(transcrição ing. integral distribuída pelo YVaroufakis Blog aqui traduzida; versão esp. reduzida, El Pais)
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Yanis Varoufakis, ex-Ministro das Finanças da Grécia
"Consegui mudar a opinião de 6, em 8. Perdemos. Foi uma boa luta."
Dois dias, uma noite (2015), dir. Jean-Pierre e Luc Dardenne
[epígrafe acrescentada pelos tradutores])
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"Em 1967, foram os tanques; em 2015, foram os bancos. (...) O que se tem é uma força que ninguém consegue fazer parar, batendo contra objeto que até agora ninguém conseguiu mover. O que ninguém até agora conseguiu mover é a lógica fixa, paralisada, a irracionalidade do Eurogrupo. A força que ninguém consegue deter é a história. O confronto sempre gerará muito calor e fúria. Há de gerar também alguma luz" [YV, El Pais].
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El País: Por que todas as entrevistas suas que já li começam com uma pergunta sobre se o senhor está bem, se, como se vê, o senhor está realmente muito bem?
Yanis Varoufakis: Suponho que os jornalistas assumam que eu teria de estar deprimido, de algum modo, por já não ser ministro. Mas não entrei na política como carreira. Entrei na política para tentar realmente mudar as coisas. E há um preço a pagar, quando se tenta mudar as coisas.
El País: Que preço?
Yanis Varoufakis: O desdém do establishment. O profundo sentimento de ira em todos cujos interesses têm de ser afetados, para que se faça alguma diferença. As pessoas sentem-se ameaçadas. Se se entra na política disposto a não ceder, é como afrontá-las.
El País: O senhor disse que tem de mudar as coisas. Nesses seis meses, parece-lhe ter mudado alguma coisa?
Yanis Varoufakis: Com certeza mudei. Por que você está aqui? Você estar aqui é sinal de que algo mudou. Há um governo que foi eleito para negociar com firmeza, numa linha de argumento que não era considerada aceitável na Eurozona. Mas a história também caminhava nessa direção. O que se tem portanto é uma força que ninguém consegue fazer parar, batendo contra objeto que até agora ninguém conseguiu mover. O que ninguém até agora conseguiu mover é a lógica fixa, paralisada, a irracionalidade do Eurogrupo. A força que ninguém consegue deter é a história. O confronto sempre gerará muito calor e fúria. Há de gerar também alguma luz.
El País: Li o seu livro, sobre sua filha… E fiz alguma pesquisa sobre alguns números. O resgate chegará ao fim em 2018. Significa que o país estará sob supervisão, até que o país pague a maior parte dos empréstimos: o tempo médio de maturação dos empréstimos é 32 anos. Assim sendo, seus netos já serão adultos, e a ex-troika, atual quadriga, os men in black, estarão aqui em Atenas. Como o senhor lida com isso?
Yanis Varoufakis: Não se deve dizer "ex-troika". É outra vez a mesma troika. Demos a eles a chance de se tornarem "as instituições", o que os legitimaria. Mas insistiram em atuar como a mesma troika ilegítima dos últimos cinco anos.
El País: O senhor não acabou com a troika?
Yanis Varoufakis: Bem... Nos livramos deles aqui em Atenas. Mas eles voltaram: a troika voltou. Poderiam ter atuado como instituições legítimas. Mas parece claramente que preferem agir como a troika de credores. Foi escolha deles.
El País: Mas estarão aqui até 2050, quando seus netos já forem adultos.
Yanis Varoufakis: Não, não estarão. Porque o acordo agora imposto não tem futuro. É o golpe de prorrogar-e-fingir [prorrogar os empréstimos e fingir que o credor algum dia pagará]: prorrogue a crise com mais empréstimos não sustentáveis, e finja que assim você resolveu o problema. Não pode durar para sempre. Você pode enganar as pessoas e os mercados por algum tempo, mas fato é que você não pode enganá-los por 50 anos. Ou a Europa muda, e o processo atual é substituído por algo mais democrático, mais duradouro, administrável, humanista. Ou a Europa desaparecerá como União Monetária.
El País: O que o senhor espera para os próximos seis meses? Nós esperamos um 3º acordo de resgate em meados de agosto.
Yanis Varoufakis: Esse programa foi desenhado para fracassar. Portanto, fracassará. Não é fácil, para o arquiteto, construir prédio firme, que não caia, mas é muito fácil construir prédio que desaba. Qualquer um faz prédio para desabar. Foi desenhado para fracassar, porque, encaremos os fatos: Wolfgang Schäuble não tem interesse algum em acordo que funcione. Schäuble disse categoricamente que queria redesenhar a Eurozona, e parte desse serviço de redesenhar implica pôr a Grécia para fora da Eurozona. Acho é erro completo, mas é o plano dele e ele é jogador muito poderoso. Uma das grandes falácias no momento é apresentar o acordo imposto ao nosso governo dia 12/7, como se fosse alguma espécie de 'alternativa' ao plano de Schäuble. Pessoalmente, vejo as coisas de outro modo: até o acordo do dia 12/7 é parte do plano de Schäuble. Mas, não é o que diz a sabedoria convencional.
El País: O senhor então espera uma Grexit?
Yanis Varoufakis: Não. Espero que não aconteça. Mas espero, sim, muito barulho, como já disse: atrasos, alvos inalcançáveis que não serão alcançados, cada vez mais recessão, becos sem saída, nas relações políticas. Até que algum bom senso volte a predominar. E a Europa terá de decidir se prossegue, ou não, com o plano Schäuble.
El País: Mas qual o seu cenário central? Schäuble está condenando a Grécia a sair?
Yanis Varoufakis: O que se vê é que há um plano que está sendo implementado, a implementação está em andamento. Hoje se leu que Schäuble quer afastar a Comissão, e criar uma espécie de Comissário do Orçamento, para supervisionar a aplicação das 'regras' que mandam cortar nossos orçamentos nacionais, inclusive de países que não estejam em qualquer tipo de programa. Em outras palavras, significa que todos os países serão tratados como se fossem países devedores! Um dos grandes sucessos da Espanha, em plena crise, foi que vocês conseguiram escapar de ter de assinar um Memorando de Entendimento completo (só assinaram um MdE limitado, só do programa de recapitalização do banco). O plano de Schäuble é instalar a troika em todos os países, em Madrid também, mas, especialmente, em… Paris.
El País: Paris é a disputa final.
Yanis Varoufakis: Paris é o grande prêmio. É onde a troika quer chegar. E o Grexit é usado para criar o medo necessário para obrigar Paris, Roma e Madrid a aceitarem.
El País: Significa sacrificar a Grécia para salvar a Europa?
Yanis Varoufakis: Vejo mais como buscar um "efeito-demonstração": vejam o que acontecerá a vocês, se não se submeterem completamente à troika. O que aconteceu na Grécia foi, definitivamente, um golpe. Asfixiaram o governo com um aperto de liquidez, várias rejeições a diferentes propostas sérias de restruturação da dívida... O mais espantoso é que continuamos a levar propostas a eles que ele recusaram-se a discutir seriamente. Insistiam que não divulgássemos as propostas e, ao mesmo tempo, 'vazavam' que nós não tínhamos o que propor. Qualquer observador independente que assistisse a isso concordaria que eles nunca tiveram qualquer interesse em acordo que beneficiasse os dois lados. Quando impuseram o arrocho de liquidez, forçaram a economia a encolher, para nos culpar... Tínhamos de fazer pagamentos ao FMI, que haviam sido agendados para coincidir com desembolsos para nós, que nunca chegaram. Continuaram a fazer sempre isso, adiando qualquer acordo, até que nossa liquidez acabou. Então nos deram um ultimatum sob a nova ameaça de fechar os bancos. Foi um golpe. Golpe. Exata e precisamente isso, um golpe.
Em 1967, foram os tanques, em 2015, foram os bancos. Mas o resultado é o mesmo, no sentido de derrubarem o governo ou de forçar o governo a se autoderrubar.
El País: E quanto à Europa como um todo?
Yanis Varoufakis: Ninguém é livre, se um ser humano é escravo. É o bem conhecido paradoxo do senhor-escravo de Hegel. A Europa deveria prestar séria atenção a ele. A Espanha não pode prosperar, ou se livre, ou soberana, ou democrática, se a prosperidade da Espanha depende de haver outro estado-membro impedido de crescer, de prosperar, de viver a democracia.
El País: Rajoy disse que se os espanhóis votarem em partidos como Podemos, nos próximos meses estaremos como a Grécia.
Yanis Varoufakis: Não esqueça que, em 2012, a campanha presidencial de Mitt Romney foi construída sobre o mote de "se Obama vencer, os EUA ficarão como a Grécia". A Grécia virou a bola que todos os políticos de direita querem chutar, para tentar assustar a população. Aí está a grande utilidade que tem a Grécia, para a política do Dr. Schäuble.
El País: O senhor acha que o Podemos pode ter prejudicado a Grécia, pelo medo do contágio político?
Yanis Varoufakis: Não. O Podemos de modo algum é problema para nós. Mesmo que o Podemos nem existisse, as forças pró atraso que há na Europa usariam o mesmo medo. A verdade é clara: sempre que uma província de um império se rebela, o imperador e seus subalternos sentem-se obrigados a usar o castigo àqueles rebeldes como exemplo para quem se atreva a tentar a liberdade. Talvez o Podemos tenha intensificado esse processo, mas, na verdade, não tínhamos alternativa: a economia grega foi colhida numa forte espiral deflacionária, sem crédito nem para negócios lucrativos, sem investimento que não fosse de especulação.
O governo que nos precedeu estava aprofundando os graus de autoritarismo, fechou até a emissora de rádio e TV do Estado. É a tal obsessão pelo arrocho, a tal 'austeridade' suicidária, que só leva a perdas de renda cada vez maiores, para satisfazer a besta do arrocho sem fim, chamado 'austeridade'. Essa via só pode ser mantida se se enterra a democracia. Quero dizer: que alternativa os gregos tivemos?
Os gregos votaram em nós porque não soubessem que seríamos tratados com hostilidade, mas porque estavam fartos. Aconteça o que acontecer na Espanha, na França, nos países bálticos, em Portugal, temos o dever, para com nosso povo, de dizer: Nós acreditamos na Europa e vamos continuar a ser europeus, e vamos declarar aos europeus que devemos dinheiro a eles, que queremos pagar, mas não podemos pagar se, a cada minuto, a nossa renda nacional diminui. “Se continuarem a arrochar nosso pescoço desse modo desumano e irracional, nós perdemos nosso país e vocês perdem o dinheiro de vocês.”
Mas... Sempre chega a hora em que você simplesmente tem de dizer e fazer o que é certo. E se a Europa como um todo decidir castigar a Grécia, porque não está preparada para conviver com a verdade, não nos resta alternativa; temos de dizer: “Estamos fazendo o melhor que podemos e esperamos que vocês também consigam encontrar forças, em vocês, para também fazerem o melhor que possam!”
El País: Para mim, não há aí nada do que discordar. Todos dizem que suas ideias sobre 'austeridade', arrocho e alívio da dívida são corretas.
Yanis Varoufakis: Se nós estivéssemos conversando em janeiro passado, nada disso seria assim. A única razão pela qual hoje já não há como discordar de algumas coisas, é que nós lutamos sem parar por seis meses. Aos que dizem que falhamos, que foram seis meses de trabalho perdido, sempre respondo que "Não, nós não falhamos". Hoje afinal há na Europa um debate realmente europeu, não só sobre a Grécia, mas sobre o continente. Sem a nossa luta, esse debate não existiria. O debate europeu vale em ouro o peso da Grécia, do continente europeu.
El País: Mas política é negócio de resultados. O senhor chamou o primeiro e segundo resgates, de 'Tratado de Versalhes'. Como o senhor define o terceiro?
Yanis Varoufakis: The Eurozona começou a existir em 2000. Foi mal planejada e vimos isso (ou deveríamos ter visto) em 2008, quando o banco Lehman Brothers faliu. De 2009-2010 vivemos em estado de negação autista, sem ver que a Europa estava fazendo tudo que de mais errado poderia fazer. É fenômeno europeu, é problema do tamanho da Europa. Até que, na Grécia, 2% do PIB da Eurozona elegeu um governo que, afinal, levantou questões cruciais para a sobrevida da Europa. Depois de 6 meses de luta, tivemos um grande revés, perdemos essa batalha. Mas ganhamos a guerra por mudar o debate. Isso é um grande resultado.
El País: O debate é o resultado?
Yanis Varoufakis: Não tenha dúvida! Não posso quantificar o resultado para você. Não sei dizer quantos bilhões vale. Mas há coisas que não se aferem em termos de preço, mas de valor.
El País: O senhor tinha um plano B, com uma moeda paralela, mas, para resumir a história, Tsipras não quis apertar o botão.
Yanis Varoufakis: Ele é o primeiro-ministro. Ele manda. Meu trabalho como seu ministro de Finanças, era oferecer as melhores ferramentas que eu conseguisse, para que ele decidisse se as usaria ou não. O que interessa é isso. Havia bons argumentos para usar as ferramentas e argumentos para não apertar o botão.
El País: Quando os bancos foram fechados, o senhor pensou que, naquele momento deveria apertar o botão?
Yanis Varoufakis: Claramente pensei que tínhamos de reagir à altura da ação do Eurogrupo, de fechar os bancos gregos. Disse isso, publicamente. Mas decisão coletiva é diferente de decisão pessoal. Se há um gabinete que decide, ele decide. Expus meu pensamento, minha recomendação oficial, mas fui voto vencido. Respeitei a decisão e agi conforme aquela decisão, como deve fazer quem joga para o time. É como funcionam governos e democracias. Aceito plenamente.
El País: Mas esse plano B ainda pode ser aplicado?
Yanis Varoufakis: Vamos separar duas coisas, aqui. Houve um Plano B – que, de fato, nós chamávamos de "Plano X", para contrastar com o "Plano Z" do Banco Central Europeu em 2012 –, de que falou o Financial Times há algum tempo. O Plano X era um plano de contingência para responder aos atos agressivos do Banco Central Europeu, do Eurogrupo etc. E houve também o projeto, separado, para desenhar um novo sistema de pagamento que usaria a interface do Serviço de Arrecadação. Esse sistema, como já expliquei em artigo recente no Financial Times, deve ser implementado de um modo ou de outro. Acho que a Espanha também pode beneficiar-se da mesma ideia, ou a Itália. Países que não tenham banco central podem vir a beneficiar-se desse modo eficiente para criar mais liquidez e para lidar mais efetivamente com pagamentos atrasados entre o Estado e seus cidadãos, mas também entre cidadãos.
Portanto, é importante manter separados esses dois planos. O sistema de pagamentos pode e deve ser implantado amanhã mesmo. O Plano X, já é, me parece, história, porque foi pensado como resposta a atos de agressão cujo objetivo era nos obrigar a nos render durante as negociações. Agora que já nos rendemos, o Plano X já é parte da história econômica.
El País: Tsipras disse ao Parlamento, antes da votação, depois do referendum, que não havia alternativa aos pacotes, mas acho que com esse plano o senhor está dizendo ao povo que há alternativa ao pacote.
Yanis Varoufakis: Meu pensamento político, desde muito jovem, sempre foi modelado por oposição de princípio, intelectual, à ideia de TINA – a lógica liberal segundo a qual "There Is No Alternative" [Não Há Alternativa, NHA]. A oposição a essa ideia modela meu modo de pensar desde quando vivi na Grã-Bretanha sob governo de Margaret Thatcher, que lançou a TINA (NHA). Todo meu pensamento político foi sempre dirigido na direção da oposição à tal TINA (NHA). Até criei uma sigla: dizia que não acredito em TINA, mas em TATIANA: That Astonishingly There Is AN Alternative [Ninguém Acredita, Mas Há UMA Alternativa, NAMHUA]!
Quero dizer é que nunca aceitaria ou aceitarei a visão de que não haveria alternativa. Posso aceitar que um primeiro-ministro, considerando as alternativas, opte pela menos ruim. Podemos discutir se uma alternativa era menos ruim, ou ótima. Mas a ideia de que não haja alternativa faz arrepiar, constitucionalmente, cada fibra do meu corpo e do meu pensamento.
El País: Queria falar sobre sua retórica: mafia, criminosos…
Yanis Varoufakis: Nunca, jamais usei a palavra mafia.
El País: Terrorismo, tortura por simulação de afogamento fiscal…
Yanis Varoufakis: Tortura por simulação de afogamento fiscal, sim. Aí está uma expressão da qual muito me orgulho. É descrição precisa, acurada, do que aconteceu durante anos. O que é tortura por simulação de afogamento? Você pega o sujeito, enfia a cabeça dele num tonel com água até ele quase morrer, mas um instante antes de ocorrer a morte por afogamento, você tira a cabeça do torturado de dentro da água. Você deixa o infeliz respirar uma ou duas vezes e novamente enfia a cabeça dele na água. E repete, repete, até que o torturado... confessa. Claro que a tortura por simulação de afogamento fiscal não é física, é fiscal. Mas a ideia é a mesma e é exatamente o que aconteceu a sucessivos governos gregos desde 2010. Os governos gregos que cultivaram dívidas insustentáveis precisavam de liquidez, mais que de ar. E sempre que se aproximava data de pagamentos aos credores, ou de pagar servidores, os bancos cortavam a liquidez até o último segundo, um minuto antes da falência formal, e isso até que... os torturados 'confessaram'; até que assinaram os acordos que sabiam que acrescentaria novo ímpeto à crise mortal da economia real. Naquele momento, a troika garantia liquidez suficiente, como fizeram agora, com 7 bilhões que o governo grego recebeu para pagar o que devia... ao Banco Central Europeu e ao FMI.
Exatamente como na tortura por simulação de afogamento, essa liquidez, ou 'oxigênio', é calculado para, estritamente, manter 'a vida', sem falir/morrer formalmente, mas só isso, nem um átomo de ar, ou centavo, a mais. E a tortura continua, com o efeito de que o governo permanece sob absoluto controle da troika. A tortura por simulação de afogamento fiscal funciona desse modo, e não posso imaginar melhor meio para descrever o que está acontecendo.
Quanto a eu falar de terror e terrorismo, veja o caso do referendum. Dia 25 de junho, recebemos ampla proposta da troika. Nós a estudamos com a mente aberta e concluímos que era proposta não viável. Se assinássemos aquilo, estaríamos definitivamente falidos em 4-5 meses, e o Dr. Schäuble diria "Viram? Aceitaram condições que não podem cumprir." O governo grego não pode voltar a fazer isso. Temos de afirmar nossa credibilidade e só assinar acordos que possamos cumprir. E eu disse aos ministros reunidos no Eurogrupo, dia 27/6, que nossa equipe se reunira e decidimos que não podíamos aceitar aquela proposta porque nunca funcionaria. Mas, ao mesmo tempo, somos europeístas e não temos mandato, nem vontade, nem interesse, de entrar em confronto com a Europa. Foi quando resolvemos apresentar a proposta do Dr. Schäuble aos gregos, e pedir que se manifestassem sobre ela, em referendum.
E o que fez o Eurogrupo? Recusaram-se a nos dar umas poucas semanas de prorrogação no vencimento das dívidas, para que pudéssemos fazer o referendum em paz. E imediatamente fecharam os nossos bancos. Fechar bancos numa economia monetizada é a pior forma imaginável de terrorismo monetário. Causa medo nos cidadãos. Imagina se amanhã, no seu país, os bancos não abrissem, por causa de uma decisão do Eurogrupo que quer, com o fechamento dos bancos, obrigar o governo a concordar com ideia ou procedimento inadmissível. Os espanhóis seriam apanhados num torvelinho de terror monetário. O que é terrorismo? Terrorismo é a realização de uma agenda política mediante a qual se produz medo generalizado. E foi o que o Eurogrupo fez. Simultaneamente, a imprensa-empresa grega também aterrorizava as pessoas, dizendo que, se votassem "Não" no referendum, seria o apocalipse. Também foi campanha baseada no medo. E isso, precisamente, foi o que eu disse.
Talvez o pessoal de Bruxelas não tenha gostado de ouvir a verdade. Se eles não estivessem dedicados a aterrorizar os gregos, eu não teria usado essa expressão.
El País: Meu ponto é que chamar o FMI de criminosos, como fez Tsipras, não ajuda no resultado das negociações. E com essa retórica, é difícil.
Yanis Varoufakis: Sejamos bem precisos. Ele não chamou o FMI de criminosos. O primeiro-ministro falou sobre um programa criminosamente negligente que impôs aos gregos uma crise monumental, inclusive uma emergência humanitária. É precisamente o que foram os 'programas' gregos de 2010 e 2012. Mas permita-me acrescentar um ponto importante aqui: nós não recorremos à nossa retórica 'ferina' (por exemplo, o que Tsipras declarou) até o final de junho.
Do dia 25 de janeiro até o final de junho, estivemos negociando de boa fé; mas a troika, não. Fomos excepcionalmente suaves e polidos, diante da mais inacreditável hostilidade e grosseria e das ofensas. Fomos a todas as reuniões do Eurogrupo sempre com boas propostas, sugerindo que o melhor seria definirmos duas ou três grandes reformas em torno das quais todos concordávamos (p. e., evasão fiscal e corrupção; uma nova autoridade fiscal independente da política, mas também da oligarquia). Rejeitaram todas as nossas propostas e ameaçaram encerrar as negociações, se nós tornássemos públicas as nossas propostas... Enquanto eles, diariamente, vazavam para o Financial Times 'notícias' de que não tínhamos proposta alguma. Insistiam em longas, intermináveis sessões de ofensas contra os gregos, que chamavam de discussões 'técnicas', ao mesmo tempo em que já estavam asfixiando nossa economia.
O comportamento daqueles homens e mulheres foi abominável. Nós respondemos sempre com argumentos sólidos e de modo perfeitamente civilizado.
E assim foi, e os meses passando. Nunca paramos conceder. No final de junho, nosso primeiro-ministro concordou com praticamente 9 décimos de tudo que eles queriam. E o que fizeram eles? Mudaram tudo, suas próprias 'exigências'.
Uma das exigências mais inacreditáveis era que, dia 25 de junho, todos os impostos sobre valor agregado cobrado dos hotéis, teriam se ser aumentados para 23%! Foi ato de agressão.
Foi quando decidimos, com muita razão, dizer a verdade, falar da negligência criminosa do FMI, da tortura por simulação de afogamento fiscal. Há momentos em que é preciso dizer a verdade, as coisas como as coisas são. Os europeus estão perdendo a confiança na UE por causa da muralha de mentiras e propaganda que se vê sempre, sob a forma de terminologia imprecisa, quando o que está acontecendo na realidade é uma completa violação das regras básicas da lógica, dos tratados de constituição da União Europeia, da convivência civilizada e da democracia.
El País: Mas então, por que Tsipras aceitou tudo?
Yanis Varoufakis: Para saber disso, você terá de entrevistá-lo. Não é correto que eu responda por outro, especialmente pelo meu primeiro-ministro.
El País: No Eurogrupo, alguns ministros falaram do senhor como imprevisível, homem de hábitos de vida luxuosos, muitas fotos suas... O que o senhor pensa ao saber desse tipo de retrato?
Yanis Varoufakis: Não é verdade. Ninguém disse coisa semelhante a essas no Eurogrupo. Podem ter dito fora de lá, nem sei, nem me interessa. Todos, no final das contas, somos julgados pela qualidade de nossas narrativas públicas. Você e seus leitores que julguem. Todos somos julgados pelos eleitores, pelo povo europeu. No meu caso, minha consciência está tranquila. Depois da terceira reunião do Eurogrupo, postei no meu website minhas intervenções nas três reuniões. É ler e me dizer se fui imprevisível, pouco polido, sei lá o que disseram. Pela minha avaliação, minhas intervenções foram claras, irretocáveis, do ponto de vista da ciência econômica e propositivas, positivas. Os leitores podem ler tudo no website e julgar.
[...]
El País: Que planos o senhor tem para sua carreira política?
Yanis Varoufakis: Política não deve ser carreira. Sou membro do Parlamento grego, muito honrado pela confiança que meus eleitores depositaram em mim. Meu compromisso com quem votou em mim desde janeiro, quando fui eleito, é que não retrocederei um passo, defenderei o que penso e lutarei com os meus eleitores gregos pela democracia e pela prosperidade na Grécia, mas também por toda a Europa. Aqui estou, aqui fico até o fim. Não vou sair de onde estou.
El País: O senhor é homem da academia, é professor e autor de livros realmente sensacionais como Minotaur. O senhor gostou do que viu em Bruxelas?
Yanis Varoufakis: Certamente, não gostei do que vi em Bruxelas e acho que nenhum europeu gostaria, se pudesse ver com os próprios olhos. Mas é o que temos, é a União Europeia que temos, e temos de consertá-la. Os piores inimigos da democracia são cidadãos que dizem que "é sistema terrível, mas não posso fazer nada para mudar".
El País: Por que o senhor não tem aliados no Eurogrupo? Quero dizer, nem França, nem Itália, Espanha, Irlanda… Países que, no início, com o Syriza, tinham ideias positivas. No final, foram 18 votos contra 1.
Yanis Varoufakis: Você precisa entender que esse 18-1 dentro do Eurogrupo é uma ilusão. Os 18 dividem-se claramente em três grupos: uma pequeníssima minoria que realmente crê que só o arrocho salva, países que acreditam na 'austeridade'; o maior grupo de países, dos que não acreditam no arrocho, mas impuseram o arrocho aos próprios cidadãos; e há ainda um terceiro grupo de países, que nem acredita no arrocho nem pratica o arrocho – é o caso da França. Mas esses países temem que, se apoiarem abertamente a luta da Grécia, o arrocho, a 'austeridade' e a troika desabarão sobre eles.
Wolfgang Schäuble, Ministro das Finanças da Alemanha
El País: Qual sua relação com Schäuble, de Guindos e talvez Dijsselbloem?
Yanis Varoufakis: Nenhuma relação foi jamais possível com Dijsselbloem. Não só porque é homem muito pobremente dotado intelectualmente, mas, sobretudo, porque não é homem em que alguém possa confiar. Por exemplo, escolheu mentir para mim, na minha primeira participação no Eurogrupo sobre um procedimento. Uma coisa é você discordar do presidente do Eurogrupo. Outra coisa é o homem pôr-se a mentir sobre questão gravemente importante do que estava sendo negociado. Por outro lado, Schäuble e de Guindos são colegas ministros com quem gostei muito de conversar, no contato pessoal. Nossas conversas quase sempre eram duras e difíceis, mas sempre interessantes. Como professor e intelectual, não há nada que me interesse mais que uma conversa em que haja troca efetiva de pensamento. Nossas discordâncias sempre foram graves, mas, no plano pessoal, sempre houve respeito mútuo, e nossas conversas sempre foram, para mim, conversas extremamente muito úteis.
O problema é que, quando todas essas pessoas se reúnem no Eurogrupo, por causa do design institucional do Eurogrupo, que é catastroficamente péssimo, o único resultado possível é essa governança fracassada que está destroçando a Europa. Quero dizer que, num contexto diferente, num quadro institucional menos vicioso, tenho certeza que uma relação de trabalho que se constituísse entre de Guindos, Schäuble e eu poderia, sem dúvida produzir melhores frutos.
El País: De volta à pergunta sobre a Espanha. O que a Grécia pode ensinar à Espanha? O governo espanhol disse que se os eleitores votarem a favor do Podemos, virão problemas e em poucos meses a Espanha será a Grécia.
Yanis Varoufakis: Entendo que os eleitores espanhóis devem considerar a situação econômica e social na Espanha e votar conforme as necessidades e carências da sociedade deles, independentemente do que está havendo na Grécia, na França… O perigo de o país converter-se em Grécia sempre está presente e se materializará, se se impuserem à Espanha os mesmos erros que foram impostos à Grécia.
Punir uma nação orgulhosa, para meter medo nos cidadãos de outra não deveria ser o objetivo para o qual se criou a Europa. Não é a Europa pela qual votamos, não é a Europa a favor da qual assinaram González, Papandreou, Giscard d’Estaing, Helmut Schmidt etc. Temos de recuperar aquele sentimento de sermos todos europeus e encontrar meios para recriar o sonho de prosperidade e democracia partilhadas. A ideia de que medo e ranger de dentes conseguirão criar alguma nova Europa é ideia que nos está levando diretamente a anos 1930s pós-modernos. Acho que os espanhóis e os gregos sabem exatamente o que lhes fizeram os anos 1930s.
El País: O senhor disse uma vez que o legado de Thatcher foi financeirização, supermercados e Tony Blair. Pergunto: qual é o legado de Merkel, da liderança dela?
Yanis Varoufakis: A Europa está em processo de converter-se, de espaço de prosperidade partilhada, como a imaginamos, em uma jaula de ferro para nossos povos. Espero que a Sra. Merkel decida que esse não é o legado que deseja deixar. ** FIM DA ENTREVISTA **
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