr. austerité; port. austeridade], por “arrocho” – que disso se trata. “Austeridade” é traço louvável que define quem organize a vida do melhor modo possível, para CONSEGUIR PAGAR PELOS ITENS INDISPENSÁVEIS À PRÓPRIA SOBREVIVÊNCIA, DE SUA FAMÍLIA, SEUS PRÓXIMOS, DE SUA TRIBO, DE SEU PAÍS, com dignidade.

Austeridade NÃO É cortar gastos essenciais, sem os quais cidadãos e sociedade perdem condições de sobrevivência digna, para dar mais dinheiro aos bancos. 
Isso é “arrocho [NTs].
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“Aqueles aos quais a austeridade é facílima, o prazer é a mais difícil das tarefas”.
Carnet d'un biologiste, Jean Rostand**
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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Seria de esperar que, se o arrocho na economia tivesse acabado, o evento fosse trombeteado a plenos pulmões, não?

Afinal de contas, durou tanto tempo, foi tão amplamente desprezado e odiado, é tão completo, total fracasso econômico, e foi fonte de tantos e tais protestos, prisões, bombas de gás lacrimogêneo pelas ruas, canhões de água, violência da Polícia e – sem dúvidas – mortes resultantes de mau atendimento médico em geral, suicídios motivados por dívidas impagáveis, etc. Não é situação exclusiva da França, 2ª maior economia e motor da Eurozona, que padeceu dois anos de catastrófica Grande Recessão e, depois, sete anos consecutivos de orçamentos arrochados nos planos ditos “de austeridade”.

Fui praticamente o único, em janeiro, a apontar o fato de que a Eurozona completara oficialmente uma “Década Perdida”: o crescimento anual médio de 2008 a 2017 na Eurozona foi de apenas 0,6%. [Risos!] Quem, em sã consciência temeria que políticas econômicas socialistas fariam serviço pior que esse?! Vietnã, China, Cuba, Irã e poucos outros países saíram-se muito melhor nos mesmos dez anos, e quase sempre lutando uma Guerra Fria típica de mercados nada-livres, feita contra eles.

Mas parece que Décadas Perdidas só acontecem para países não brancos, feito o Japão, sempre citado em matéria de Década Perdida, porque perdeu não uma, mas duas: taxa de crescimento de 1,4% de 1991-2000, e de 0,7% de 2001-2010. Pois a década que a Eurozona perdeu fez pior que isso.

Mas jornalistas ocidentais das grandes redes e de grande renome ou nada compreendem de economia básica, não conseguem pensar em termos aritméticos básicos, sem incógnitas, ou, então não resistem ao desejo de aceitar a propaganda dos que compreendem a economia, mas são, simultaneamente, fanáticos/desonestos pregadores/praticantes das delícias do capitalismo sempre para poucos.

Não há outra possibilidade, porque ou França pôs fim ao arrocho – que é grande notícia para a Eurozona, que continua a ser o elo macroeconômico mais fraco na economia global –, ou vai manter o arrocho em in 2019 apesar do fracasso total do ‘projeto’ – o que também é grande notícia.

Seja como for, pela primeira vez em sete anos, o orçamento econômico anual da França já está circulando e, até agora, ninguém encontrou no noticiário sobre esse evento a palavra “austeridade” [de “arrocho”, então, nem se fala!], uma vez, que fosse!

Engraçado, mas não acontece só no noticiário em inglês, também nas notícias em francês. A única exceção até agora, encontrei-a num editorial da SudRadio. Não é mídia convencional, mas registro que o sindicato mais de esquerda da França, Force Ouvrier [Força Operária], foi o único a usar a tradução francesa da palavra austerity [austeridade] –  politique de rigueur.

E daí? Será que todo o conceito de arrocho virou passé? Estarei agindo como reles gauche (palavra para “esquerda” em francês, mas que em inglês sofreu um desfocamento de classe e agora significa “grosseiro, sem sofisticação, socialmente sem graça”), ao insistir nesse tema?

A resposta curta é: os jornalistas ficaram de tal modo deslumbrados com Macron ter jogado umas migalhas de redução de impostos no chiqueiro da classe média, que conseguem ignorar o festim que prossegue na mesa dos ricos.

Imperialismo, sionismo, fascismo... acrescentem ‘austeridade’ à lista das palavras que a mídia ocidental não consegue [ou não quer] definir satisfatoriamente

Comecemos por definir os termos, para evitar confusões. “Austeridade econômica” [em português é ARROCHO] pode ser reduzida a três conceitos essenciais: cortar serviços sociais (na prática, significa passar os custos para as famílias, de tudo que, antes, era fornecido pelo estado); não investir impostos nem vender bônus soberanos para realizar programas de infraestrutura que beneficiem a nação, seja qual for a classe social; e aumentar o peso dos impostos sobre as famílias, para financiar os cortes de impostos para os ricos e/ou as grandes empresas & negócios, a partir da ideia de que essa gente reconduzirá o rebanho da economia rumo ao crescimento forte (claro que não pode haver ‘condicionalidades’ e contrapartidas associadas àqueles cortes de impostos, na forma de compromisso de contratar, investir etc., porque essas medidas fariam a ‘austeridade’ [é ARROCHO] capitalista parecer socialismo com características chinesas).

Esse conjunto de políticas está na extrema direita do espectro do pensamento político, frequentemente chamado “neoliberalismo”, é uma espécie de rebatismo, do século 21, para o que se chamava economia do “trickle-down” [literalmente, do “gotejamento”: o que sobrasse dos poucos, nos andares de cima, gotejaria para baixo aliviando a sede dos muitos], porque a raiz do “neoliberalismo” é que se ricos, corporações e grandes negócios são ajudados/socorridos/protegidos/resgatados, todos eles imediatamente, por iniciativa deles e de boa vontade se engajarão em prática que beneficiam a nação e que, simultaneamente, criam crescimento econômico (importantíssimo: essa taxa de crescimento será sempre superior à sugerida pelo pessoal da esquerda do espectro do pensamento econômico – do socialismo econômico).

Sabe-se que indiscutivelmente esses dois últimos parágrafos são verdade, que acontece sempre assim, o que qualquer um pode verificar e confirmar facilmente.

O que quero dizer aqui, é que a mídia hegemonista ocidental é absolutamente incapaz, não sabe ou não quer comentar o orçamento da França para 2019 a partir desse meu ponto de vista economicamente honesto, aberto, com fundamento científico e isento de preconceitos.

Resumo aqui as medidas chaves: 19 bilhões de euros em cortes de impostos sem contrapartida para businesses, 6 bilhões de euros em cortes de impostos para as famílias, combinado a tetos para aposentadorias, aumentos regressivos nos impostos sobre bens de consumo, e corte de milhares de postos de trabalho no serviço público.

As manchetes e o tom dos principais veículos da mídia em inglês só fazem papaguear a análise que Macron apresentou [num tom que, pior que acrítico, é anticrítico], como se jornalista ganhasse a vida como relações públicas. Reuters: Orçamento da França para 2019 aliviará a carga de impostos das famílias, e empresas; AFP – Orçamento francês 2019: Governo revela grandes cortes de impostos, com maior crescimentoFinancial TimesFrança planeja orçamento com cortes de impostos e contenção de gastosRadio França Internationale – Governo francês põe dinheiro no bolso do povo, com cortes de impostos.

Vemos que se referem aos cortes de impostos para negócios e lares. Ok, também entendi. Minha objeção é ao pressuposto que se entrevê por todos os lados: que o orçamento de 2019 operaria principalmente cortes de impostos que estariam sendo distribuídos uniforme e igualitariamente –, o que é pressuposto absolutamente falso. E óbvio: ainda que se aceitassem os números do governo como apareceram (e não se deve fazer isso, como demonstrarei adiante), cortar três vezes mais impostos devidos por empresas e comerciantes, do que impostos devidos pelas famílias é, com certeza absoluta, manter as políticas de arrocho!

Contudo, ao chamar a atenção para impostos cortados, o que a mídia em idioma inglês fez foi, essencialmente, dizer: “Desnecessário alguém se preocupar com ‘arrocho’, porque trazemos cortes nos impostos.” Para eles, a distribuição igualitária dos tais cortes é questão perfeitamente descartável.

Fico pensando... Que limite os cortes nos impostos sobre as famílias teriam de ultrapassar, para Macron perder essa simpatia servil e rendida, dos jornalistas? Meu palpite: só perderia se ultrapassasse os 3 bilhões de euros. Por que esse número? Sei lá. Foi o primeiro número que me veio à cabeça. Por que não? Por que teria eu de aplicar boa lógica para comentar esse jornalismo totalmente ilógico?!

De início, a mídia em francês só fez papaguear a linha pró-Macron. Aos poucos os veículos que prestam tiveram de realmente trabalhar, porque, afinal, vivem na França.

A realidade para veículos como Mediapart, é que não se trata de cortar 19 bilhões de euros em impostos a serem pagos pelas empresas: são 46 bilhões de euros.

São cortes sem qualquer contrapartida, inventados para apoiar (cito literalmente o que disse o governo) “investimentos e, pois, a criação de empregos”… O que significa a mesma velha lógica do arrocho: se você corta impostos sobre os ricos, empresas e negócios, em seguida surgem os investimentos de longo prazo, mais empregos e melhores salários, assim, porque sim, magicamente!

Muitos veículos franceses, como o impressionantemente esquerdista-fakeLiberation, abertamente mentiu quanto aos 6 bilhões de euros de cortes nos impostos sobre as famílias. Estão certos, porque todos aqueles 6 bilhões de euros a serem ‘poupados’ serão realmente extraídos das mesmas famílias por outras vias, e toda a mídia francesa reconheceu: o orçamento veio carregado de medidas regressivas, sob a forma de aumento nos impostos sobre diesel, gasolina e tabaco.

(São impostos regressivos, porque recaem sobre todos, sem diferença, embora esses itens tenham peso maior na renda das classes médias e pobres. Impostos “progressivos”, corretamente associados à ala esquerda do espectro econômico, penalizam menos os que sofrem mais para pagá-los.)

E ao aumentar as aposentadorias em apenas 0,3%, com inflação prevista para 1,4%, criam de fato mais um imposto sobre os 16 milhões de aposentados do país, porque reduzem a renda deles, enquanto o estado ‘economiza’ 3 bilhões de euros.

Lê-se em Mediapart, caso não acreditem em mim: “Mas tudo isso, afinal de contas reduz-se a jogo de soma zero para as famílias. Como tantas vezes se viu nesse governo (no plano para a pobreza, por exemplo), dão com uma mão o que tiram com a outra.”

Assim sendo, não, não, a França NÃO ESTÁ pondo fim ao arrocho, com cortes de impostos que pesam sobre as famílias; e só jornalismo idiota e/ou a serviço de interesses baixos noticiaria, como fato, a mentira de que estaria fazendo isso.

A realidade jamais dita do jornalismo é ruim demais: jornalistas com mais idade e experiência e colhões, substituídos por ‘jovens’ ignorantes, que aceitam trabalhar por metade do salário digno, só para conseguirem entrar nas redações.

Chega de contos de fadas, ‘Bruxelas’ não existe, justificativa forjada (“fake”) não convence ninguém

Ah, o déficit no orçamento da França para 2019 está aumentando,[1] de 2,6% para 2,8%, e por isso esse orçamento seria ‘não austero’? É isso?

Calma. A razão inicial para haver arrocho [chamado ‘austeridade’] sempre foi ganhar as boas graças da “fada da confiança” [ing. “confidence fairy” da alta finança, mas a verdade, sempre, foi a necessidade de satisfazerer a regra da União Europeia que limita os déficits a 3% (é número completamente arbitrário, sem qualquer fundamento econômico, sempre lembrado por Alemanha e França quebradas, cada vez que lhes interessa).

Mas os 46 bilhões de euros de cortes de impostos para empresas, sem contrapartida, são espantosos 0,9% de todo o PIB da França. Quer dizer: se esses presentes fiscais não fossem distribuídos, o déficit fiscal da França estaria caindo para um nível digno de aluno aplicado da Eurozona, de 1,9% em 2019.

Não há jornalismo pior que esse que ‘noticia’ tudo como se a França TIVESSE ALGUMA OBRIGAÇÃO de cortar impostos das empresas, sem exigir contrapartidas –, porque esse movimento tem altíssimo custo societal e econômico. Claro, para o jornalismo de esquerda essa é a primeira questão a apontar e debater.

Verdade é que sempre se pode recorrer à agência Reuters anglo-canadense a qualquer momento em que se precise de duplifalar em economês clássico. As publicações de economia são obrigadas a trabalhar muito para cobrir economia, mas isso não significa que não vivam em ritmo de moto perpétuo para justificar as ‘soluções’ econômicas da direita. 

Para passar rapidamente sobre a questão de desperdiçar fatia tão grande do PIB, fazem crer que seria inevitável (porque a isso obrigaria o arrocho, chamado ‘austeridade’); e, ao mesmo tempo, que o presente aos mais ricos seria alguma espécie de novidade: “Isso elevaria o déficit orçamentário próximo ao limite máximo da EU; mas ele permanece em 1,9%, excluindo o esperado efeito extraordinário dos planos de transformar um sistema de crédito tributário de folha de pagamento corporativo em corte permanente de impostos. ”

Assim sendo, que ninguém se engane: a França não está aumentando o próprio déficit fiscal só ‘marginalmente. Não. Está aumentando significativamente o déficit fiscal, exclusivamente para transferir riqueza aos muito ricos, bancos e alguns empresários. E isso, verdade seja dita, é exatamente adequado e integra-se sem qualquer dificuldade às políticas de arrocho, chamadas “políticas de austeridade”.

Quer dizer, como já perguntei sobre a Década Perdida da Eurozona: será que perdi a reunião na qual os jornalistas fomos mandados nunca mais falar de “austeridade”? (De ‘arrocho’, ok, ninguém fala mesmo, há muito tempo.)

Claro que não, mas voltemos ao aspecto “a novidade” do ‘noticiário’ da Reuters, porque é uma espécie intelectual de conspiração & golpe, que muito frequentemente passa sem ser vista.

Imagine que não há definições & história – pode dizer que sou sonhador/you may say I’m a dreamer

É preciso não esquecer um paradoxo crucial do capitalismo: como muita gente já reconhece, o capitalismo pula de crise em crise, e sempre, sempre, a crise adiante é noticiada como se fosse novidade. A Década Perdida Japonesa, nos mandam crer, seria drasticamente diferente da Década Perdida da Eurozona, apesar das incontáveis similitudes entre as causas e entre as ditas políticas ‘para consertar’. E o que precedeu a crise japonesa? Também é proibido admitir qualquer relação entre o inchaço e a explosão das bolhas do Tigre Asiático – obra de banqueiros inescrupulosos, exatamente como foi a Crise da Dívida Soberana Europeia.

São conceitos explorados por economistas que todos os cidadãos devem obrigatoriamente ler e conhecer – e que toda a mídia-empresa dominante deve obrigatoriamente ignorar – como Richard Werner (de Princes of The Yen, documentário, legendas em português) e Michael Hudson (autor de várias críticas soberbas do capitalismo neoliberal e do século 21 [por exemplo, em português, aquiaquiaqui... (NTs)].

Discuti as ideias deles ano passado, numa série de sete artigos sobre o que acontecerá quando o Alívio Quantitativo da Eurozona acabar, as quais também desmascararam o esquerdismo-de-faz-de-conta [orig. fake] do livro de 2016 do ex-ministro de Finanças da Grécia Yanis Varoufakis. Depois de uma década de jornalismo na França, minha análise da política dos franceses e de outros está resumida no 7º artigo daquela série: Forced recession as a tool of social war against the 99% [Recessão forçada é ferramenta da guerra social contra os 99%].

Crise é – e ninguém sabe disso melhor que os franceses, que só recentemente deixaram de viver sob Estado de Emergência que durou dois anos (e só porque Macron ‘normalizou’ quase todos os poderes extraordinários de polícia) – um dos meios de governança no capitalismo; e socialismo é combate empenhado às crises econômicas mediante planejamento central de longo prazo.

O orçamento da França 2019 está perfeitamente conforme o plano neoliberal de sugar todas as riquezas do povo da Eurozona para dentro dos cofres do 1% em todo o mundo (com o 1% dos EUA, sempre, como, proporcionalmente, os maiores beneficiários). É repetição ordinária do que fizeram ao Japão. Por isso temos de assumir que haverá uma segunda Década Perdida também na Eurozona: o livro de receitas é o mesmo. Com certeza não há qualquer indício de que estejam remotamente considerando mudar suas políticas neoliberais; e a própria estrutura pós-1989 supremamente neoliberal da Eurozona torna impossível qualquer mudança.

Se se dá as costas ao livro de receitas neoliberal, logo se vê que o arrocho [dito ‘austeridade’, mas não é; é arrocho (NTs)] não terminará até que todos os ganhos que o povo obteve de 1917 a 1977 sejam revertidos.

Por isso o governo francês admite abertamente que sua meta, com esse orçamento, é alcançar outro objetivo neoliberal: encorajar os desempregados a voltar a trabalhar, mesmo que os salários tenham sido reduzidos (porque não durante décadas a inflação não foi reposta); e mesmo que a segurança e as condições de trabalho tenham sido destroçadas pelas chamadas “reformas” das leis trabalhistas.

A outra metade, de reduzir “a dependência do estado de bem-estar”, é o item seguinte na agenda política de Macron, apesar da baixa popularidade já chegada a nível recorde: mais “deformas” na segurança contra o desemprego, quer dizer, reduzir os “benefícios” distribuídos aos desempregados para níveis ainda mais baixos que o dos piores salários. Assim também se explica por que muitos postos de trabalho no centro de atendimento a desempregados do governo estão incluídos nos 5 mil empregos públicos cortados no orçamento de 2019: querem que o know how nos centros de atendimento a desempregados seja o pior possível, ou completamente ausente, para desencorajar as pessoas a procurar os tais “benefícios”. O Deus Neoliberal proíbe que alguém deixe de tornar o mais desgraçada possível a vida de quem prefira o desemprego a ser tratado como cachorro, em troca de salários que não pagam casa e comida nem do cachorro

França está atrasada em relação à Alemanha, no processo de macaquear EUA-Reino Unido os Anglo-saxões, claro. O que o livro de receitas neoliberal manda fazer, quando você já fez as tais “reformas” das leis trabalhistas, como a Alemanha? Você deixa entrar 1 milhão de sírios altamente bem educados, para gerar mais competição capitalista entre os trabalhadores, e rebaixar o nível de exigências para aceitar um emprego. Daí advém – como efeito colateral de alimentar aquele sentimento que cria quantidades monstro de manchetes que até conseguem distrair da Década Perdida de cada um, mas que só faz seus praticantes sentirem-se mal e furiosos – o nacionalismo (oposto a “patriotismo”, porque nenhum patriotismo é racista ou islamofóbico).

O que se consegue quando não se impõem contrapartidas no caso de presentes fiscais que se façam aos ricos? Quando nada há além deesperança de que investirão para criar empregos? Quando se confia nessa gente sem lhes impor supervisão, regras a cumprir, sequer, que fossem, algumas vagas sugestões sobre como agir? Segundo Mediapart, obtêm-se 600 mil euros (dinheiro dos contribuintes) por emprego suposto criado. O mesmo dinheiro poderia manter 20 empregos públicos decentes (nos quais há pessoas cuja missão é realmente fazer coisas por seus filhos, seus avós, a sociedade em que você vive), ou 40 casos não desejados de desemprego. (Nesse cenário alternativo, a virtude é: pelo menos gastam aquele bem-estar mandando-o de volta à economia real ao comprar luxos e bugigangas como comida e moradia, muito diferente dos que compram ações das próprias empresas, para inflar o preço que os otários pagarão sorrindo, e dos muito ricos). Mas... como?! Isso é socialismo! Aqueles governos ‘grandes’ e ‘pesadões’, que não são eficientes, ok? Ora, ora, vejam só! E eu, cá, pensando que jornalistas não entendem de economia...

Mantenho minha opinião, de que a lógica do capitalismo determina que o fim do Alívio Quantitativo na Eurozona, que foi adiado, outra vez, para dezembro, disparará aumento massivo nos valor dos juros para países como Espanha e Itália, o que, por sua vez, nos levará de volta para a Crise da Dívida Soberana de 2012. Por que, afinal, a grande finança internacional – que não se preocupa com países, só com lucros – não voltaria a fazer sangrar as nações vulneráveis?

E o Alívio Quantitativo – dada a implantação convergente da ‘austeridade’ [é arrocho] capitalista neoliberal, em vez de políticas de investimentos de cunho socialista –, tem tido efeito muito pior que nenhum, em termos de fortalecer os abalados fundamentos econômicos da Eurozona. 

Na verdade, o Alívio Quantitativo realimentou bolhas insustentáveis nos mercados de ações e de bens imobiliários, dirigidas exclusivamente ao 1%. A Eurozona é hoje mais fraca do que era em 2012: qualquer choque na economia da França, e aqueles 46 bilhões de euros não serão anulados: eles resultarão muito, muito, muito mais caros para o cidadão médio.

Lamento muito não poder noticiar o fim da ‘austeridade’ [é arrocho], mas há outros, por razões erradas, muito felizes por dar essa ‘notícia’.

A mídia ocidental esqueceu repentinamente e completamente o que significa ‘austeridade’. Mas tenho certeza de que os franceses perceberão que Macron tentou meter-lhes um saco sobre os olhos.

‘Austeridade’ [é “arrocho”] não é, com certeza, slogan neutro, vazio. Sou de opinião de que temos, todos, de gritar forte contra mais esse golpe. Recuso-me a deixar que a ‘austeridade’ [é arrocho] saia de cena discretamente, sem castigo e sem barulho.

“Contra a ‘austeridade’!” [compreende-se mais facilmente se se diz “Contra o ARROCHO!” (NTs)] deve permanecer como grito de batalha dentro das sociedades capitalistas-imperialistas – como lembrete de por que os povos padecem sob “sanções”. 

Como “austeridade” [é ARROCHO], “sanções” também é palavra-simulacro, palavra escolhida em laboratório, como arma, para lançar algum verniz de decência forjada [decência fake] e de legalidade forjada [legalidade fake], sobre práticas que não passam de atos ilegais de guerra econômica contra sociedades inocentes.*******



* Ramin Mazaheri  é correspondente-chefe em Paris da PressTV do Irã. Vive na França desde 2009.
** Epígrafe acrescentada pelos tradutores.
[1] “Dados publicados [em 26/3/2018] mostram que o déficit no orçamento na França chegou a 2,6% em 2017, primeira vez desde 2007; esse número é inferior ao teto de 3% da União Europeia” [Bloomberg, NTs].

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