quinta-feira, 15 de novembro de 2018

EUA perderam o Afeganistão: A Índia e as transições afegãs, por MK Bhadrakumar

Os Talibã estão voltando legitimamente ao poder


12/11/2018, MK Bhadrakumar, Indian Punchline


Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

Ver também
§   “EUA a um passo de ter de devolver o AfPaq aos Talibã, à al-Qaeda”31/10/2018, MK Bhadrakumar, Indian Punchline, traduzido em Blog do Alok
§   Talibã, 2018: “Em Moscou, falamos de paz. Ninguém aqui está ‘negociando’” 
9/11/2018, Dawn, Paquistão [traduzido e editado para excluir o viés pró-EUA e pró-guerrae inserir um viés pró-Rússia e pró-paz]


Transição política é traço recorrente na moderna história do Afeganistão. A cada 10-20 anos, houve transições – o golpe de Estado contra o Rei Zahir Xá em 1973; a violenta ascensão ao poder dos comunistas em 1978 (a “Revolução do [mês] Saur); o colapso do governo comunista e a substituição pelos Mujahideen Afegãos em 1992; a tomada de Cabul pelos Talibã em 1996; e a derrubada do regime dos Talibã em 2001.


Estamos agora no limiar de mais uma transição, com os Talibã andando na direção de Cabul. A comunidade internacional praticamente sem exceção reconhece a necessidade imperativa de uma reconciliação com os Talibã (que controla mais da metade do território afegão).



Deve-se prever que os Talibã estarão de volta ao poder em Cabul já em 2019. A Índia mais uma vez enfrenta o desafio de lidar com uma transição já iminente.



A situação criou muita angústia entre setores desinformados da opinião, no nosso país. A decisão do governo da Índia de enviar delegação ‘não oficial’ de dois diplomatas com experiência nos assuntos do “Af-Pak”, à conferência de Moscou sobre o Afeganistão, da qual participaram representantes dos Talibã, foi recebida com algum alarido de oposição.



Mas os meninos recém chegados ao quarteirão não perceberam que a decisão do governo indiano é consistente com o que sempre foi feito, no modo como New Delhi lidou antes com as transições afegãs.



Se a derrubada de Zahir Xá foi “golpe palaciano”, e a Revolução do Saur foi terremoto geopolítico que entrou para o folclore da Guerra Fria, as três transições que aconteceram depois da “jihad afegã” nos anos 1980s entram em categoria completamente diferente, diretamente impactadas por interesses da segurança da Índia.



É útil e necessário, nas atuais circunstâncias, voltar no tempo e rastrear a memória até o modo como Delhi lidou com a traumática transição islamista em 1992, contra o pano de fundo de mais uma furiosa insurgência em Jamu e Caxemira e relações tensas com o Paquistão.



De completa novidade, na transição de 1992, foi que ali pela primeira vez o fantasma de um regime islamista em país vizinho surgiu para assombrar a Índia. Mas há grandes semelhanças, em termos amplos, com a situação atual.

Em 1992, também, Delhi não tinha qualquer contato, fosse qual fosse, com os grupos de Mujahideen Afegãos que ocuparam Cabul, dominaram a Shura-e-Nazar (‘Parlamento’ do Norte) liderada por Ahmed Xá Massoud sob o amplo guarda-chuva do [gupo] Jamiat-i-Afghanistan com base no norte do Afeganistão.


Assim também, Delhi não tinha qualquer linha aberta, nem com os três principais grupos de Mujahideen baseados em Peshawar – Hezbe-e-Islami, (liderado por Gulbuddin Hekmatyar) e Ittihad-i Islami (liderados por Abdul Rasul Sayyaf) ou com o grupo xiita com base em Mashaad Hizb-i-Wahdat, que combatera contra Massoud na violenta guerra civil que veio em seguida, durou até 1996 e destruiu a cidade de Cabul.



Alguns desses grupos eram visceralmente hostis à Índia, como ficou claro no saque de nossa sede diplomática em Cabul em junho de 1992, e fechamento de nossa representação.



Interessante, aí, é que nossa missão diplomática em Cabul foi fechada três vezes no período fluido entre 1992 e 1995, por riscos de segurança; e três vezes voltamos a enviar diplomatas e reabrimos a missão.



Isso, até aí, já indica alguma coisa. Dito de forma simples, nossa diplomacia sempre investiu na evidência de que era criticamente decisivo manter uma presença em Cabul e conversar com todos os grupos afegãos, não importa quais tivessem sido, antes, suas atitudes em relação à Índia.



Fundamentalmente, nos relacionamos com governos legítimos internacionalmente reconhecidos no Afeganistão, também quando foram governos que se opunham aos valores democráticos, seculares e plurais que a Índia cultiva.



Evidentemente, aprendemos a lidar com governos no poder e nunca nem interferimos nas transações, nem fomos prescritivos – apoiássemos a transição, ou não.

A única exceção talvez tenha acontecido quando o regime ilegítimo dos Talibã foi derrubado à força pela milícia da Aliança do Norte. Mas os norte-americanos buscaram nossa ajuda (e a ajuda do Irã) na conferência de Bonn em dezembro de 2001 para persuadir o governo sucessor, da Aliança do Norte, a abdicar do poder em Cabul, de modo que um governo provisório patrocinado pelos EUA, de Hamid Karzai pudesse assumir o poder.


Os cinco padrões políticos que se veem na narrativa acima ainda são válidos hoje. São os seguintes:

1. Delhi jamais interferiu em transição afegã.


2. A Índia adaptou-se à ascensão do Islamismo na política hegemônica afegã já desde os anos 1990s.


3. Delhi manteve abertas linhas de comunicação com todos os grupos afegãos – que, se pode dizer, buscaram empenhadamente contato conosco – independente de atitudes prévias negativas em relação à Índia.


4. A Índia trabalhou com a comunidade internacional em todas as transições afegãs.


5. Delhi percebeu que é possível engajar-se em relações construtivas com qualquer grupo afegão, onde o grupo já não esteja sob o tacão de mentores estrangeiros, dada a enorme reserva de boa vontade entre o povo afegão e o povo indiano, e o firme desejo daqueles grupos de explorar os potenciais mutuamente benéficos de um relacionamento com a Índia.

Claro que Delhi também cometeu erros trágicos. Criar os chamados grupos de “resistência” anti-Talibã na segunda metade dos anos 1990s foi erro político grave. Jamais deveríamos tem ajudado a incendiar o que, em essência, era luta fratricida.


Delhi provavelmente desperdiçou centenas de milhões de dólares. Nos bazares da Ásia Central o que se diz ia no final dos anos 1990s era que muito daquele dinheiro virou lixo quando os senhores da guerra da Aliança do Norte foram saqueados em Dubai e noutros pontos.



Era claro que a resistência anti-Talibã não tinha futuro, mas o grande jogo sempre consegue gerar e implantar noções e ideias delirantes.



Portanto, é importante que, em algum momento a Índia avalie clinicamente, desapaixonadamente, o quanto o Talibã teria sido realmente hostil à Índia e o quanto o que avaliamos como hostilidade não passasse de ação de retaliação contra atividades nossas – da Índia –, em território afegão, durante a década passada.

Minha avaliação dos Talibã sempre foi que o movimento é essencial e profundamente afegão-cêntrico e que é possível trabalhar construtivamente com eles, tão logo assumam o poder em Cabul como governo reconhecido de pleno direito pela comunidade internacional.
Conclusão disso tudo é que os Talibã são realidade que ninguém conseguirá apagar, e é mais que hora de Delhi definir com realismo os próprios interesses, na situação que se vai configurando.*******

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