segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Trabalhistas britânicos de Jeremy Corbyn indicam aos socialistas europeus a via da renovação



Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga



“É como eu quero, ou não há acordo” é a desagradável mensagem que uns poucos apoiadores da primeira-ministra May andam divulgando pelos grotões distantes da Tory-lândia[1] ao longo desse fim-de-semana.

Discussões movidas a gin-tônica nos bares dos clubes Conservadores pelos condados britânicos não parecem ser a medida mais acurada do humor dos britânicos. Mas essas missões ministeriais dirigidas aos pontos menos representativos da opinião pública têm mais a ver com modelar um consenso – qualquer consenso! – entre as variadas tribos de deputados Tories, do que com algum projeto político mais ambicioso.

A mensagem de May – na verdade, uma ameaça – tem pouca chance de gerar alguma unanimidade, sequer alguma (qualquer) ordem no Partido Tory, menos ainda no Parlamento inteiro. E quaisquer chances que tivesse, acabaram ainda mais enfraquecidas depois da intervenção de Romano Prodi, no fim-de-semana, para quem, se o acordo não passar na Câmara dos Comuns, a UE voltará às negociações.

Prodi manifestou-se antes de Jean-Claude Juncker como presidente da Comissão Europeia. Sua identidade política Democrata com carreira no banco Goldman Sachs faz dele o representante ideal dos dois imperativos institucionais: da burocracia de Bruxelas e da comunhão da União Europeia com a chamada centro-esquerda.

Deve-se ver na intervenção de Prodi mais uma manobra nos infindáveis esforços de nossos governantes para garantir que se perenizem a defesa e a promoção dos interesses deles. Será mais uma dessas desgastadas rodadas de conversas, nas quais as convulsões internas do Partido Tory terão papel menos significativo que as consideração estratégicas de uma classe governante que se vai rendendo à ideia de que Jeremy Corbyn tem altas chances de vir a ser primeiro-ministro.

O grande benefício – para nossa burguesia –, do quadro constitucional infinitamente flexível da Grã-Bretanha é que essa política das comunidades da classe trabalhadora e dos locais de trabalho só muito imperfeitamente é representada no Parlamento.

Durante a maior parte do tempo, esse arranjo gera poucos problemas para as classes de cima. Mas, como Emmanuel Macron esse president des riches está afinal aprendendo, maioria parlamentar que não represente os muitos tem bem pouca serventia, quando as ruas estão em chamas e os policiais começam a tirar os capacetes que só usam para agredir o próprio povo.

Para nossos governantes, eleição antecipada é evento tão preocupante quanto Jeremy Corbyn no poder. E esses medos não foram dissipados pela fala firme e incisiva de Corbyn, na conferência do Partido dos Socialistas Europeus. 

Para Corbyn, a Europa tem de se unir para lutar contra o crescimento da direita e das políticas neoliberais. Não se unir para essa luta “facilitará o caminho de falsos populistas até o poder” – disse Corbyn.

“A extrema direita alimenta-se dos medos que se alastram, inflados pela degradação dos padrões de vida, pelas crescentes dificuldades pelas quais passam as comunidades, pelo trabalho precarizado e pela redução dos subsídios para os serviços públicos. Tudo isso para transferir às minorias as culpas dos poderosos e reais responsáveis pelos fracassos econômicos e sociais.”

Forças anti-imigração cresceram na Europa em anos recentes, chegaram ao poder na Itália, Áustria, Hungria e Polônia, e vão ganhando poder na Alemanha e na França, já conseguindo um primeiro sucesso na Espanha, no domingo.

“Se o establishment político europeu mantiver os velhos acertos de sempre, os populistas-simulacro da extrema direita logo preencherão o vácuo” – disse Corbyn.

Convocou os líderes de esquerda para trabalharem juntos, como fazem em Portugal, onde o governo minoritário dos socialistas conta com o apoio, no Parlamento, de dois partidos da extrema esquerda.

Discursando poucos dias antes de o Parlamento votar, dia 11 de dezembro, o plano da primeira-ministra Theresa May para o Brexit, Corbyn reiterou que os Trabalhistas sentiam que o acordo proposto por May já deveria ter sido rejeitado antes, e que havia outro plano possível, melhor, idealmente para uma união alfandegária de longo prazo com a União Europeia. “Entendemos que o acordo que ela traz outra vez à discussão é inaceitável” – disse ele a jornalistas. – “Não agrada a ninguém”.

“Para começar, temos de rejeitar esse acordo, e trazer o governo à mesa de negociações para construir acordo melhor, que siga as linhas que definimos; e se o governo não fizer isso deve renunciar, e teremos eleições gerais.”

O Partido dos Socialistas Europeus reúne o que resta do que foi um dia o grupo que regia os passos na estrutura da União Europeia, mas hoje perdeu a maioria, qualquer ideologia coesa ou unificada e até qualquer linguagem política comum a todos. O consenso democrático que uma vez serviu de base para décadas de relativa paz entre as classes evanesceu e, com ele, evanesceram-se muitas das razões para que os trabalhadores continuassem a votar nos socialistas europeus.

Mas na Grã-Bretanha está sendo diferente. O Trabalhismo de Corbyn é animal diferente dos partidos continentais de conciliação de classes.
“O apoio da União Europeia ao arrocho [dito ‘austeridade’, mas não é austeridade: é ARROCHO (NTs)] e às fracassadas políticas neoliberais causaram sérias dificuldades à classe trabalhadora em toda a Europa” – disse Corbyn em discurso ao Congresso Anual do Partido dos Socialistas Europeus em Lisboa. 

Esse apoio “agrediu a credibilidade dos partidos social-democratas europeus e teve efeito significativo no voto a favor do Brexit” – continuou Jeremy Corbyn, falando a um público no qual se reuniam representantes de parceiros da coalizão SPD de Angela Merkel e do Partito Democratico, eurocrático, de Prodi.

Não é mensagem que soe bem a setores do Partido dos Socialistas Europeus, e o discurso de Corbyn fez marcado contraste com alguns que vieram antes. Elogiou o arranjo político que se construiu em Portugal, onde o Partido Socialista governa com apoio condicional dos comunistas e outras esquerdas e aprovou um programa político que oferece aos socialistas social-democratas europeus uma via para voltar ao poder.

O Partido Trabalhista talvez herde o tumulto que May provocou nas negociações do Brexit. Nas renegociações que Prodi anteviu veremos como está formatado um Brexit do Povo.*******



[1] Sobre o Partido Conservador da Grã-Bretanha, chamado “Tory”, ver aqui [NTs].



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